Administração pública de caráter democrático e participativo no estado de direito no Brasil: o novo serviço público face a constituição de 1988

AutorRejane Esther Vieira
CargoBacharel em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/2003) e formanda em Administração Pública pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Escola Superior de Administração e Gerência (UDESC/ESAG). Participou como pesquisadora na UDESC no Projeto de Pesquisa Probic (2006-2007).
1 Introdução

A questão da Administração Pública1Democrática e Participativa ultrapassou a área acadêmica e criou força na concepção de sociedade organizada, formalizando o reconhecimento indiscutível de que tanto os desafios contextuais do cenário da realidade brasileira quanto às condições de funcionamento gerencial e operacional dos Estados, principalmente aqueles em desenvolvimento, exigem ações no sentido de buscar-se um fortalecimento institucional.

No Brasil, os contextos político, econômico e social impõem transformações macro-institucionais, que afetam o papel do Estado. Cada um destes elementos supramencionados, por sua vez, exige significativas transformações nas instituições públicas, posto que comprometem o Poder Executivo do Estado brasileiro.

Busca-se identificar o papel da Constituição Federal de 1988 na construção de uma administração de caráter mais democrático e participativo e do novo serviço público no Estado de Direito Brasileiro. Entende-se que Carta Maior de 1988 significou um avanço na legislação e na gestão administrativa do país, pois veio estabelecer a legitimação dos direitos sociais e coletivos que são fundamentais para o desenvolvimento da democracia participativa brasileira.

Para Perez (2004:213) a Constituição Federal brasileira avançou a mera enunciação dos princípios da Democracia e do Estado de Direito, estabelecendo uma série significativa de normas voltadas a respaldar a adoção de institutos participativos na Administração Pública. É cada vez mais consensual no Brasil assim como em outros países, a preocupação com o princípio da participação na Gestão Pública, assim como a sua eficiência e a legitimidade.

A Administração Pública atualmente, passa a adotar novos métodos de atuação voltados para a cultura do diálogo, de favorecer o trabalho da sociedade sobre ela mesma. Percebe-se que a administração depende da vitalidade das intervenções sociais e da dinâmica dos atores sociais. Para Perez, “a administração assume hoje a função de harmonizar o comportamento dos atores sociais, procurando ser mais a transparente, distanciando-se dos modelos burocráticos puramente gerenciais e neoliberais”.(PEREZ 2004:221).

Entende-se que o texto constitucional aprovado em 1988 foi o resultado dos processos de mobilização e das pressões exercidas por vários segmentos da sociedade. Para Ailton Dias dos Santos (2005:35), a Constituição de 1988 acentuou esse processo de forma decisiva, ao institucionalizar princípios pautados em conceitos como participação e controle social. O texto constitucional exerceu influência determinante no formato e conteúdo das políticas públicas que se seguiram no debate sobre participação e espaços público no Brasil.

Neste sentido, volta-se a questão central deste artigo: De que maneira a Carta Maior atua na construção de uma administração de caráter mais participativo e o chamado “novo serviço público” no Estado de Direito Brasileiro? Qual a sua influência para o exercício da Administração Pública no cenário brasileiro?

2 Estado democrático de direito: contextualização

Partindo da análise da evolução histórica do Estado de Direito no mundo, observa-se que os diferentes modelos de Estado construídos ao longo da história moderna, estão representados pelo Estado Liberal, no século XVIII, a partir da Revolução Francesa passando para o Estado Social ou Estado Providência, durante o século XIX, e posteriormente, para o de Bem-estar Social e Estado Democrático de Direito, a partir de meados do século XX.(BERNARDES 2005:30).A importância de pesquisar o Estado de Direito brasileiro está no processo de ‘construção’ de um novo Estado, mais eficiente, mais cidadão, de caráter social, democrático e principalmente participativo. Neste cenário, estão também inseridas as diferentes correntes de Administração Pública.

Reservou-se, com o movimento global de construção desse Estado de Direito3II, um espaço destacado à participação. É através da ‘participação’ que se rompe as fronteiras existentes entre o Estado e a sociedade, aproximando-os. Abre-se a busca pela concepção da ‘liberdade’, entendida aqui de maneira mais ampla, identificada com os ‘direitos fundamentais4 ou direitos humanos’.

Identifica-se atualmente, que o Estado de Direito tenta firmar o papel da promoção dessa nova liberdade. Observa-se, as transformações ocorridas na passagem do Estado Moderno para o Estado Contemporâneo atingem tanto a área do Direito e quanto a da Administração. Assiste-se um ‘descortinar’ dos chamados ‘novos’ direitos dentro de uma nova percepção de realidade. Constata-se que os ‘direitos’ estão intimamente ligados a noção de Estado e de Sociedade.

