Decisão definitiva no processo administrativo fiscal e o recurso de ofício

AutorMarcos Vinicius Neder
CargoMestre em Direito. Presidente da Sétima Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes
Páginas1-18

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1. Considerações iniciais

A Administração Tributária tem se dedicado a aperfeiçoar as vias pelas quais os contribuintes podem se defender de exigências tributárias. O sistema recursal concebido para garantia do direito de defesa no âmbito do processo administrativo tributário envolve uma série de possibilidades, que são postas em função do caso concreto. Nesse contexto, a dimensão procedimental ganha relevância e assume um elevado grau de importância o domínio dos instrumentos jurídicos que permitam dar efetividade aos direitos e garantias dos particulares.

Sobre esse prisma, o centro das atenções tem sido o estudo dos instrumentos de defesa e há grande interesse nas questões relativas aos meios pelos quais o contribuinte pode se insurgir caso não concorde com a decisão proferida por julgadores administrativos, seja em primeira instância pelo Delegado da Receita Federal de Julgamento (DRJ), seja em segunda instância, pelo Conselho de Contribuintes. Page 2

Divergências jurisprudenciais se instalaram no contencioso quanto aos efeitos do recurso de ofício das decisões que exoneram crédito tributário acima de certo valor (atualmente, R$ 1.000.000,00). Vale observar que a remessa "ex officio" não é meio de defesa, mas um instrumento que busca dar segurança às decisões administrativas e é manejado pelo próprio julgador que profere a decisão favorável ao contribuinte1.

A legislação processual preceitua que a autoridade de primeira instância (Turma Julgadora da Delegacia da Receita Federal de Julgamento) deve recorrer de ofício sempre que:

I - exonerar o sujeito passivo do pagamento de tributo e encargos de multa de valor total (lançamento principal e decorrentes) superior a R$ 1.000.000,00;

II - deixar de aplicar pena de perda de mercadorias ou outros bens.

Esse reexame obrigatório foi concebido para minimizar falhas no processo que permitam a dispensa indevida de crédito tributário por parte dos julgadores administrativos. A autoridade que julga o processo é obrigada a encaminhar o processo para apreciação dos Conselhos de Contribuintes e a sentença não produz efeitos enquanto não suprida essa revisão.

Dúvidas têm se apresentado no tocante à natureza desse recurso. Seria um verdadeiro recurso? O julgamento que rejeita o recurso de ofício seria outra decisão ou apenas complementação da decisão recorrida?

Além disso, as Turmas de Julgamento da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), órgão administrativo de julgamento em instância especial, têm divergido sobre a possibilidade de a Procuradoria da Fazenda Nacional interpor recurso especial à Câmara Superior para reformar a decisão do Conselho de Contribuintes que ratificou decisão de primeira instância favorável ao contribuinte.

Recentemente, a Portaria MF nº 147, de 25/06/2007, que aprova o novo Regimento Interno da Câmara Superior de Recursos Fiscais expressamente, em seu art. 7º, §4º2, autorizou a revisão pela via especial dessas decisões do Conselho, visando alterar a jurisprudência administrativa que se firmava sobre essa matéria.

Alcança-se, nessa seqüência, o núcleo da questão suscetível de exame, ou seja, a decisão do Conselho de Contribuintes que negar provimento ao recurso de ofício é definitiva Page 3 ou pode ser contestada pela via do recurso especial de iniciativa da Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN)?

2. Conceitos relevantes

Explorando o tema, inicialmente, faz-se necessária uma breve análise do que vem a ser o processo administrativo tributário, em seu objetivo e legislação aplicável, para só então, analisar a natureza da decisão do Conselho de Contribuintes que revisa de ofício o ato que exonera crédito tributário.

A Administração Pública, no exercício de sua competência constitucional, estabelece controles internos dos seus atos, ao invés de se contentar com controles operados de fora, pelo Judiciário. A função de evitar ou dirimir conflitos de interesses, no dizer do ilustre Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho, "deve ser repartida por alguns órgãos e poderes do Estado, evitando-se a sua aglutinação em um único, que acumularia um poder absoluto sobre a sociedade".3

Identificada a natureza do Processo Administrativo, como instrumento de controle interno dos atos da administração tributária, há de se observar que o legislador optou pela organização do contencioso administrativo em duplo grau ou duas instâncias, inspirado na tradição do ordenamento jurídico brasileiro e buscando dar efetividade ao mandamento constitucional inserido no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, que garante aos litigantes, em processo administrativo, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Com efeito, a possibilidade de falha humana do julgador sempre recomenda permitir ao vencido uma oportunidade de reexame da decisão com a qual não se conformou. Portanto, há vinculação entre o duplo grau de jurisdição e a defesa de direitos subjetivos, eis que o Estado por força de critérios de ordem pública deseja eliminar as situações de tensão. Porém, essa pacificação deve ficar apenas ao talante do interessado, porque a inércia do julgador é característica da jurisdição4.

