A federalização das graves violações dos Direitos Humanos

AutorRegina Elizabeth Tavares Marçal
Páginas243-300
1. Introdução
O Caso Dorothy Stang representa um marco nos debates acerca da federaliza-
ção dos crimes contra os direitos humanos. A pressão de organismos internacio-
nais de defesa dos direitos humanos e a consequente repercussão internacional
do caso vieram intensif‌i car a abordagem do tema em nosso país.
Inicialmente, o presente trabalho traçará um resumo cronológico das eta-
pas do processo de inserção do instituto da federalização dos crimes contra
os direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, desde o surgimento
da primeira ideia sobre o tema até a promulgação da Emenda Constitucional
nº 45, em dezembro de 2004, abordando, também, a questão da necessidade
da constitucionalização da norma que atesta o Brasil como nação/República
Federativa convicto do propósito da realização da defesa dos direitos humanos
internacionalmente tratados.
Em seguida, será apresentado o conceito de incidente de deslocamento de
competência e explicitadas as polêmicas questões sobre a def‌i nição de “graves vio-
lações de direitos humanos” e, também, quanto à parte impetrante legitimada.
Após, serão elencados argumentos tanto a favor como contra a federaliza-
ção, destacando, especialmente quanto nesta segunda parte, os pontos atacados
pelas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que tramitam no Supremo
Tribunal Federal.
Narro, então, os dados biográf‌i cos importantes de Dorothy Mae Stang,
vítima do crime que deu origem à ação penal cujo pedido de deslocamento de
competência é objeto do presente estudo, e que foi, até hoje, o único solicitado
perante o Superior Tribunal de Justiça, para uma melhor análise da sequência
dos fatos.
A seguir, apresento o julgamento deste Incidente de Deslocamento de
Competência, a saber, o de nº 1/PA, destacando, dos votos proferidos pelos mi-
nistros do Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do referido IDC,
os argumentos que fundamentaram o raciocínio no sentido de que o ambiente
IV. A federalização das graves violações dos Direitos Humanos
REGINA ELIZABETH TAVARES MARÇAL
244 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
jurídico, político e social, no momento da apreciação daquele Incidente pela
Corte Superior, favoreceram o indeferimento do pleito.
Depois, descrevo o atual andamento dos processos referentes ao assassinato
da Irmã Dorothy e elenco três outros fatos, dois deles ocorridos no Estado do
Pará, todos após o julgamento do IDC nº 1 pelo Superior Tribunal de Justiça,
também pertinentes à questão dos direitos humanos.
Concluo o presente trabalho posicionando-me no sentido de que foi ne-
cessária a criação do incidente de deslocamento de competência e de que foi
fundamental a propositura deste primeiro incidente perante o STJ, não só a
provocar a manifestação daquela Corte Superior, como também a acelerar os
procedimentos da persecução penal do Caso de Anapu. Porém, comento que
o referido mecanismo constitucional necessita de aperfeiçoamento, a inseri-lo
ef‌i cazmente no ordenamento jurídico nacional.
2. O instituto do incidente de deslocamento de competência
2.1 O histórico da federalização dos crimes contra os Direitos Humanos
Quinze anos antes de Dorothy Mae Stang ser assassinada, no início dos anos 90
começava a se desenvolver a ideia da federalização dos crimes contra os direi-
tos humanos. Segundo Ela Wiecko Volkmer de Castilho (2005)1, procuradora
federal dos Direitos do Cidadão, a primeira expressão dessa ideia é encontrada
no anteprojeto de lei de reformulação do Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana — criado pela Lei nº 4.3192, de 16/03/1964, sancionada
pelo então presidente da República João Goulart —, anteprojeto esse elaborado
por uma Comissão Especial constituída pelo Ministério da Justiça. Ainda de
acordo com a autora, tal ideia surgiu, “em decorrência da cobrança feita por
organismos internacionais ao Brasil para fazer cessar a impunidade de crimes
praticados no campo e na cidade” (CASTILHO, 2005, p. 1)3.
Passados dois anos, em 1992 o deputado Hélio Bicudo apresenta a Pro-
posta de Emenda Constitucional nº 96-A, que foi a primeira iniciativa para a
1 CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Federalização de violações contra os direitos humanos. Dis-
ponível em:
tos%20Humanos.pdf.> Acesso em: 10 nov. 2008. p.1.
2 BRASIL. Lei n. 4.319, de 16 de março de 1964. Cria o Conselho de Direitos da Pessoa Humana. Dispo-
nível em: .br/ccivil_03/Leis/1950-1969/L4319.htm>. Acesso em: 26 jan. 2009.
3 CASTILHO, op. cit., p.1.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 245
federalização dos crimes contra os direitos humanos, à qual foi posteriormente
apensada a PEC nº 368-A, de 13/05/1996.
Ainda CASTILHO (2005, p. 1)4:
Em outubro de 1993, o Grupo de Trabalho Agenda de Direitos Humanos,
constituído após o término da Conferência de Direitos Humanos em Viena,
apresentou propostas de modif‌i cação do supracitado anteprojeto de lei e, entre
muitas sugestões, propugnou que fossem apurados pela Polícia Federal
os crimes de exploração da prostituição infanto-juvenil, tráf‌i co de drogas,
tortura, tráf‌i co de crianças, exploração de trabalho escravo, extermínio de
crianças e adolescentes e os crimes cometidos por funcionários dos órgãos de
policiamento civil e militar. (Grifo nosso)
Em maio de 1996, o presidente da República Fernando Henrique Cardoso
encaminhou ao Congresso Nacional a mencionada PEC nº 368/19965, para
acréscimo ao art. 109 da Constituição Federal de dois incisos assim redigidos:
Art. 109 [...] XII — os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses
sob a tutela de órgão federal de proteção dos Direitos Humanos;
XIII — as causas civis ou criminais nas quais órgão federal de proteção dos
Direitos Humanos ou o Procurador-Geral da República manifeste interesse.
(CASTILHO apud JOBIM, 2005, p.2)
A Exposição de Motivos do ministro da Justiça Nelson Jobim apud CAS-
TILHO (2005, p. 2)6 diz:
(...) constitucionalmente, as lesões aos Direitos Humanos f‌i caram sob a égide
do aparelhamento policial e judicial dos Estados Federados que, em face de
razões históricas, culturais, econômicas e sociais, têm marcado sua atuação
signif‌i cativamente distanciada dessa temática.
Sua Excelência justif‌i ca a proposta invocando o quadro de impunidade “a
exigir medidas destinadas a revertê-lo, sob pena dos conf‌l itos sociais se agravarem
de tal forma que venha fugir ao controle do próprio Estado”. Ressalta que a Jus-
tiça Federal e o Ministério Público da União “vêm se destacando no cenário na-
cional como exemplos de isenção e de dedicação no cumprimento de seus deveres
4 Idem.
5 BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta da emenda á constituição nº 368 de 1996. Relator: Deputado
Gilvan Freire. Disponível em: < http://www.prr5.mpf.gov.br/pec368.htm>. Acesso em: 16 jan. 2009.
6 CASTILHO, 2005, p. 2
246 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
institucionais” e que pela sua atuação de abrangência nacional, são “mais imunes
aos fatores locais de ordem política, social e econômica, que, até agora, têm afeta-
do um ef‌i caz resguardo dos Direitos Humanos” (CASTILHO, 2005, p. 2)7.
A PEC 368-A/1996 foi apensada a PEC 96-A/19928, da Reforma do
Judiciário e, em setembro de 1999, a deputada Zulaiê Cobra propôs o acrésci-
mo do inciso V-A ao art. 109 da Constituição Federal, prevalecendo, porém,
na votação f‌i nal da Câmara dos Deputados, uma redação do §5º diferente da
proposta pela deputada.
Destaca CASTILHO (2005), em especial, o argumento apresentado pelo
senador Bernardo Cabral, quando da apreciação da Emenda nº 132, de autoria
do senador Jef‌f erson Peres, que propunha a supressão do inciso V:
[...] a federalização dos crimes contra os Direitos Humanos é uma necessida-
de e uma imposição jurídica, que tem como fundamento principal o fato de
a previsão de Direitos Humanos e da necessidade de sua proteção terem por
sede normativa tratados e acordos internacionais, f‌i rmados pela União em
nome da República. (CASTILHO, 2005, p.3)9
Em 13 de março de 1996, o presidente da República lançou o Plano Na-
cional de Direitos Humanos — PNDH. Os professores PINHEIRO e MES-
QUITA NETO (1999, p. 3)10 nos relatam:
Ao assumir esse compromisso, o governo brasileiro reconhece a obrigação do
estado de proteger e promover os direitos humanos e os princípios da univer-
salidade e da indivisibilidade dos direitos humanos. No texto introdutório
diz o Programa: “Os direitos humanos não são, porém, apenas um conjunto
de princípios morais que devem informar a organização da sociedade e a
criação do direito. Enumerados em diversos tratados internacionais e cons-
tituições, asseguram direitos a indivíduos e coletividades e estabelecem obri-
gações jurídicas concretas aos Estados. Compõem-se de uma série de normas
jurídicas claras e precisas, destinadas a proteger os interesses mais fundamen-
tais da pessoa humana. São normas cogentes ou programáticas, que obrigam
os Estados nos planos interno e externo.
7 Idem.
8 BRASIL. Constituição (1988). Proposta da emenda da constituição nº 96, de 1992. Hélio Bicudo.
Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 01 maio 1992, Seção 1, p. 7847.
Disponível em: < http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=1/5/1992&
txpagina=7847&altura=700&largura=800>. Acesso em: 17 jan. 2009.