Nos anos 90, encontramos no Brasil, a “Reforma do Aparelho do Estado5 que faz parte de um arco maior, mais abrangente chamado “Reforma do Estado”6.

Enquanto parte desse arco, coube à ‘reforma do aparelho do Estado’ a redefinição da organização da Administração Pública, com o intuito de superar mazelas e assim implantar uma Nova Administração Pública. Analisar a Reforma Administrativa no Brasil é também investigar o Estado de Direito brasileiro, pois ocorrem alterações do texto constitucional que envolvem novas orientações jurídico-políticas.

Estuda-se aqui, o modelo de Estado Ocidental formado pela influência dos elementos culturais remanescentes do Império Romano do Ocidente, pelos elementos germânicos e pelos valores da igreja (cristianismo latino).Neste primeiro momento, a idéia ou conceito de Estado se volta para uma sociedade mais ‘vasta’, mais ampla do que já se conhece. É uma organização destinada a manter pela aplicação do direito as condições universais de ordem social que busca garantir os direitos fundamentais dentro da sociedade. Sabe-se que o nascimento do Estado é decorrente de um processo e não de um ato localizado no tempo. Considera-se uma evolução não uniforme e cheia de transformações ao longo dos séculos.(BURDEAU 1970:22)

Nas palavras de Hans Kelsen (1990:191), o Estado é uma sociedade politicamente organizada porque é uma comunidade constituída por uma ordem coercitiva, e essa ordem é o Direito.Entende-se que esta sociedade política está entrelaçada com a autoridade, com o poder e o próprio direito. Possui uma ciência do Estado, mas não de um Estado particular e sim de um Estado em geral, mais amplo, considerado em sua natureza, suas leis, suas formas e seus princípios.(MALUF 2006:01)

Percebe-se que é uma tarefa difícil encontrar uma definição de Estado, pois é grande a sua complexidade7. Para o constitucionalista português, Canotilho (1993:38), o “Estado perspectiva-se como forma de racionalização e generalização do político das sociedades modernas”.Compreende-se que o Estado, na sua visão, funciona como uma ‘positivação real’ e ‘não particularizada’ da vida coletiva de uma sociedade moderna.

Sabe-se que o poder do Estado envolve três modalidades: a função legislativa, a executiva e a judiciária. As leis, decretos, sentenças, regulamentos, atos de várias espécies são os instrumentos que o Estado utiliza para focar sua finalidade. Assim, o Estado e o Direito estão intimamente relacionados, pois o conjunto de normas e preceitos é que se denomina, num sentido mais abrangente, o Direito, que dispõe também sobre a organização do próprio Estado. (AZAMBUJA 1980:390).

No tocante a concepção contemporânea de Estado, pressupõe-se a existência de uma Constituição, um documento cujo conteúdo é composto pelos direitos e garantias fundamentais e delimitadas as formas de conquista e exercício do poder. Para Canotilho (1993:43), o Estado hoje apresenta-se como “Estado Constitucional Democrático, porque ele é conformado por uma lei fundamental escrita, a Constituição juridicamente constitutiva das estruturas básicas de justiça e pressupõe um modelo de legitimação reconduzível à legitimação democrática”.

Desta forma, com as Constituições escritas, a Ciência do Estado toma novo rumo. Com o estudo da organização de cada Estado, vai-se acentuando que todos eles há elementos em comum e permanentes possíveis de conceituar e classificar. Deste ponto surge o interesse a necessidade de investigar como surgiram e evoluíram os Estados e instituições, sua estrutura, dinâmica das sociedades políticas com o objetivo de esclarecer muitas mazelas da atualidade.(PETERSEN 1997:49).

Observa-se que foram vários os elementos que determinaram profundas transformações na estrutura do Estado ao longo dos séculos e que desencadearam a transformação do Estado Moderno no Estado Contemporâneo8. Tais elementos são a organização do capitalismo com a livre concorrência de mercado, a racionalidade do poder legal, os movimentos sociais que emergiram a partir da Segunda metade do século XIX, ainda no Estado Moderno.

Segundo o autor Marcos Augusto Perez (2004:62), a participação popular no Estado de Direito proporciona um avanço nas formas de controle da Administração. Destaca-se que através da participação, a coletividade fiscaliza a Administração Pública. É portanto, uma forte ferramenta na construção do Estado Democrático de Direito, assim como a efetivação dos direitos humanos. Houve um crescimento da Administração Pública sobre a vida social e desta forma, acentuouse a necessidade da criação de novos mecanismos objetivando a proteção dos cidadãos.

Portanto, procura-se efetivar e remodelar o Estado de Direito brasileiro composto pelos diversos atores sociais e políticos da sociedade, pelos cidadãos ativos que buscam atuar em diferentes espaços públicos de participação. Hoje, conforme já colocamos o Estado de direito se firma no papel da liberdade identificada pelos direitos fundamentais e pelos direitos humanos.

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