Pessoas com deficiência x planos de saúde: o tratamento desigual que afronta a dignidade humana

AutorTaís Nader Marta
Páginas5-24

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1 Introdução

O estudo ocupa-se em propor uma reflexão a respeito das dificuldades com as quais se deparam as pessoas com deficiência, para usufruir do direito à saúde, mesmo quando signatárias de Planos de Saúde.1

Para tanto, pretendem primeiramente proceder minucioso estudo acerca da conceituação das pessoas com eficiência, com o objetivo de averiguar quais são as pessoas que se encontram abarcadas nesta categoria de minorias.

Na sequência, pretendem tecer considerações quanto aos Planos de Saúde, no Brasil, sobretudo no aspecto das exigências estabelecidas para a celebração dos contratos, visando indicar se há delimitações, para a usufruição dos benefícios, por parte das pessoas com deficiência.

Por fim, em sendo constatadas exigências diferenciadas e específicas para as pessoas com deficiência, para utilizarem os Planos de Saúde, anseiam discorrer sobre a inobservância da proteção constitucional da dignidade humana, princípio tão caro ao ordenamento jurídico brasileiro, face a lesão aos sentimentos mais pessoais e íntimos destas pessoas, oriundos do tratamento desigual que lhes é dispensado.

2 Pessoas com deficiência: quem são?

A conceituação constitui-se fator imperioso, ao se pretender tratar de determinada categoria de pessoas, razão pela qual o estudo inicia-se com a pretensão de indicar quais as pessoas que se encontram abrangidas na seara das pessoas com deficiência2.

Pois bem.

Apesar da reconhecida celeuma travada pela doutrina e legislação pátria, para efetuar tal delimitação, buscou-se recorrer à demais ramos da ciência (dada a interdisciplinaridade do direito), com o fito de chegar o mais próximo possível do conceito considerado como sendo o adequado, hodiernamente. Page 6

Com isso, averigua-se que nos dicionários de língua portuguesa o termo pessoa com deficiência não é encontrado e, com o objetivo de aprofundar e centrar a pesquisa à qual nos propusemos, buscou-se pelo vocábulo deficiente, face à proximidade com aquele, encontrando-se como definição, aquilo que carece de algo, que é falho, incompleto.

É o que Francisco Fernandes define: "Deficiente - sin. imperfeito, falho, incompleto, insuficiente [...]"3, cujos sinônimos compõem ainda a obra elaborada em conjunto com os autores Celso Pedro Luft e F. Marques Guimarães4, de maneira idêntica Aurélio Buarque de Holanda Ferreira5 conceitua, acrescendo-lhes os termos: falto e carente, sendo da mesma forma definido aquele termo por Maria Tereza Biderman,6 Francisco da Silveira Bueno7 e Caldas Aulete8, ora excetuando-se um ou outro sinônimo.

No conceito filosófico, José Ferrater Mora explicita o aludido termo, como sendo:

Deficiente. Uma entidade é deficiente quando se acha privada de algo que lhe pertence; nesse sentido, a deficiência é equiparável à privação [...]. Os escolásticos usaram os termos defectivus, deficiens e defectibilis referindo-se a certas causas ou a certos efeitos. Santo Tomás (S. Theol. I, XLIX, 01 ob. 03 ad. 03) fala da causa defectiva sive deficiens sive defectibilis (causa deficiente). Um efeito deficiente, como o mal, só pode proceder de semelhante causa. O deficiente é o mal, e a causa do mal é o próprio mal [...].9

A pesquisa, por recair sobre o aspecto jurídico, recorreu-se ao dicionário de Jônatas Milhomens e Geraldo Magela Alves10, no qual é encontrado o termo deficiente físico, para o qual não consta definição, somente é elencado em generalidades, a competência dos entes federativos para a salvaguarda dos vários direitos destas pessoas, como a reserva de vagas para cargos e empregos públicos; assistência social para Page 7 habilitação, reabilitação e integração à vida comunitária, bem como garantia de um salário mínimo de benefício mensal; promoção de criação de programas de prevenção e atendimento especializado.

Logo, não encontrou-se definição precisa e acabada, acerca da nomenclatura, nem no dicionário da Língua Portuguesa e nem no de Filosofia, quiçá, no Jurídico.

Por esta razão, recorreu-se à história, a qual mostra-nos que diversas discussões já foram travadas, a respeito do tema, e que resultam por enfocar, algumas delas, a falha, a imperfeição das pessoas, outras restringem-se a comentar a deficiência física, mental e sensorial que portam as pessoas, por isso enquadradas estariam à conceituação.