9 CASTILHO, op. cit., p.3.
10 PINHEIRO, Paulo Sergio, NETO MESQUITA, Paulo de. Direitos humanos no Brasil: perspectivas
no f‌i nal do século. Disponível em: ile/direitoshumanosnobra-
silperspectivasnof‌i naldoseculo.pdf. Acesso em 02.02.2009.> Acesso: 02 fev. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 247
Durante a tramitação da PEC 29/200011 (Reforma do Judiciário), a Asso-
ciação dos Magistrados Brasileiros — AMB sugeriu emenda para suprimir o inci-
dente de deslocamento de competência do texto original e, alternativamente, ten-
tou modif‌i cação do texto no sentido da possibilidade de instauração do incidente
somente durante a fase pré-processual (ARAS, 2005, p. 1-2, grifo nosso)12.
A f‌i nal, em dezembro de 2004 é promulgada a Emenda Constitucional nº
4513 que, no tocante à federalização das graves violações contra os direitos huma-
nos, alterou o art. 109 da Carta Magna, que passou a ter a seguinte redação:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
...............................................................
V-A — as causas relativas a direitos humanos a que se refere o §5º deste
artigo;
...............................................................
§5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral
da República, com a f‌i nalidade de assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil
seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qual-
quer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência
para a Justiça Federal. (BRASIL, 2004)14
Antes mesmo da Emenda Constitucional 45 já havia permissão para in-
vestigação de fatos por um órgão de natureza federal, como, por exemplo, a
previsão registrada no art. 4º da já citada Lei nº 4.319, de 16/03/1964.
Destaque-se, ainda, o que diz o art. 34, inciso VII, da Constituição Federal
de 1988, verbis:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto
para:
[...]
VII — assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
11 TRINDADE, Fernando. Aspectos da reforma do judiciário PEC nº 29, de 2000, no Senado. Revista
de informação legislativa, v.38, nº 150, p. 291-296, abr./jun. de 2001. Disponível em: < http://www2.
senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/697/4/r150-20.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2009.
12 ARAS, op. cit. p. 1-2.
13 Brasil. Constituição (1988). Emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositi-
vos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126,
127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e
dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/
Emc/emc45.htm>. Acesso em: 13 jan. 2009.
14 Idem.
248 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
[...]
b) direitos da pessoa humana. (BRASIL, 1988)15
Tal dispositivo expressa que a nossa República rege-se pela prevalência dos
direitos humanos, estando a União autorizada a intervir nos estados para asse-
gurar a observância de tal princípio.
Por seu turno, o art. 109 da Carta Magna, em seus incisos III a V já esta-
beleciam antes da reforma:
Aos juízes federais compete processar e julgar:
[...]
III — as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado
estrangeiro ou organismo internacional;
IV — os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de
bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou
empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da
Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V — os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando,
iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no
estrangeiro, ou reciprocamente; (BRASIL, 1988)16
Vale dizer, se do início da execução até a consumação de crime previsto
em tratado ou convenção internacional, qualquer ato tenha sido praticado no
Brasil, a competência é federal. Se praticado crime em detrimento de interesses
da União — nos quais, certamente incluídos os crimes cuja responsabilização
internacional recairá sobre a União —, a competência é federal (arts. 84, VII, e
4º, II, ambos da Constituição Federal de 1988).
Depreende-se que a federalização em debate nada mais é do que “a consa-
gração de ideais expressos e implícitos na própria Constituição Federal” (ARAS,
2005, pág. 11)17.
Convém, também, lembrar a Lei nº 10.44618, sancionada (antes da pro-
mulgação da EC 45/2004) em 8 de maio de 2002, que dispõe sobre infrações
15 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 14 jan. 2009.
16 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 14 jan. 2009.
17 ARAS, op. cit., p. 11.
18 BRASIL. Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002. Dispõe sobre infrações penais de repercussão interesta-
dual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os f‌i ns do disposto no inciso I do § 1o do art.
144 da Constituição. Disponível em: .br/ccivil_03/Leis/2002/L10446.htm>.
Acesso em: 19 jan. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 249
penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uni-
forme, em cumprimento ao inciso I do §1º do art. 144 da Constituição Federal,
atribuindo à Polícia Federal, independentemente da responsabilidade dos órgãos
de segurança dos estados, proceder à investigação do seguinte modo, verbis:
Art. 1o Na forma do inciso I do §1º do art. 144 da Constituição, quando
houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão unifor-
me, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem
prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no
art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis
dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações
penais:
[...]
III — relativas à violação a direitos humanos, que a República Federa-
tiva do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados inter-
nacionais de que seja parte;
[...]
Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de
Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal provi-
dência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça.
(BRASIL, 2002, grifo nosso) 19
2.2 A constitucionalização e a internacionalização da defesa dos direitos humanos
Atente-se para o que estatui o art. 7º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da CF/88, verbis: “O Brasil propugnará pela formação de um tribu-
nal internacional dos direitos humanos”. Ressalte-se que o Decreto nº 4.38820,
de 25/09/2002, promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacio-
nal; e o Decreto nº 4.46321, de 08/11/2002, promulga a Declaração de Reco-
nhecimento da Competência Obrigatória da Corte Interamericana em todos
os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana sobre
20 BRASIL. Decreto-Lei nº 4.388, 18 de junho de 1942. Abre ao Ministério do Trabalho, Indústria a
Comércio o crédito especial de 11.598:751$8, para pagamento ao Instituto de Previdência e Assistência
dos Servidores do Estado, e dá outras providências. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/
ExecutaPesquisaBasica.action>. Acesso em: 14 jan. 2009.
21 BRASIL. Decreto-Lei nº 4.463, 10 de julho de 1946. Outorga ao Governo do Estado de São Paulo au-
torização para o aproveitamento de energia hidráulica em uma queda d’água no ribeirão Monte Alegre,
em terras da Fazenda Estadual no município de Araraquara, Estado de São Paulo, para uso exclusivo da
Estrada de Ferro Araraquara. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaBasi-
ca.action>. Acesso em: 14 jan. 2009.
250 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto
nº 678, 06/11/1992).
Observa a professora Flávia Piovesan 22:
Em um momento em que se vive a “humanização do Direito Internacio-
nal” e “internacionalização dos direitos humanos”, com a consolidação de
garantias internacionais de proteção, amplia-se enormemente a responsa-
bilidade internacional do Estado (no caso brasileiro, da União). A título
de exemplo, cabe mencionar que atualmente estão pendentes na Co-
missão Interamericana de Direitos Humanos mais de quarenta casos
internacionais contra o Brasil, que poderão (se houver fatos novos)
ser submetidos à jurisdição da Corte Interamericana..Uma vez mais,
é a União que será convidada a responder internacionalmente pela
violação.(PIOVESAN, 1998?, página 2, grifo nosso)
Quanto ao grau de recepção dos tratados na Constituição Federal de 1988,
encontra-se estampado no §3º do seu art. 5º, verbis: Os tratados e conven-
ções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (BRA-
SIL, 1988, grifo nosso)23.
Assim, os tratados de direitos humanos, os quais o Brasil assinou porque
quis, são formal e materialmente constitucionais.
E o §2º do mesmo art. 5º estabelece expressamente: “os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repúbli-
ca Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988, grifo nosso)24.
Destaque-se, ainda, o que diz o §4º do mencionado art. 5º: “O Brasil se
submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha ma-
nifestado adesão”.
Os tratados de direito internacionais estatuem a proteção da dignidade
humana e a prevenção ao sofrimento humano. E a CF/1988 destaca a digni-
dade da pessoa humana como princípio em seu art.1º, III; e em seu art. 4º, II
22 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos internacionais e jurisdição supra-nacional: a exigência da
federalização. Disponível em: aviapiovesan/piovesan_
federalizacao.html>. Acesso em 04 fev. 2009. p.2.
23 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Dispo-
nível em: .br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.
htm>. Acesso em: 14 jan. 2009.
24 Idem.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 251
estabelece que o Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da
prevalência dos direitos humanos.
Lembre-se que a Carta Magna de 1988 deixou heranças: o Estatuto do
(Lei nº 8.069, de 13/07/1990) e o instrumento de proteção da mulher contra
a violência.
Em palestra realizada em 7 de outubro de 2008 na Universidade Federal
Fluminense, a professora Flávia Piovesan declarou que estamos vivendo a in-
ternacionalização dos direitos humanos, associada à constitucionalização, asse-
verando que deve haver um ordenamento jurídico próprio para tratar as rela-
ções advindas dos Tratados de Direitos Humanos (regime jurídico misto). Este
processo é fundamental para tornar ef‌i caz, no Brasil, o conteúdo dos tratados
internacionais assinados pela nossa República Federativa.
2.3 O conceito do IDC
Trata-se de um incidente de deslocamento de competência da Justiça estadual
para a Justiça federal para processamento e julgamento de graves violações de
direitos humanos, com a f‌i nalidade de assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil
seja parte, que deverá ser suscitado pelo procurador-geral da República perante
o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, con-
forme o art. 109 da Carta Magna, inciso V-A e o seu §5º.
Transcrevo, por oportuno, trecho do voto do excelentíssimo relator do
Incidente de Deslocamento de Competência nº 1/PA-STJ, disponível no site
daquele Superior Tribunal25, verbis:
A criação desse instituto decorreu, dentre outros motivos, da percepção de
que, em vários casos, os mecanismos até então disponíveis para a apuração
e punição desses delitos demonstraram-se insuf‌i cientes e, até mesmo, inef‌i -
cientes, expondo de forma negativa a imagem do Brasil no exterior, que,
freqüentemente, por meio de diversos organismos internacionais, além da
mídia, tem sofrido severas críticas quanto à negligência na apuração desse
tipo de crime, que resulta quase sempre em impunidade, não obstante os di-
versos compromissos por ele f‌i rmados, com relação à proteção desses direitos,
25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência, nº 1- PA,
2005/0029378-4. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Disponível em: < https://ww2.stj.gov.br/
revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1735835&sReg=200500293784&sData=2
0051010&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 03 fev. 2009.
