Das normas fundamentais e da aplicação das normas processuais

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas19-48
19
PARTE GERAL
LIVRO I
DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO
DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I
DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL
Nótula histórica
O Anteprojeto do novo CPC foi elaborado por
uma comissão de juristas, presidida pelo Ministro
Luiz Fux, sendo entregue ao Senado Federal, onde
se converteu no PLS n. 166/2010.
A Exposição de Motivos do Anteprojeto indica
os objetivos pelos quais foram orientados os tra-
balhos da Comissão: “Com evidente redução da
complexidade inerente ao processo de criação de
um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia
dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram
precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer
expressa e implicitamente verdadeira sintonia na
com a Constituição Federal; 2) criar condições para
que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente
à realidade fática subjacente à causa; 3) simplicar,
resolvendo problemas e reduzindo a complexidade
de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4)
dar todo o rendimento possível a cada processo em
si mesmo considerado; e, 5) nalmente, sendo talvez
este último objetivo parcialmente alcançado pela
realização daqueles mencionados antes, imprimir
maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe,
assim, mais coesão”.
O PLS n. 166/2010 foi aprovado em 15 de dezem-
bro de 2010, vindo a ser encaminhado à Câmara dos
Deputados no dia 20 do mesmo mês, onde recebeu
o n. 8.046/2010. Aqui, foi apresentado um Substitu-
tivo, cujo texto retornou ao Senado em 27 de março
de 2014, em razão do disposto no parágrafo único
do art. 65, da Constituição Federal. Em 9 de abril de
2014, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados
remeteu o ofício n. 558/14/SGM-P, “comunicando
a correção de inexatidão material vericada nas
páginas 195 e 212 dos autógrafos anteriormente en-
viados”.
Em 17 de dezembro de 2014, foi aprovado e vo-
tado no Senado o Parecer n. 956/2014, apresentado
pelo Senador Vital do Rêgo. Houve aprovação do
texto, salvo quanto a algumas alterações que consta-
ram do adendo de n. 1.099/2014.
Em 24 de fevereiro de 2015, o texo foi encami-
nhado à Presidência da República, para sanção, no
dia seguinte. Curiosamente, esse texto apresentava
expressiva quantidade de modicações, em relação
ao que constava do Parecer n. 956/2014, aprovado
pelo Senado. O texto converteu-se na Lei n. 13.105,
de 16.3.2015, publicada no Diário Ocial da União
do dia subsequente, com vetos parciais.
Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores
e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do
Brasil, observando-se as disposições deste Código.
Comentário
Do ponto de vista estrutural, o CPC está divi-
dido, essencialmente, em duas Partes: a) a Geral;
e b) a Especial. A primeira compreende os arts. 1º
a 317; a segunda, os arts. 318 a 1.072, abrangen-
do os Livros I (“Do Processo de Conhecimento e
do Cumprimento da Sentença”), II (“Do Processo
de Execução”), III “Dos Processos nos Tribunais
e dos Meios de Impugnação das Decisões Judi-
20
ciais”) e um Livro Complementar (“Disposições
Finais e Transitórias)”.
A existência de uma Parte Geral, nos Códigos
do passado, sempre foi reclamada pela doutrina,
que via nessa parte o local apropriado para serem
lançados os princípios e regras fundamentais do
processo. O CPC de 2015 dedicou a esses princípios
e regras, dentro da Parte Geral, o Capítulo I, Título
Único, do Livro I, ao qual denominou: “Das Normas
Fundamentais do Processo Civil”. Logo no art. 1º
verica-se a preocupação do legislador em que as
normas do CPC sejam interpretadas em consonân-
cia com as disposições da Constituição Federal. Por
isso, aí declarou: “O processo civil será ordenado,
disciplinado e interpretado conforme os valores e
as normas fundamentais estabelecidos na Constitui-
ção da República Federativa do Brasil, observadas
as disposições deste Código”. A referência a valores
talvez fosse dispensável, por estar implícita no con-
ceito de normas.
A constitucionalização do processo deixou de ser
um simples anseio da doutrina, para converter-se,
entre nós, especialmente a partir de 1988, em uma
realidade normativa incontestável. Basta correr os
olhos, por exemplo, pelo art. 5º, da Constituição
Federal, para vericar que muitos dos seus incisos
contêm disposições de natureza processual. O re-
ferido artigo, aliás, está contido, não por obra do
acaso, no Título II, do Livro I, que trata Dos Direitos
e Garantias Fundamentais” (destacamos).
