Defesa da concorrência e a indústria de cinema no Brasil

AutorJorge Fagundes - Luís Fernando Schuartz
Ocupação do AutorDoutor em economia pela UFRJ. Sócio da Fagundes Consultoria Econômica. - Foi professor da FGV e conselheiro do Cade.
Páginas11-80
Defesa da concorrência e a indústria
de cinema no Brasil
Jorge Fagundes*
Luís Fernando Schuartz**
Introdução
Este texto tem por objetivo realizar uma avaliação preliminar da in-
dústria do cinema no Brasil, em particular nos segmentos de distri-
buição e exibição de f‌ilmes, sob a perspectiva da política de defesa da
concorrência. Trata-se, portanto, de uma análise antitruste dos mer-
cados relevantes associados à cadeia vertical da indústria cinemato-
gráf‌ica nacional a partir das informações públicas disponíveis. Dada a
carência dessas informações, bem como o caráter privado das políticas
comerciais das distribuidoras, não buscamos elaborar um diagnóstico
antitruste da indústria em tela, mas sim identif‌icar um conjunto de
questões relevantes para o aprofundamento do conhecimento da so-
ciedade sobre a indústria do cinema no Brasil, sob o enfoque da defesa
da concorrência.
A indústria do cinema compreende, basicamente, três atividades
distintas: produção, distribuição e exibição em diferentes janelas — ci-
nemas, home video (aluguel de vídeos ou DVD e venda desses produtos),
ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª ª
* Doutor em economia pela UFRJ. Sócio da Fagundes Consultoria Econômica.
** Foi professor da FGV e conselheiro do Cade.
12 ª Três dimensões do cinema
pay per view nas TVs pagas, exibição nos canais de TV por assinatura e
TV aberta.
A produção de f‌ilmes para cinema pode ser realizada por grandes
estúdios de Hollywood, verticalmente integrados à distribuição, de
nível mundial, ou por produtores independentes de diferentes países.
É uma atividade que envolve a coordenação de diversos recursos pro-
f‌issionais, tais como atores, diretores, roteiristas e técnicos das mais
diversas áreas (na maior parte dos países, com exceção dos Estados
Unidos, de natureza pública).
Uma vez realizado, os direitos de exibição de um f‌ilme são licen-
ciados para distribuidores durante certo tempo, para determinado ter-
ritório e em relação a uma janela em particular, embora a licença possa
envolver simultaneamente mais de um território e mais de uma janela.
Os distribuidores são responsáveis pela determinação da estratégia de
lançamento — número de cópias, marketing, data de lançamento etc.
— e pela política de comercialização (valor dos aluguéis para os exibi-
dores, por exemplo).
Para f‌inalizar, os exibidores de f‌ilmes para cinema — ou para outras
janelas — fazem a distribuição f‌inal para os consumidores, havendo forte
sazonalidade nas vendas. Deve-se notar a crescente importância das ou-
tras janelas para a determinação das receitas totais de um f‌ilme, à medida
que se difundem os aparelhos de DVD e as assinaturas de TV por assina-
tura. De fato, as outras janelas já são responsáveis por mais de 50% das
receitas obtidas por um f‌ilme nos Estados Unidos. Como resultado, existe
uma tendência à redução do tempo de exibição dos f‌ilmes nas diferentes
plataformas. É de se notar também a relevância do mercado internacio-
nal: nos Estados Unidos, por exemplo, tal mercado responde por cerca de
40% das receitas das majors (grandes estúdios de Hollywood).1
Para cumprir seu objetivo, além desta introdução, o artigo está di-
vidido em quatro partes. Primeiramente exporemos, de forma sintética,
os objetivos e as áreas cobertas pelas políticas de defesa da concorrên-
cia. Na sequência, apresentaremos as principais preocupações — no
1 Walt Disney, Sony Pictures, Paramount (Viacom), Twentieth Century Fox (News Corp.), War-
ner (Time Warner) e Universal (Vivendi).
Defesa da concorrência e a indústria de cinema no Brasil ª 13
âmbito da indústria de cinema — das autoridades antitruste em outras
jurisdições, uma análise da indústria no Brasil e, f‌inalmente, um exa-
me da indústria sob a perspectiva da defesa da concorrência, def‌inindo
mercados relevantes, inferindo o nível das barreiras à entrada e determi-
nando o grau de rivalidade entre os grupos atuantes, isto é, a existência
de poder de mercado.
Breve visão das políticas de defesa da concorrência
A política de defesa da concorrência, no que podemos denominar “en-
foque tradicional”, é fortemente baseada nas teorias de organização in-
dustrial que constituíram o chamado paradigma “estrutura-conduta-de-
sempenho”, tal como desenvolvido a partir dos anos 1950 pela “Escola
de Harvard”. No que segue, são apresentadas as principais proposições
normativas da versão contemporânea desse enfoque, que mantém a
ênfase estruturalista e se apresenta “modernizado” pela maior preocu-
pação em levar em conta as “ef‌iciências” que podem contrabalançar a
presença de conf‌igurações de mercado mais concentradas.2
1. Objetivos e orientação geral
A política de defesa da concorrência pode ser def‌inida como as ações
e os parâmetros regulatórios do Estado que estão voltados para a pre-
servação de ambientes competitivos e para desencorajar condutas an-
ticompetitivas derivadas do exercício do poder de mercado, tendo em
vista preservar e/ou gerar maior ef‌iciência econômica no funcionamen-
to dos mercados.3
2 Nos últimos 20 anos, a economia e a prática antitruste passaram por uma série de transfor-
mações que introduziram, de forma crescente, argumentos de ef‌iciência econômica, sobretudo
de caráter produtivo, como justif‌icativa para atos de concentração e determinadas condutas
empresariais. Como resultado, os órgãos de defesa da concorrência em diversos países tendem
a avaliar não somente os efeitos anticompetitivos, como na antiga tradição, mas também os
potenciais impactos em termos de ganhos de ef‌iciência econômica quando do julgamento de
condutas horizontais e verticais, fusões, aquisições e joint ventures entre empresas.
3 Farina, 1996:37.

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