252 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José
da Costa Rica) e a Declaração de Reconhecimento da Competência Obriga-
tória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que podem colocar o
Estado brasileiro como sujeito passivo nos casos impunes a elas comunicados.
(BRASIL, 2005, p. 5)26
2.3.1 As “graves violações de direitos humanos”
Não há qualquer diploma a elencar, expressamente, quais seriam estas “graves
violações de direitos humanos”.
O entendimento do STJ quanto ao que seria a “grave violação de direitos
humanos” constante da redação da EC nº 45/200427 f‌i cou esposado na ementa
do julgamento do IDC nº 1/PA, verbis:
[...]1. Todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da
vítima e⁄ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional,
representa grave violação ao maior e mais importante de todos os
direitos do ser humano, que é o direito à vida, previsto no art. 4º, nº
1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é
signatário por força do Decreto nº 678, de 6⁄11⁄1992 [...].
2. Dada a amplitude e a magnitude da expressão “direitos huma-
nos”, é verossímil que o constituinte derivado tenha optado por não
def‌i nir o rol dos crimes que passariam para a competência da Justiça
Federal, sob pena de restringir os casos de incidência do dispositivo
(CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua f‌i nalidade precípua, que é assegurar
o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais f‌i rmados
pelo Brasil sobre a matéria, examinando-se cada situação de fato, suas
circunstâncias e peculiaridades detidamente, motivo pelo qual não há
falar em norma de ef‌i cácia limitada. Ademais, não é próprio de texto consti-
tucional tais def‌i nições.[...] (BRASIL, 2005, p. 3, grifo nosso)28
26 Idem.
27 BRASIL. Constituição (1988). Emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dis-
positivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115,
125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A
e 130-A, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
Emendas/Emc/emc45.htm>. Acesso em: 13 jan. 2009.
28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência, nº 1- PA,
2005/0029378-4. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Disponível em: < https://ww2.stj.gov.br/
revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1735835&sReg=200500293784&sData=2
0051010&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 03 fev. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 253
O ministro Gilson Dipp (2005, p. 2)29 expressamente diz em seu voto:
[...] grave violação dos direitos humanos é qualquer ofensa a direito huma-
no. Assim como o Brasil, bem como outros países, não conceituou — pela
sua temeridade em assim fazê-lo — o que é uma organização criminosa,
ou o que é o terrorismo, também não deve, sob pena de deixar fora de sua
abrangência, def‌i nir o que é grave violação aos direitos humanos.
Quem é capaz de def‌i nir: quem sofre ou quem analisa? Segundo o pro-
fessor doutor José Ricardo Cunha30, “eu não posso tergiversar sobre a dor do
outro” (informação verbal)31. Há aqui uma complexa questão hermenêutica.
A professora Flávia Piovesan32 noticia a existência de uma sugestão apre-
sentada por Comissão formada por procuradores do Estado e procuradores da
República no sentido de que a Justiça Federal passaria a ser competente para
julgar os seguintes crimes:
a) tortura;
b) homicídio doloso qualif‌i cado praticado por agente funcional de quais-
quer dos entes federados;
c) praticados contra as comunidades indígenas ou seus integrantes;
d) homicídio doloso, quando motivado por preconceito de origem, raça,
sexo, opção sexual, cor, religião, opinião política ou idade ou quando
decorrente de conf‌l itos fundiários de natureza coletiva;
e) uso intermediação e exploração de trabalho escravo ou de criança e ado-
lescente em quaisquer das formas previstas em tratados internacionais
(PIOSEVAN, 1998?, p. 1, grifo nosso)
29 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência, nº 1- PA,
2005/0029378-4. Voto Vogal do Ministro Gilson Dipp. p.2. Disponível em:
revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1986534&sReg=200500293784&sData=2
0051010&sTipo=2&formato=PDF.> Acesso em:19 jan. 2009.
30 Anotações pessoais referentes à palestra do professor José Ricardo Cunha no seminário realizado por
ocasião do encerramento do presente Curso de MBA em Poder Judiciário, no dia 10 de novembro de
2008, na Faculdade de Direito da FGV/RIO.
31 CUNHA, José Ricardo. A federalização das graves violações de direitos humanos. In: SEMINÁRIO DO
PODER JUDICIÁRIO E DIREITOS HUMANOS: Lei Maria da Penha, acesso à Justiça e federaliza-
ção de graves violações, 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: FGV, 2008.
32 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos internacionais e jurisdição supra-nacional: a exigência da
federalização. Disponível em: aviapiovesan/piovesan_
federalizacao.html>. Acesso em 04 fev. 2009. p.1.
254 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
Trata-se de uma construção doutrinária. A professora Flávia Piovesan af‌i r-
ma que muitos destes delitos ora apontados devem integrar o rol de crimes
contra os direitos humanos, justif‌i cando que “estas hipóteses estão tuteladas
em tratados internacionais ratif‌i cados pelo Brasil”(PIOSEVAN, 1998, p.1,
grifo nosso).
Aliás, esta indef‌i nição, que se conf‌i gura em um ponto importante para o
sucesso da federalização em tela, foi apontado na Ação Direta de Inconstitucio-
nalidade nº 3486, proposta em 05/05/2005 pela Associação dos Magistrados
Brasileiros — AMB, de cuja petição inicial transcrevo o seguinte trecho, verbis:
[...], a qualif‌i cação jurídica de um crime é matéria exclusiva de lei, não
podendo ser delegada a nenhum juízo interpretativo.
Tal raciocínio aplica-se integralmente ao processo penal, no qual não se discu-
te a gravidade do crime para efeitos da pena, mas sim para o estabelecimento
da competência. Não poderia da EC nº 45/2004 ter criado competência
especial com base em um critério — gravidade da infração penal — que
a mesma jamais delimitou e nem atribuiu à lei a referida regulamentação.
(BRASIL, 2005)33
O professor Vladimir Aras, em seu artigo intitulado “Federalização dos
crimes contra os direitos humanos”, ressalta:
O Estatuto do Tribunal Penal Internacional (ETPI) poderia ser invo-
cado [...] Segundo o artigo 5º, §1º, alíneas ‘a’ a ‘d’, do ETPI, incorporado ao
direito brasileiro pelo Decreto n. 4388/02, são graves crimes internacionais
o delito de genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de
guerra e o crime de agressão. Tais infrações penais, def‌i nidas por norma
internacional, foram integradas ao ordenamento jurídico brasileiro, com
força de lei federal ordinária, já que o Tratado de Roma recebeu a adesão do
Brasil antes da promulgação da EC 45/04. [...]
No entanto, a especif‌i cidade dos crimes tipif‌i cados no exíguo código penal
do TPI e a difícil compreensão ou caracterização de muitos dos tipos ali men-
cionados não recomenda sua adoção como parâmetro no caso do IDC.
Portanto, faltando lei def‌i nidora e na busca por um critério de corte com
algum grau de razoabilidade, de objetividade e adequação, temos como
apropriado considerar crimes contra os direitos humanos, para os
efeitos do §5º do artigo 109 da Constituição, todos os delitos previs-
tos nos tratados internacionais de direito humanitário de que o Bra-
33 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3486. Disponível em:
PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em 27 jan. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 255
sil seja parte, sempre que a vítima for uma pessoa humana ou um grupo de
pessoas. Nesta categoria, estão inseridos os crimes de tortura, de genocídio, de
racismo, os delitos contra crianças e adolescentes, de exploração de trabalho
escravo, entre outros.
Quanto ao adjetivo que antecede o gênero criminal em questão, considera-
mos que “graves” violações a direitos humanos são todas as ofensas aos bens
jurídicos tutelados em tais convenções internacionais, quando, conforme a
lei penal brasileira, a pena máxima cominada ao delito for superior a um
ano, de reclusão ou detenção. Com este critério equiparamos o conceito de
“crimes graves” ao conceito de infrações graves para f‌i ns de extradição, previs-
to no artigo 77, inciso IV, da Lei n. 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro). Ali
lê-se que não são extraditáveis os crimes a que “a lei brasileira impuser ao
crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano”.[...]
Esse critério tem a vantagem de encontrar respaldo em texto internacional.
[...]
Naturalmente, as categorias acima elencadas partem do pressuposto de que a
gravidade do crime mede-se pela pena. No entanto, não se pode a priori
desconsiderar premissas diversas, como a que depreenda a gravidade do cri-
me pela sua repercussão social ou pelo clamor público causado pelo delito.”
(ARAS, 2005, p. 14-15)34
2.3.2 Parte impetrante
O professor Vladimir Aras esclarece, muito apropriadamente, os procedimentos
que antecedem a apresentação do IDC perante o STJ. O interessado, abrigado
pelo direito de petição, provoca, direta ou indiretamente — por intermédio da
Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público
Federal existente em todas as unidades da Federação —, o procurador-geral da
República, que desempenha a função de ombudsman regional prevista no art.