Face à ausência de completa e determinada conceituação, conclui-se que, independentemente daquela que se adote, o fato é que, para estas pessoas, mesmo para a prática de singelos atos diários, as mesmas acabam necessitando de auxílio, e este auxílio não pode ser compreendido como sinônimo de beneficência, de caridade, mas sim de atuação do Estado, da sociedade, da comunidade e da família, para conceder-lhe meios concretos de inclusão social, sob todos os aspectos.

Com isso, pode-se afirmar que é insuficiente a classificação das deficiências, restringindo-as, como sendo: físicas, sensoriais ou mentais, já que a definição de pessoa com deficiência, traçada por Luiz Alberto David Araújo, contempla outras categorias de deficiências, veja:

[...] o que define a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência 11 .

Por todos os ângulos de análise, a mencionada conceituação, é por nós considerada a mais adequada, por ser a mais abrangente, haja vista viabilizar a inserção de demais naturezas de deficiência, como é o caso das pessoas fenilcetonúricas, que são aquelas que possuem deficiência em seu metabolismo, sendo detectada através do teste do pezinho, efetuado em amostras de sangue, coletadas após setenta e duas horas de vida do bebê, e uma vez sendo o resultando positivo, deve ser iniciado tratamento, mediante alimentação pobre em fenilalanina, objetivando evitar deficiência mental12.

Assim, o fenilcetonúrico deve seguir uma dieta balanceada para que possa ter uma vida saudável, o que por consequência resulta na prática de atos e hábitos diferenciados daquelas pessoas que não tem a ausência desta enzima, logo têm uma vida regrada, tratando-se de uma síndrome genética, que obriga o seu portador a seguir uma dieta especial, com pouca quantidade de fenilalanina. Page 8

Na mesma seara, abrangidas encontram-se as pessoas superdotadas, que ao invés de ter uma falha, uma ausência, tem na realidade um "plus", se comparados com pessoas ditas "normais".

O mesmo ocorrendo com as pessoas portadoras de fissura labiopalatal, que podem ser definidas da seguinte forma:

[...] anomalias faciais congênitas, resultantes de qualquer alteração no decorrer do desenvolvimento embrionário humano, que podem variar desde pequenas assimetrias nas relações maxilares até defeitos faciais com maiores comprometimentos estéticos e funcionais 13 .

Inolvidável, portanto, que esta é a conceituação mais adequada, ao pretender-se elencar as pessoas com deficiência, por ser bastante abrangente, alcançando diretamente os fins da inclusão social, alicerçados pela Constituição Federal, imiscuindo-se em absoluto toda e qualquer espécie de discriminação e marginalização social, rechaçadas expressamente pelo art. 3º, inciso III.

A falta de conhecimento da sociedade, em geral, faz com que a deficiência seja considerada uma doença crônica, um peso ou um problema. O estigma da deficiência é grave, transformando as pessoas cegas, surdas e com deficiências mentais ou físicas em seres incapazes, indefesos, sem direitos, sempre deixados para o segundo lugar na ordem das coisas. É necessário muito esforço para superar este estigma14.

Por tudo isso, vislumbrando ir ao encontro dos fins colimados pela inclusão social, compreende-se em suma, que a categoria de minorias: pessoas com deficiência, podem ser compreendidas como sendo aquelas, em que se enfatiza a dificuldade do convício social, o sofrimento enfrentado para a prática de atos corriqueiros, como ir à escola, ter acesso a um emprego, ter tratamento de saúde, etc., o que seria atividade absolutamente trivial para os considerados "normais".

3 Planos de saúde: sumária abordagem

O precursor dos planos saúde começou em 1929 em Dallas, Texas, quando Justin Kimball criou a Blue Cross como uma maneira das professoras daquela localidade pagarem US$ 0,50 por mês pela conta do hospital, assim, quando precisassem de internamento para ter um bebê, o hospital já estaria pago. Na verdade, isso era um Page 9 pagamento adiantado e não um seguro, apesar de algumas delas nunca terem tido um filho.

Este plano de maternidade evoluiu para incluir cuidados em caso de doença e ferimentos, como ocorre hoje. Ele ainda cobria apenas os gastos com hospital. Então a Blue Shield foi criada para cobrir os crescentes gastos com cuidados médicos.

O setor cresceu por 30 anos permeado de abusos contra os usuários, praticamente sem qualquer regulamentação do Estado, controle ou fiscalização. Assim permaneceu até 1991, quando passou a vigorar o Código de Defesa do Consumidor (CDC), cujas normas para equilibrar todas as relações de consumo representam avanço sem precedentes na defesa dos usuários de planos de saúde15.

Atualmente, as relações decorrentes de planos de saúde no Brasil são reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

Compreende-se os planos de saúde, como sendo um contrato firmado entre a pessoa que pretende ser segurada, quando for acometida por doença, a fim de que a empresa (prestadora do serviço) custeie o tratamento...

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