A expressão constitucionalização do processo foi
inspirada em texto de Italo Andolina e Giuseppe
Vignera (Il modelo costituzionale del processo civile ita-
liano, Turim: Giapicchelli, 1990).
A propósito, sob a perspectiva de um Estado
Democrático de Direito a nalidade de um Código
de Processo Civil não é outra que não a de tornar
concretas e exequíveis as normas constitucionais
alusivas ao direito de ação. Justamente por isso, é
que o Código atual possui caráter valorativo das
regras constitucionais, como declara o seu art. 1º.
Assim, não apenas a sua ordenação e disciplina
devem preservar a exaltar os valores expressos na
Constituição da República, mas, também — e acima
de tudo — a sua interpretação deve subordinar-se a
essa regra. Em termos objetivos, signica dizer que a
interpretação de uma norma processual em desacor-
do com a Constituição Federal implica desrespeito à
própria Constituição.
O processo, para além de ser um método estatal
de solução de conitos intersubjetivos de interesses,
tendo como objeto um bem ou uma utilidade da
vida, ou seja, de consistir num instrumento de efe-
tividade do direito material — conquanto, em tese,
possa haver processo sem direito material — traduz-
-se num importante mecanismo a serviço do Estado
Democrático de Direito em que se constitui a Repú-
blica Federativa do Brasil (CF, art. 1º, caput). Com
efeito, sendo, o Estado, detentor monopolístico da
atividade jurisdicional, ele tem não só o poder, mas
o correspondente dever de solucionar os conitos de
interesses ocorrentes no âmbito da sociedade, sejam
individuais, sejam coletivos. E, para a solução desses
conitos, o Estado se utiliza do processo, do due pro-
cess of law (devido processo leal) de que nos falava
Eduardo III no Statute of Westminster of the Liberties
of London, de 1354. Pode-se, por isso, cogitar da pró-
pria efetividade do processo, se considerarmos a sua
nalidade político-social de evitar ou de eliminar,
mediante pronunciamento jurisdicional impositivo,
conitos de interesses em nome da necessidade da
preservação ou da pacicação das relações estabe-
lecidas entre as pessoas viventes em sociedade. Se o
sistema processual não for eciente, o ordenamento
jurídico deixa de possuir efetividade, suas normas
se convertem em simples fontes de ilusões e de frus-
trações. É por meio do processo judicial que o direito
material se realiza, torna-se concreto e justica a sua
existência.
O processo apresenta nalidade bifronte: a) sob a
perspectiva da parte, revela-se como instrumento de
defesa do direito violado ou na iminência de sofrer
lesão, isto é, de acesso à ordem jurídica justa; b) sob
o ponto de vista estatal, manifesta-se como instru-
mento de pacicação das relações sociais. Avulta-se,
aqui, a gura do Estado social. A propósito, a História
do direito dos povos demonstra sempre ter havido
uma relação muito íntima entre o processo judicial e
o regime político adotado, de tal modo que quanto
mais ditatorial foi o regime, mais intensa se tornou
a restrição à utilização do processo; em sentido in-
verso, quanto mais democrático se revelou o regime,
tanto mais larga foi a possibilidade de acesso à justi-
ça, vale dizer, a instauração do processo. Repisemos:
o art. 1º, do novo CPC, ressalta o binômio Consti-
tuição-processo, ou melhor, coloca em destaque a
necessidade de o processo judicial ser ordenado,
disciplinado e — especialmente — interpretado em
consonância com as normas fundamentais da Cons-
tituição da República.
Por esse motivo, conforme já salientamos, a in-
terpretação de qualquer norma legal cumpre ser
efetuada em estrita obediência aos preceitos cons-
titucionais que consagram direitos fundamentais.
Canotilho adverte que “a interpretação da Cons-
tituição pré-compreende uma teoria dos direitos
fundamentais” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p.
505). Perez Luño, por sua vez, observa que “para
cumplir sus funciones los derechos fundamentales
están dotados de una especial fuerza expansiva, o
sea, de una capacidad de proyectar-se, a través de los
conseguientes métodos o técnicas, a la interpretación
de todas las normas del ordenamiento jurídico. Así,
nuestro Tribunal Constitucional há reconocido, de
forma expressiva, que los derechos fundamentales
son el parámetro ‘de conformidad con el cual deben
ser interpretadas todas las normas que componen
nuestro ordenamiento’” (PEREZ LUÑO, Antonio
Art. 1º

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