129, II, da CF/88, para que este promova o IDC. Ao receber o requerimento,
o procurador-geral deverá realizar uma investigação preliminar a f‌i m de ave-
riguar a ocorrência dos pressupostos do IDC, devendo, ainda, serem ouvidos o
Ministério Público do Estado requerido, o Judiciário Estadual (de preferência
o juiz natural e o presidente do Tribunal de Justiça) e, se for o caso, o secretário
estadual de Segurança Pública. Apresentadas as explicações destas autoridades,
sem prejuízo de outras diligências, o procurador-geral decidirá se há justa causa
para provocar o deslocamento perante o STJ (ARAS, 2005)35.
34 ARAS, 2005., p.14-15.
35 Ibid., p. 17-18.
256 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
No mesmo artigo, o renomado ARAS (2005)36 faz uma importante obser-
vação acerca da matéria, asseverando ser acertada a escolha do procurador-geral
da República como legitimado por ser o promotor natural perante o Supremo
Tribunal Federal, o que equivale dizer que ali atua como representante máximo
do Ministério Público Nacional, falando em último grau em nome do MPF,
do MPM, do MPDFT e do Ministério Púbico dos Estados, destacando, mais
uma vez, os dizeres do art. 129, II, da CF/88. Mas vai além: sugere que o ideal
é permitir que os legitimados à assistência de acusação, quando habilitados na
forma do art. 268 do CPP, também possam provocar o incidente perante o STJ,
“de modo a impedir que à omissão da justiça das unidades federadas se some
eventual omissão do Chefe do Ministério Público Federal”. E af‌i rma que para
tal aplicação analógica (art. 3º do CPP) não é necessária alteração constitucio-
nal ou lei expressa: basta que o STJ acolha o princípio aqui esposado.
Ressalto, ainda, o seu posicionamento no sentido de que é mais do que
razoável que o presidente da República também seja legitimado para a proposi-
tura do IDC perante o STJ, pela sua condição de chefe de Estado (art. 84, VII
e VIII, CF/88), e considerando, em especial, a independência do procurador-
geral da República em relação ao Governo Federal.
O ilustríssimo procurador apresenta manifestação extensiva, sugerindo,
para garantir a efetividade do incidente de deslocamento contra eventual des-
caso do procurador-geral da República, a alteração dos artigos 57 ou 62 da
Lei Complementar Federal nº 75/1993, que institui o Estatuto do Ministério
Público da União, conferindo ao órgão colegiado do MPF “a atribuição de
rever posicionamento do Procurador-Geral da República em caso de não
provocação do incidente”(ARAS, 2005, p. 17):
Dar-se-ia lugar a uma instância de controle no âmbito do Parquet Federal,
que funcionaria por similitude ao que prevê o artigo 28 do CPP, no que se
refere ao arquivamento do inquérito policial. Deste modo, estaria atendido
o princípio da recorribilidade e uma espécie de “duplo grau administrativo”.
(ARAS, 2005, p. 17)37
Concordo plenamente com o professor Vladimir Aras, especialmente por-
que subtrairia a subjetividade da análise do caso concreto, hoje centrada em um
único membro do Poder Público. Hipótese em que, sem dúvida, será sempre
levada em conta a seriedade desta intervenção federal.
36 Ibid., p. 16.
37 ARAS, op. cit., p. 17.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 257
A doutora CASTILHO (2005), citando o parecer da conselheira Flávia
Piovesan, aprovado por maioria pela 158ª Reunião Ordinária do Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana — CDDPH, em 10 de novembro de
2004, apresenta ideia também no sentido de ampliar os legitimados para pro-
posição do IDC, verbis:
Houve ressalva quanto à legitimação exclusiva do Procurador-Geral da Re-
pública para propor o incidente, em detrimento de outras pessoas físicas e
jurídicas, inclusive do próprio CDDPH. Votou contra o representante do
Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, que congrega todos os Ministé-
rios Públicos Estaduais. (CASTILHO, 2005, p. 3)38
Este é, inclusive, um dos pontos abordados na já mencionada petição ini-
cial da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3486, proposta pela Associação
dos Magistrados Brasileiros — AMB.
2.4 as duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade
Há duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, a de nº 3.48639, proposta pela
Associação dos Magistrados Brasileiros — AMB e protocolada em 05/05/2005,
e a de nº 3.49340, proposta pela Associação Nacional dos Magistrados Estadu-
ais — ANAMAGES e protocolada em 11/05/2005, de cujas petições iniciais
limitar-me-ei a extrair, em síntese, os argumentos apresentados questionando a
constitucionalidade do incidente de deslocamento de competência:
que a EC viola o princípio da segurança jurídica, valor maior e princípio
estruturante de todo o sistema penal, porquanto criou uma competên-
cia penal absolutamente extravagante caracterizada por uma f‌l exibilidade
insustentável, submetida a um prévio juízo discricionário do Procurador-
Geral da República, o qual determina, inclusive, o momento em que será
proposto o incidente, posto que poderá ser suscitado “em qualquer fase
38 CASTILHO, 2005, p. 3.
39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.486,
proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros — AMB. Disponível em:
estfvisualizador/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?tipoConsulta=PROC
&numeroProcesso=3486&siglaClasse=ADI>. Acesso em 03 fev. 2009.
40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.493,
proposta pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais — ANAMAGES. Disponível em:
redir.stf.jus.br/estfvisualizador/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?tipoCo
nsulta=PROC&numeroProcesso=3493&siglaClasse=ADI>. Acesso em 03 fev. 2009
258 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
do inquérito ou processo”, para, posteriormente, ainda ser conf‌i rmado,
ou não, pelo Superior Tribunal de Justiça;
que todo aspecto relacionado à existência e à valoração do crime, bem
como à persecução e à condenação penal deve ser previamente f‌i xado
em lei, de forma determinada e taxativa, não podendo, tal qualif‌i cação
jurídica, ser delegada a juízo interpretativo;
que viola o princípio do juiz natural, pois a competência pode ser f‌i xada
ex post facto, a qual deve ser f‌i xada seguindo uma “ordem taxativa de
competências, que exclui qualquer alternativa deferida à discricionarie-
dade de quem quer que seja”;
que “abala o pacto federativo”, pois se conf‌i gura em uma intervenção
federal nos Estados, de “forma branca”;
que a “federalização das investigações” torna desnecessária a “federali-
zação do julgamento das causas que envolvam grave lesão aos direitos
humanos”;
que há uma ingerência da Procuradoria-Geral da República sobre as Pro-
curadorias-Gerais de Justiça;
que o §5º do art. 109 da CF/88 não é norma auto-aplicável;
que as normas ora impugnadas são materialmente inconstitucionais;
que o “elemento surpresa” viola o devido processo legal;
requerendo, ao f‌i nal, a declaração da nulidade dos referidos dispositivos
com efeito ex tunc, ou que seja declarada a não-auto-aplicabilidade do
inciso V-A e do §5º do art. 109 da CF/88, suspendendo-lhe qualquer
ef‌i cácia destes dispositivos até que sejam devidamente regulamentados.
Aliás, a posição da AMB não surpreende, já que, durante a tramitação da
PEC nº 29/2000 (Reforma do Judiciário), a Associação de Magistrados suge-
riu emenda para suprimir o IDC do texto original e, alternativamente, tentou
modif‌i car o incidente para que só fosse possível sua instauração durante a fase
pré-processual (ARAS, 2005).
Até o presente momento, as referidas ADIs não foram julgadas, motivo pelo
qual, indiscutivelmente, o incidente de deslocamento de competência permanece
existindo no nosso ordenamento jurídico, mesmo que necessite ser aprimorado.
2.5 Principais argumentos favoráveis à tese da federalização
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 259
Em artigo que resultou de pesquisa e discussão realizada no âmbito do Grupo
de Estudos de Direito Constitucional, promovido pela AJURIS e coordenado
pelo professor Ingo Sarlet (2005)41, nos é apresentada uma síntese dos argu-
mentos apresentados pelo governo brasileiro ao justif‌i car a tese da federalização
dos crimes contra os direitos humanos, a saber:
A União, e não os Estados da Federação, tem a responsabilidade inter-
nacional pela violação dos tratados internacionais que assinou, tendo em
vista que se trata de questões de repercussão externa, extrapolando os
limites territoriais dos Estados da Federação, não dispondo, no entanto,
da competência para processar e punir a violação.
A proposta transfere à competência da Justiça Federal apenas as hipóte-
ses de grave violação de direitos humanos, justamente com a f‌i nalidade
de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes dos mencionados
tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte.
O incidente de deslocamento de competência não é novidade no ordena-
mento jurídico brasileiro, assemelhando-se ao desaforamento do Tribu-
nal do Júri (art. 424 do CPP).
A adoção do IDC constituir-se-ia uma resposta efetiva aos organismos
internacionais em razão das violações freqüentes dos direitos humanos
no nosso país, atestando que o Brasil engajou-se na defesa dos direitos
fundamentais.
Falta de parcialidade (isenção) e/ou fragilidade e inef‌i ciência dos órgãos
estaduais, especialmente o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia no
que diz respeito à capacidade efetiva de repressão dos delitos contra os di-
reitos humanos, porquanto os órgãos estaduais seriam mais vulneráveis às
pressões do meio social, do poder econômico e político regional e local.
Por oportuno, transcrevo a seguir trecho do voto do ministro Nilson Naves
quando do julgamento do IDC 1/STJ, verbis:
Vi-me, em 2003, quando exercia a honrosa presidência do Superior Tribu-
nal, impelido a fazer, em correspondência, estes comentários:
“No dia 8 de abril último, recebi em audiência, neste Superior Tribunal
de Justiça, representantes da bancada agrária do Partido dos Trabalhadores
41 SARLET, Ingo, FURIAN, Leonardo, FENSTERSEIFER, Tiago. A reforma (deforma?) do Judiciário
e a assim designada “federalização” dos crimes contra os direitos humanos: proteção ou violação dos
princípios e direitos fundamentais? In: Arquivos de Direitos Humanos, vol. 7, 2005, Rio de Janeiro:
RENOVAR, 2005. págs.92-94.