Ante a iniciativa do cidadão de se insurgir contra ato ou decisão de órgãos da Page 4 administração, inicia-se processo administrativo de controle da legalidade, cuja finalidade é expressar a vontade da Administração. Caso declare sua concordância com o pleito do contribuinte, torna o ato administrativo ineficaz, evitando demandas judiciais desnecessárias. Do contrário, a exigência do credito tributário se torna definitiva e encaminhada para cobrança.

No âmbito federal, o controle da legalidade do ato administrativo do lançamento tributário vem sendo instaurado e conduzido com fulcro no Decreto nº 70.235/72 que define regras de estruturação dos órgãos de julgamento, de competência para realização de atos processuais e explicitados os direitos e deveres das partes envolvidas no processo administrativo tributário. Subsidiariamente a essa legislação específica, recorre-se a Lei nº 9.784/995, que tem a função de veicular preceitos gerais que padronizam o regramento básico do processo administrativo, conferindo uniformidade ao sistema processual no tocante ao relacionamento entre a Administração e os particulares.

O julgamento realizado no âmbito das Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ), em primeira instância, apresenta duas possibilidades:

- decisão de primeira instância contrária ao contribuinte. A DRJ decide manter a exigência fiscal. Abre-se, a seguir, a possibilidade do contribuinte requerer a reapreciação da decisão por meio da interposição de recurso voluntário à segunda instância administrativa. A matéria é, então, apreciada por um órgão de julgamento colegiado e paritário - o Conselho de Contribuintes.

- decisão de primeira instância favorável ao contribuinte. A Delegacia de Julgamento (DRJ) reconhece a improcedência da cobrança. Deve-se, a seguir, examinar o montante de crédito tributário exonerado por esta decisão. Se for superior ao limite de alçada, há recurso de ofício obrigatório ao Conselho de Contribuintes . Nesta hipótese, o processo é encaminhado de ofício à segunda instância para que se proceda ao reexame da matéria. Se o Conselho confirmar a decisão da DRJ, o crédito tributário é exonerado definitivamente. Se, Page 5 por outro lado, a decisão de primeira instância for reformada pelo Conselho de Contribuintes, o contribuinte poderá interpor recurso voluntário à Câmara Superior de Recursos Fiscais.

Da decisão das Câmaras dos Conselhos de Contribuintes cabem ainda dois tipos de recurso à instância especial - Câmara Superior de Recursos Fiscais. São eles: recurso especial de divergência entre decisões de Câmaras e recurso especial contra decisão unânime, este último só previsto para o Fisco.

A decisão desta mais alta instância põe fim ao processo administrativo sem previsão de qualquer revisão se favorável ao contribuinte. Todavia, se o contribuinte não obtiver sucesso, a lei6 prevê a inscrição do crédito tributário em Dívida Ativa da União para formação de certidão (título executivo extrajudicial) que possibilita sua cobrança judicial por meio da propositura de ação de execução pela Fazenda Nacional.

3. A natureza do recurso de ofício

O recurso de ofício, historicamente, origina-se do direito português, em que era utilizado com objetivo de servir como contrapeso a fim de minimizar falhas no processo7. Atualmente, a imposição legal de reexame visa a maior segurança nos julgamentos em que se desonera o sujeito passivo de montante significativo de crédito tributário.

Em razão da própria atividade de tutelar o interesse público, a Fazenda Pública ostenta condição diferenciada das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, recebendo do legislador a garantia de dupla apreciação caso haja decisão contrária ao previamente estabelecido pelo ato de lançamento tributário, eis que o dispositivo contido na sentença apenas ganha eficácia depois de confirmado por outro órgão que lhe é superior.

Assim, a norma processual estabelece no processo administrativo fiscal que a autoridade julgadora de primeira instância que exonerar o sujeito passivo do pagamento de tributo e encargos de multa de valor total superior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) deve interpor recurso de ofício ao Conselho de Contribuintes. (Art. 67 da Lei nº 9.537/97 e Page 6 Portaria MF nº 333/97).

A determinação de reexame de decisão contra a Fazenda Pública (ou "ordem legal de devolução") também pode ser verificada de forma análoga no artigo 475 do Código de Processo Civil, em que...

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