260 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
(PT) e da Direção Nacional do Movimento dos Sem Terra, que, na opor-
tunidade, ao travarem discussão sobre os crimes contra os direitos humanos,
reivindicaram fosse transferida à Justiça Federal a competência para julgar
tais delitos. A esse respeito, comentaram que a bancada do PT havia apre-
sentado projeto de reforma à Constituição em que propunha a ampliação da
competência da Justiça Federal. Discutimos, naquele momento, o projeto,
para o qual o partido apresentou como justif‌i cativa a inf‌l uência do poder
público local na apuração dos casos de grave violação de direitos hu-
manos assegurados por tratados internacionais de que o Brasil é signatário.
Quanto ao assunto, também se posicionou a Associação dos Juízes Federais
(Ajufe), que acrescentou, na proposta de reforma do Judiciário, dispositivo
cujo teor estabelece caber à Justiça Federal processar e julgar ‘os crimes pra-
ticados em detrimento de bens ou interesses sob tutela de órgão federal de
proteção dos direitos humanos’.
Quero dizer, com isso, que não ando propagando a modif‌i cação da com-
petência para o processamento e julgamento dos crimes contra os direitos
humanos; restringi-me a fazer um comentário acerca da federalização, o
qual se soma, pelo exposto, às propostas de outros segmentos da sociedade”.
(BRASIL, 2005, p. 6)42
A procuradora Ela Wiecko Volkmer de Castilho rebate às críticas espo-
sadas nas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade af‌i rmando que “a nova
regra constitucional apenas especif‌i ca a hipótese de interesse jurídico direto da
União”, asseverando que não é admissível que a União tenha responsabilidade
internacional e nada possa fazer para afastar a impunidade das violações aos
direitos humanos. CASTILHO (2005), ao ler o §2º do art. 5º e o inciso II do
art. 4º da CF/88, diz:
o Brasil reconhece a inaplicabilidade, em matéria de Direitos Humanos, do
princípio de não-ingerência internacional em assuntos internos. Se é assim,
nenhum Estado federal pode defender-se, na esfera internacional, invocando
que a violação a Direitos Humanos foi provocada por ato de governo estadu-
al ou municipal e que não tem competência constitucional para interferir na
esfera de poderes reservados àqueles níveis de governo. (CASTILHO, 2005,
p. 8)43
42 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência nº 1/PA
(2005/0029378-4) Voto Vogal do Ministro Nilson Naves. Disponível em: < https://ww2.stj.gov.br/
revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1853914&sReg=200500293784&sData=2
0051010&sTipo=61&formato=PDF>. Acesso em 21 jan. 2009.
43 CASTILHO, op. cit., p.8.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 261
Ademais, o deslocamento de competência está em consonância com a sis-
temática constitucional que prevê a intervenção federal quando se afrontam
direitos da pessoa humana (art.34, VII, b, da CF/88).
A professora Flávia Piovesan, antes mesmo da promulgação da EC nº
45/2004, defendia a alteração constitucional, verbis:
Tal proposta está em absoluta consonância com a sistemática processual vi-
gente (vide o instituto do “desaforamento”), como também com a sistemática
internacional de proteção dos direitos humanos (que admite seja um caso
submetido à apreciação de organismos internacionais quando o Estado mos-
tra-se falho ou omisso no dever de proteger os direitos humanos). Ademais,
se a própria ordem constitucional de 1988 permite a drástica hipótese de in-
tervenção federal quando da afronta de direitos humanos (art.34, VII, “b”),
em prol do bem jurídico a ser tutelado, não há porque obstar a possibilidade
de deslocamento. Enfatize-se ainda que o Superior Tribunal de Justiça seria
o órgão competente para julgar o “incidente de deslocamento de competên-
cia”, justamente porque é ele o órgão jurisdicional competente para dirimir
conf‌l itos entre entes da federação.” (PIOVESAN, 1998?, p.2)44
Os professores Ingo Sarlet, Leonardo Furian e Tiago Fensterseifer desta-
cam o entendimento de José Carlos Dias e Oscar Vilhena Dias, verbis:
O Estado brasileiro é hoje parte nos principais instrumentos internacionais de
direitos humanos. Isso impõe à União responder perante os organismos inter-
nacionais por todos os atos que violem os direitos humanos em nosso território,
qualquer que tenha sido o agente violador. Paradoxalmente, no entanto, a
União não dispõe de meios legais para apurar violações perpetradas na esfera
estadual [...]. (SARLET, FURIAN, FENSTERSEIFER 2005, p. 93)45
Também é apresentada pelos ilustríssimos professores Ingo Sarlet, Leonar-
do Furian e Tiago Fensterseifer a fala de Fernando Moreira Gonçalves, verbis:
A República Federativa do Brasil é signatária da Convenção Americana
de Direitos Humanos. Casos como “Eldorado dos Carajás” e “Carandiru
podem gerar pesadas condenações, a serem pagas pela União e não pelos
governos locais, em processos instaurados perante a Corte Interamericana de
Direitos Humanos. Dessa forma, a União Federal está sujeita a ser respon-
sabilizada, no plano internacional, pelas omissões ou falhas das autoridades
locais na repressão a violações aos direitos humanos, mas não possui, no âm-
44 PIOVESAN, 1998?, Op.cit., p.2.
45 SARLET, FURIAN, FENSTERSEIFER , 2005, p. 93.
262 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
bito interno, mecanismos jurídicos que permitam a atuação de seus agentes
nas investigações ou no julgamento desses delitos. Essa situação paradoxal,
por si só, justif‌i caria deslocar o julgamento desses processos para a Justiça Fe-
deral, em razão do evidente interesse da União no seu resultado [...]. (SAR-
LET, FURIAN, FENSTERSEIFER 2005, p. 93)46
Observe-se, por oportuno, que a petição inicial da ADI da AMB af‌i rma
“que não poderia a EC nº 45/2004 ter subtraído do júri popular a competência
para julgar os crimes dolosos contra a vida, tendo em vista que se trata de cláu-
sula pétrea”. A propósito, transcrevo trecho do voto do excelentíssimo relator
sobre a questão:
Na seara judicante, seja perante a Justiça Estadual ou a Federal, a competência
para o julgamento é do Júri popular (CF, 5º, XXXVIII), cujo devido processo
legal a ser, cogentemente, observado será o mesmo, seja o Tribunal popular
presidido por magistrado estadual ou federal. (BRASIL, 2005, p. 14)47
Os professores Ingo Sarlet, Leonardo Furian e Tiago Fensterseifer apre-
sentam, no artigo antes referido, argumentos em prol da ilegitimidade cons-
titucional do incidente de deslocamento de competência, defendendo que a
nobreza dos f‌i ns não assegura a legitimidade de qualquer meio, devendo-se ter
o cuidado de não cair no “canto das sereias”, ainda mais que a bondade da causa
está demonstrada48.
A Plenária da IX Conferência Nacional dos Direitos Humanos, com o tema
“Construindo o Sistema Nacional de Direitos Humanos”, rejeitou a proposta
de modif‌i cação constitucional, invocando, dentre outros, a desconsideração da
inexistência de Varas Federais na maioria dos municípios (CASTILHO, 2005).
46 Idem.
47 BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência nº 1/PA
(2005/0029378-4) Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Disponível em:
revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1735835&sReg=200500293784&sData=2
0051010&sTipo=91&formato=PDF>. pág. 14. Acesso em 13 fev. 2009.
48 SARLET, FURIAN, FENSTERSEIFER, 2005, passim.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 263
3. Estudo de casos
3.1 O fato: Dorothy Mae Stang é assassinada
A religiosa norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Mae Stang, 73
anos de idade, foi assassinada às 7h30 do dia 12 de fevereiro de 2005, um
sábado, quando caminhava pela estrada vicinal que corta uma área rural do
Município de Anapu (Pará) conhecida como PDS Esperança, local este situa-
do a 40 km em linha reta do centro da cidade e mantido pelo INCRA com a
participação organizada da comunidade de agricultores49. Um tiro na cabeça
e cinco ao redor do corpo50, calibre 38, provocaram-lhe a morte, e tudo pela
importância de R$ 50.000,0051. O seu corpo está enterrado em Anapu, onde
ainda hoje recebe homenagem de tantos que nela reconhecem as virtudes
heroicas de uma cristã.
A Irmã Dorothy ingressou, em 1948, aos 17 anos, na Congregação das
Irmãs de Notre Dame de Namur, congregação religiosa fundada em 1804 e
composta de duas mil mulheres que realizavam trabalho pastoral nos cinco
continentes, tendo como princípio ajudar os mais pobres e marginalizados.
Em 1956 emitiu seus votos perpétuos — pobreza, castidade e obediência52.
Era formada em História com concentração em Ciências e Pedagogia pela
Universidade de Belmont, na Califórnia (EUA) e pós-graduada pelo Insti-
tuto dos Padres Jesuítas — IBRADES (RJ) em 1974. Com sua experiência
na área de ensino, foi professora de crianças campesinas, de f‌i lhos de famí-
lias assalariadas migrantes do México, de 1956 a 1966. Em agosto de 1966
chegou ao Brasil com visto permanente que carregou até a sua naturalização
como brasileira53.
Sua primeira experiência foi em Coroatá, Estado do Maranhão, onde
acompanhou o trabalho dos agricultores nas comunidades eclesiais de base.
Com o passar do tempo, o povo já não tinha onde plantar e precisava se sub-
49 BRASIL. Congresso. Senado Federal. Relatório Final da Comissão Externa do Senado Federal criada
pelo Ato nº 8 de 2005, da Presidência do Senado Federal. Disponível em: .senado.gov.br/
sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2005/05/06052005/13596.pdf>. Acesso em 11 fev. 2009.
50 DOROTHY Stang. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Disponível em
wiki/Dorothy_Stang>. Acesso em 12 jan. 2009.
51 Informação prestada pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Pará ao Ministro Relator do IDC
1/PA, 2005/0029378-4 esclarecendo que tal declaração foi de Clodoaldo Carlos Batista. LIMA, Arnal-
do. Voto no IDC, pág. 14. Disponível em: < https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/Abre_Documento.a
sp?sLink=ATC&sSeq=1735835&sReg=200500293784&sData=20051010&sTipo=91&formato=PDF>.
Acesso em: 03 fev. 2009.
52 DOROTHY..., 2008?, passim.
53 BRASIL, 2005, passim.
264 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
meter aos mandos e desmandos dos latifundiários. Diante da situação, muitos
migraram para o Pará e a Irmã Dorothy acompanhou este movimento54.
Em uma conversa com o bispo da Prezalia do Xingu, Dom Erwin Krautler,
começava a luta de Dorothy Stang em uma das áreas mais pobres e necessita-
das da Região Amazônica. Cortada pela Rodovia Transamazônica, a pequena e
abandonada Anapu foi indicada à missionária como uma das mais carentes da
região. Contou o bispo: “Ela queria dedicar a vida às famílias isoladas que estão
na miséria. Daí eu indiquei a Transamazônica leste, o trecho entre Altamira e
Marabá. E para lá ela foi”55.
Conforme informação divulgada pela Secretaria Nacional da Comissão Pas-
toral da Terra, Dorothy Stang vai, em 1982, para Anapu, onde quase 90% do mu-
nicípio é formado por terras pertencentes à União. Na década de 70, o território
foi dividido em glebas, que se tornaram objetos de contratos de Alienação de Ter-
ras Públicas, celebrados entre o Incra e particulares. O benef‌i ciado teria cinco anos
para tornar a área produtiva; caso isto não acontecesse, a terra voltaria para a União
e seria destinada à reforma agrária. Só que os contratantes iniciais começaram a
vender as terras, dando origem a um grave processo de grilagem. Os camponeses
organizados começaram a reivindicar as terras públicas. O resultado desta luta veio
em 1997, quando foi registrado no Incra o pedido de lotes em duas áreas para os
agricultores: Gleba Belo Monte (24 lotes) e Gleba Bacajá (21 lotes). Em 1998, o
Incra solicitou um recadastramento das terras de Anapu, que aconteceu no ano se-
guinte. O resultado demonstrou que todos os lotes pleiteados eram improdutivos.
Entre os 45 lotes reivindicados, 21 já haviam sido revertidos para o patrimônio
da União. Em 1999, em uma assembleia dos movimentos, o Incra apresentou
um novo modelo de reforma agrária: os Projetos de Desenvolvimento Sustentá-
vel (PDSs), que combinam o desenvolvimento de atividades produtivas com o
assentamento de populações. Só que a implantação nunca foi tranquila por causa
do alto índice de grilagem. Neste mesmo período, a SUDAM (Superintendência
de Desenvolvimento da Amazônia) destinou cem milhões de reais para projetos
na região, fazendo com que grileiros invadissem os PDSs. Denúncias de violência
cometida por fazendeiros e madeireiros contra agricultores eram constantemente
feitas por Irmã Dorothy juntamente com entidades e organizações56.
54 PERES, Christiane. Conheça a vida e a luta de Dorothy Stang, missionária numa terra sem lei. Rota Brasil
Oeste, 10 dez. 2005. Disponível em: . Aces-
so em 12 jan. 2009.
55 Idem.
56 BRASIL. Secretaria Nacional. Irmãs da Terra: Irmã Dorothy Stang, 03 mar. 2006. Comissão Pastoral da
Terra. Disponível em: .cptnac.com.br/?system=news&action=read&id=1505&eid=173>.
Acesso em 12 jan. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 265
Voz baixa e mansa, sempre sorridente e determinada. Declarou o senador
Sibá Machado (PT-AC): “Ela levou até o f‌i m aquilo que acreditava, que era a
solução para aquela terra. Defendeu e lutou para a criação de um modelo de as-
sentamento que respeitasse a f‌l oresta”. O engajamento para a criação dos PDSs
alimentou a ira dos fazendeiros e grileiros e atraiu os olhares para Irmã Dorothy.
Padre Amaro disse: “O PDS era uma ameça para os grandões”57.
Sua atividade pastoral e missionária ganhou reconhecimento nacional e
internacional.
Defensora de uma reforma agrária justa e consequente, Irmã Dorothy
mantinha intensa agenda de diálogo com lideranças camponesas, políticas e re-
ligiosas, na busca de soluções duradouras para os conf‌l itos relacionados à posse
e à exploração de terra na Região Amazônica. Dentre suas inúmeras iniciativas
em favor dos mais empobrecidos, Irmã Dorothy ajudou a fundar a primeira
escola de formação de professores na Rodovia Transamazônica, que corta ao
meio a pequena Anapu. Era a Escola Brasil Grande58.
Em junho de 2004, Dorothy Stang esteve presente na Comissão Parlamen-
tar Mista de Inquérito sobre a violência no campo e denunciou que o quadro de
impunidade agravou os conf‌l itos. Para ela, os grileiros não respeitam as terras
já demarcadas, uma vez que as promessas de ações no estado não vêm sendo
cumpridas59.
Em entrevista concedida a um jornal do Acre, ao ser indagada se estava
recebendo ameaças de morte, Irmã Dorothy respondeu:
Sim. Ameaça de morte não só a mim, mas também a outras lideranças e a
expulsão de posseiros das terras são freqüentes, conforme foi constatado pelo
Desembargador Gercino José da Silva, Ouvidor Agrário Nacional, na audi-
ência pública, realizada no dia 26 de setembro de 2003, em Anapu. Hoje
sou ameaçada de morte, publicamente, por fazendeiros e grileiros de ter-
ras públicas, como foi visto por todos que presenciaram a Conferência
Popular realizada em Altamira, onde estava presente também o ministro
do Desenvolvimento Agrário e tantas outras autoridades. Mesmo assim, ti-
veram a ousadia de ameaçar-me e pedir a minha expulsão de Anapu, tudo
isto só porque clamo por justiça. Agradeço a Deus estes anos riquíssimos de
aprendizagem, amizade com o povo e apaixonada sou pela sinceridade, par-
tilha, hospitalidade, resistência, f‌i rmeza e disponibilidade. Só peço a Deus
a Sua graça para nesta caminhada, lutando para que o povo tenha sempre
57 PERES, 2005, passim.
58 BIOGRAFIA de irmã Dorothy. Canção Nova Notícias, 14 maio 2007. Disponível em:
cancaonova.com/noticia.php?id=231191>. Acesso em 11 fev. 2009.
59 PERES, 2005, passim.
266 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
uma vida mais igualitária e que nós aprendamos a respeitar a criação de
Deus.60 (BRASIL, 2005, grifo nosso)
Pouco antes de ser assassinada, declarou: “Não vou fugir e nem abandonar
a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da f‌l oresta. Eles têm
o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir
com dignidade sem devastar”61.
A missionária norte-americana não tinha intenção de fazer revolução em
Anapu. Há 30 anos na Amazônia, o seu trabalho atual era para assentar 600 fa-
mílias em lotes de 100 hectares e implantar PDSs. Foram inúmeras as ameaças
de morte contra a Irmã, da mesma forma que foram incontáveis os pedidos de
proteção às autoridades por e para integrantes do Ministério Público Estadual
e Federal, da Magistratura do Pará e de representantes parlamentares. Em 15
de junho de 2004, foi solicitada pela Procuradoria da República proteção à
vida da missionária. Em outubro daquele mesmo ano, a juíza da Vara Agrária
de Altamira of‌i ciou solicitação à Polícia do Pará para que oferecesse proteção
policial à Irmã Dorothy. Vale ressaltar que a Irmã Dorothy jamais pediu ou
aceitou integrar os programas de proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas
(PROVITA), reaf‌i rmando sempre que a proteção mais ef‌i caz seria aquela que se
estendesse a toda a comunidade 62.
Em 2004, Dorothy Stang recebeu premiação da OAB/Secção Pará pela sua
luta em defesa dos direitos humanos. Em 2005, foi homenageada pelo docu-
mentário livro-DVD “Amazônia Revelada”63.
“Como alguém poderia odiá-la por tanta demonstração de amor?”, in-
dagou certa vez o seu irmão, David Joseph Stang, em artigo publicado em
12/02/2007 no jornal Folha de São Paulo64.
O documentário norte-americano “Mataram Irmã Dorothy”, segundo a
Folha On Line 65, foi classif‌i cado entre os 15 pré-selecionados ao Oscar 2009
60 BRASIL. Congresso. Senado. Relatório f‌i nal nº 3, de 2005. Diário do Senado, Brasília, DF, 07 maio 2005.
Disponível em: .br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2005/05/06052005/13596.
pdf>. Acesso em 10 fev. 2009.
61 BIOGRAFIA de irmã Dorothy. Canção Nova Notícias, 14 maio 2007. Disponível em:
cancaonova.com/noticia.php?id=231191>. Acesso em 11 fev. 2009.
62 BRASIL, 2005, passim.
63 AMAZÔNIA revelada: os descaminhos ao longo da BR-163 (f‌i lme). Produção:  ieres Mesquita. Bra-
sília: CNPq, 2005. 1 DVD (90 min), son., color.
64 INSTITUTO DE HUMANAS UNISINOS. Dorothy Stang. Dois anos depois. Até quando a impuni-
dade reinará no Pará? São Leopoldo, 12 fev 2007. Disponível em .unisinos.br/_ihu/index.
php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=4706>. Acesso em 12 jan. 2009.
65 MURTA, Andrea. Oscar seleciona documentário sobre a irmã Dorothy Stang. Folha On Line, 03 jan.
2009. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u485694.shtml. Acesso em
20 jan. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 267
de melhor documentário. O seu diretor, Daniel Junge, declara: “A história não
é sobre a “mulher boa contra os homens maus”, e sim sobre falhas sistêmicas,
fracassos e culpa de toda uma sociedade — incluindo as pessoas na Amazônia, o
governo brasileiro e também os norte-americanos que fazem negócios por lá”66.
3.1.1 O julgamento do IDC pelo Superior Tribunal de Justiça
Distribuídos os autos em 4 de março de 2005, no dia 8 de junho daquele ano
a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça indeferiu, por unanimidade,
o incidente de deslocamento de competência. Este julgamento histórico foi
ementado nos seguintes termos, verbis:
CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMI-
CÍDIO DOLOSO QUALIFICADO. (VÍTIMA IRMÃ DOROTHY
STANG). CRIME PRATICADO COM GRAVE VIOLAÇÃO AOS
DIREITOS HUMANOS. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE
COMPETÊNCIA — IDC. INÉPCIA DA PEÇA INAUGURAL. NOR-
MA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA CONTIDA. PRELIMINA-
RES REJEITADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
E À AUTONOMIA DA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RISCO DE DES-
CUMPRIMENTO DE TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO
PELO BRASIL SOBRE A MATÉRIA NÃO CONFIGURADO NA HI-
PÓTESE. INDEFERIMENTO DO PEDIDO.
1. Todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima
e⁄ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional, represen-
ta grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser
humano, que é o direito à vida, previsto no art. 4º, nº 1, da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário por força
do Decreto nº 678, de 6⁄11⁄1992, razão por que não há falar em inépcia da
peça inaugural.
2. Dada a amplitude e a magnitude da expressão “direitos humanos”, é
verossímil que o constituinte derivado tenha optado por não def‌i nir o rol dos
crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de res-
tringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o
de sua f‌i nalidade precípua, que é assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais f‌i rmados pelo Brasil sobre a matéria,
examinando-se cada situação de fato, suas circunstâncias e peculiaridades
66 MATARAM irmã Dorothy. Youtube. Disponível em:
watch?v=RFVXtvNZpA4>. Acesso em 12 jan. 2009.
268 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
detidamente, motivo pelo qual não há falar em norma de ef‌i cácia limitada.
Ademais, não é próprio de texto constitucional tais def‌i nições.
3. Aparente incompatibilidade do IDC, criado pela Emenda Constitucional
nº 45⁄2004, com qualquer outro princípio constitucional ou com a siste-
mática processual em vigor deve ser resolvida aplicando-se os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade.
4. Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apu-
ração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana
Dorothy Stang, com o objetivo de punir os responsáveis, ref‌l etindo a intenção
de o Estado do Pará dar resposta ef‌i ciente à violação do maior e mais im-
portante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento
da competência originária para a Justiça Federal, de forma subsidiária, sob
pena, inclusive, de dif‌i cultar o andamento do processo criminal e atrasar
o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela aludida norma em
desfavor de seu f‌i m, que é combater a impunidade dos crimes praticados com
grave violação de direitos humanos.
5. O deslocamento de competência — em que a existência de crime pra-
ticado com grave violação aos direitos humanos é pressuposto de admis-
sibilidade do pedido — deve atender ao princípio da proporcionalidade
(adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreen-
dido na demonstração concreta de risco de descumprimento de obri-
gações decorrentes de tratados internacionais f‌i rmados pelo Brasil, resultante
da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais
do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução
penal. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justif‌i car
que se acolha o incidente.
6. Pedido indeferido, sem prejuízo do disposto no art. 1º, inc. III, da Lei nº
10.446, de 8⁄5⁄2002. (BRASIL, 2005, p. 3-4)67
O voto do excelentíssimo relator destacou o Estado Democrático de Di-
reito e um dos seus principais fundamentos: a dignidade da pessoa humana,
ressaltando, ainda, a cláusula pétrea constante do inciso IV do §4º do art. 60 da
CF/88. Sua Excelência observou, também, que, verbis:
5 — Logo, não há base jurídica para atribuir ao referido preceito ef‌i cácia
limitada [...] ou que o processamento desse incidente dependa de regula-
mentação própria, até porque as normas def‌i nidoras dos direitos e garantias
67 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência, nº 1- PA,
2005/0029378-4. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Disponível em: < https://ww2.stj.gov.br/
revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1735835&sReg=200500293784&sData=2
0051010&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 03 fev. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 269
fundamentais [...] têm aplicação imediata, por força do disposto no §1º do
art. 5º da Carta da República. (BRASIL, 2005, p. 8)68
Declarou, também, que não há incompatibilidade do IDC com qualquer
outro princípio constitucional ou com a sistemática processual em vigor. Adian-
te, af‌i rma ser indiscutível que:
[...] o novo instituto é instrumento a ser utilizado em situações especialíssi-
mas, quando devidamente demonstrada a sua necessidade, a sua impres-
cindibilidade, tal como acontece, semelhantemente, com o pedido de desa-
foramento [...] ou com a intervenção federal (CF, art. 34) [...] (BRASIL,
2005, p. 8)69
E segue, ressaltando a semelhança do IDC com o instituto do desafora-
mento, verbis:
5.3. — De fato, o IDC, principalmente na hipótese de homicídio doloso qua-
lif‌i cado, de competência do Tribunal do Júri, guarda muita semelhança com o
desaforamento, no qual o direito [...] cede lugar ao objetivo maior, que é a reali-
zação da justiça em sua plenitude, f‌i nalidade última do processo, sem que isso
represente violação ao princípio do juiz e/ou promotor natural, nem se
constitua em juízo ou tribunal de exceção, desde que presentes os pressupos-
tos legais que a tanto o autorizem.”(BRASIL, 2005, p. 8, grifo nosso)70
O STJ, então, conheceu do instituto de deslocamento de competência,
verbis:
6.2. — Portanto, considerando que o assassinato da missionária norte-
americana DOROTHY STANG — cuja atuação destacava-se internacio-
nalmente pela defesa intransigente dos direitos dos colonos envolvidos em
conf‌l itos com grileiros de terras no Município de Anapu/PA — constitui-se
em grave, lamentável e brutal violação ao maior e mais importante de todos
os direitos humanos, que é o direito à vida, previsto no art. 4º, nº 1, da Con-
venção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário
por força do Decreto nº 678, de 6/11/1992, aliado às alegações do suscitante
quanto à necessidade de garantir que o Brasil cumpra com as obrigações de-
correntes de pactos internacionais f‌i rmados sobre a matéria, indicando, com
68 Ibid., p. 8.
69 Idem.
70 Idem
270 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
base na documentação que acompanhou a inicial, que o IDC merece, em
tese, ser conhecido. (BRASIL, 2005, p.10)71
Mais adiante em seu voto, o excelentíssimo ministro relator af‌i rma:
7 — [...] a ausência de norma legal ou constitucional descrevendo os crimes
praticados com grave violação a tais direitos parece ter sido a opção do cons-
tituinte derivado, visando não restringir ou limitar os casos de incidência
do dispositivo (CF,art. 109, §5º), que não afronta o princípio do juiz
natural, nem se constitui em tribunal de exceção. Além disso, a sua
não-regulamentação não impede, uma vez presentes os pressupostos, a sua
aplicação, concretamente, sabendo-se que as normas def‌i nidoras dos direitos
e garantias fundamentais têm aplicação imediata, por força do disposto no
§1º do art. 5º da Constituição Federal. (BRASIL, 2005, p. 10-11)72
No mérito, porém, o STJ, ao analisar quanto à necessidade da adoção desta
medida extrema, examinou as informações prestadas pela Justiça Estadual do
Pará73, af‌i rmando, dentre outros pontos: que o Juiz Titular da Vara Única da
Comarca de Pacajá impulsiona os serviços forenses; que as dezesseis medidas
cautelares penais requeridas pelo Ministério Público Estadual e pelas Polícias
Judiciárias — o que demonstra ef‌i ciente atuação destes dois órgãos — foram
apreciadas no menor tempo possível; que as Polícias Civil e Federal concluíram
suas investigações “antes do prazo legal de 30 dias, sendo que os procedimentos
iniciais da fase de instrução foram realizados em tempo recorde”; que o ofere-
cimento da denúncia pelo membro do Ministério Público Estadual foi feito de
forma célere e antes do prazo legal, ainda mais considerando-se tratar de quatro
indiciados por homicídio duplamente qualif‌i cado; que a denúncia foi recebida
no mesmo dia em que recebida, tendo sido marcado o interrogatório no prazo
de quinze dias; que o juiz se deslocou da comarca e interrogou os denunciados
no próprio presídio; que a única testemunha presencial do homicídio Cíce-
ro Pinto da Cruz, agricultor integrante da comunidade que acompanhava a
missionária, foi incluída no Programa de Proteção de Vítimas e Testemunhas,
encontrando-se em segurança; que foi preso o madeireiro Regivaldo Galvão,
suspeito como também possível mandante; que foram nomeadas defensoras
públicas a dois dos acusados que não possuíam advogados; que todas as diligên-
cias requeridas pelo Ministério Público local foram deferidas; as informações
71 Ibid., p.10.
72 Ibid., p. 10-11.
73 Ibid., p. 11-12.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 271
assim f‌i nalizam: “sendo todos esses atos praticados por autoridades estaduais,
embora seja devido reconhecer a prestimosa e competente colaboração da Polí-
cia Federal e de contingentes do Exército Nacional” (BRASIL, 2005, p. 12)74.
O voto de Sua Excelência também registra que a Procuradoria-Geral de Jus-
tiça do Estado do Pará prestou espontaneamente suas informações, destacando
que os membros daquele órgão atuaram com diligência, promovendo todas as
medidas judiciais cabíveis diretamente no local das investigações, integrando-se
à força-tarefa, não só da Polícia Civil, como também da Polícia Federal e do
Exército Brasileiro; que os promotores de Justiça participaram ativamente do
interrogatório do acusado Rayfran, tendo este confessado a autoria do crime,
delatado a rota de fuga do segundo partícipe e indicado o local da arma do
crime; que as imagens da captura de Rayfran foram cedidas à Rede Globo para
exibição em rede de cadeia nacional.
O ministro contata que, no âmbito policial, houve a atuação das Polícias
Estadual e Federal, esta com base no art. 144, I, da Constituição Federal e na
Lei 10.446/200275, e que no âmbito judicial, “a competência para o julgamen-
to é do Júri popular”, seja Estadual ou Federal (CF, 5º, XXXVIII), ressaltando
que o magistrado estadual “tem, em princípio, maior vivência na condução de
processos de tal conteúdo, sabendo-se que só excepcionalmente existem júris
federais”. Assim, não se vislumbra relevância no deslocamento, pois o órgão
judicante será o mesmo: o Júri Popular. E que, ao f‌i nal, “não haverá diversidade
das instâncias chamadas transordinárias para eventuais ações ou recursos, diri-
gidos ao STJ e/ou STF”.
Mais adiante, Sua Excelência diz, verbis:
11 — A conf‌i abilidade nas instituições públicas, constitucional e legalmente
investidas de competência originária para atuar em casos como o presente —
Policia, Ministério Público, Judiciário — deve, como regra, prevalecer,
ser apoiada e prestigiada, só afastando a sua atuação, a sua competência,
excepcionalmente, ante provas induvidosas que revelem descaso, de-
sinteresse, ausência de vontade política, falta de condições pessoais
ou materiais etc. em levar a cabo a apuração e julgamento dos envolvidos
na repugnante atuação criminosa, assegurando-se-lhes, no entanto, as garan-
tias constitucionais específ‌i cas do devido processo legal.
74 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência, nº 1- PA,
2005/0029378-4. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Disponível em: < https://ww2.stj.gov.br/
revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1735835&sReg=200500293784&sData=2
0051010&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 03 fev. 2009.
272 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
11.1 — Do que se contém, todavia, neste IDC, não se conclui pela exceção
mas, sim, pela regra, ou seja, tais instituições estaduais vêm cumprindo
o seu dever funcional e, certamente, continuarão a fazê-lo, até o f‌i m, com
a importante e resoluta participação da operosa Polícia Federal, de forma
ilegítima, nos momentos adequados. (BRASIL, 2005, p. 15, grifado no ori-
ginal do texto e sublinhado nosso)76
Conforme noticiado no voto condutor do julgamento (item 11.2), foi cria-
da pelo Senado Federal, em 16/02/2005, uma “Comissão Externa, composta
de oito Senadores, para acompanhar como observadores” as investigações que
estavam sendo desenvolvidas pela Polícia Federal e Polícia Civil do Estado do
Pará e apresentar ao Senado Federal relatório circunstanciado sobre o assassinato
da Missionária Dorothy Stang77, Comissão essa presidida pela então senadora
Ana Júlia Carepa, hoje governadora do Estado do Pará. O relatório apresentado
pela referida Comissão, publicado no Diário do Senado Federal em 7 de maio
de 2005 e disponível no site do Senado78, constitui-se de documento elaborado
cuidadosamente e que merece ser lido na sua íntegra. O Ofício nº 081/GSAJC,
de 05/04/2005, encaminhou a conclusão da Comissão nos seguintes termos:
[...] permissividade do poder público local, no caso, da Polícia Civil do Pará,
corroborando, assim, os argumentos e o posicionamento manifestado pelo
Procurador-Geral em favor da federalização. O mesmo, no entanto, não se
concluiu quanto ao MP e ao Judiciário locais. Admitindo a premissa em
relação à Polícia Estadual, para argumentar, tal, se procedente, não seria
decisivo porque a Polícia Federal, como já assinalado, atua, decididamen-
te, desde o início, na elucidação dos fatos. (BRASIL, 2005, p. 15)79
76 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência, nº 1- PA,
2005/0029378-4. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Disponível em: < https://ww2.stj.gov.br/
revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1735835&sReg=200500293784&sData=2
0051010&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 03 fev. 2009.
77 BRASIL. Congresso. Senado. Ato do presidente nº 8 de 2005. Diário do Senado, Brasília, DF, 07
maio 2005 Disponível em: .br/sf/atividade/Materia/Detalhes.asp?p_cod_
mate=72380>. Acesso em 10 fev. 2009.
78 BRASIL. Congresso. Senado. Relatório f‌i nal nº 3, de 2005. Diário do Senado, Brasília, DF, 07 maio 2005.
Disponível em: .br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2005/05/06052005/13596.
pdf>. Acesso em 10.02.2009.
79 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência nº 1- PA,
2005/0029378-4. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Disponível em:
vistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1735835&sReg=200500293784&sData=20
051010&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 03 fev. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 273
A conclusão do voto é no sentido de que não se aplica a federalização no
presente caso, porquanto o Brasil não poderá, perante as Cortes Internacionais,
“ser acusado de ter-se omitido na investigação, julgamento e punição dos culpa-
dos, sempre f‌i el ao princípio da legalidade, pois um seu Estado-membro, com
seu apoio, atua adequadamente em tal sentido” (sic), observando, ainda, que o
feito, à época, se encontrava “em fase adiantada (art. 406 e segs. do CPP),
estando os denunciados presos e prestes a serem submetidos a seu juízo natural
[...]”, bem como que os autos encontravam-se em fase de alegações f‌i nais,
cujo prazo encerrar-se-ia em breve. E mais, que o Poder Judiciário é nacional
e foi dada “adequada e segura resposta jurídico-penal aos infratores”. Permito-
me aqui transcrever trechos f‌i nais do voto condutor, verbis:
13.3 — O trágico e covarde assassinato da missionária DOROTHY STANG
merece a mais absoluta repulsa de toda a sociedade. A apuração e a responsa-
bilização penal dos culpados devem ser, dentro da lei, rigorosas. Trata-se, ali-
ás, de crime hediondo. Nem por isso, entretanto, as circunstâncias que o
envolvem recomendam se afaste o procedimento criminal de seu curso
regular, perante a Justiça Estadual, a qual, com certeza, cumprirá,
como vem fazendo, o seu indeclinável dever funcional, não só perante
a sociedade local, estadual, nacional, mas, igualmente, internacio-
nal. Não é demais lembrar que violações de direitos humanos, tristemente,
ocorrem no Brasil e, porque não dizer, em vários outros Países. [...]
14 — Em suma, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na
apuração de tais fatos, visando punir os eventuais responsáveis, ref‌l etindo a
intenção e o dever do Estado do Pará em dar resposta ef‌i ciente à violação do
maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade
do deslocamento da competência originária para a Justiça Federal de forma
subsidiária, sob pena, inclusive, no caso, de tumultuar o andamento do pro-
cesso criminal e procrastinar a solução da lide, utilizando-se o instrumento
criado pela norma constitucional (art. 109, §5º) em desfavor da sua própria
f‌i nalidade, que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave
violação dos direitos humanos. (BRASIL, 2005, p. 17-18)80
Depreende-se do f‌i nal do voto que o Superior Tribunal de Justiça assentou
que o incidente de deslocamento deve atender aos princípios da proporcio-
nalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), e
da razoabilidade, com demonstração concreta de risco de descumprimento de
obrigações decorrentes de tratados internacionais f‌i rmados pelo Brasil, verbis:
80 Ibid., p.17-18.
274 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
[...] ante inoperante, inadequada atuação de ramo da Justiça Nacional
originariamente competente, tanto quanto dos demais órgãos estaduais res-
ponsáveis pela investigação (Polícia Judiciária) e persecução penal (Ministério
Público), o que não restou evidenciado na espécie. (BRASIL, 2005, p. 18)81
3.1.2 Analisando o incidente
Como dito no voto do ministro relator, o Estado Democrático de Direito tem
como um dos seus principais fundamentos a dignidade da pessoa humana.
Ao apreciar este incidente de deslocamento de competência, o Superior
Tribunal de Justiça explicitou que são três e cumulativos os seus requisitos,
quais sejam: a) grave violação a direitos humanos; b) assegurar o cumprimento,
pelo Brasil, de obrigações decorrentes de tratados internacionais; e c) a incapa-
cidade (oriunda de inércia, negligência, falta de vontade política, de condições
pessoais, materiais etc) de o Estado-membro, por suas instituições e autorida-
des, levar a cabo, em toda a sua extensão, a persecução penal.
Não há norma regimental regulamentando o procedimento do IDC, tão-
somente a edição da Resolução nº 6, de 16/02/2005, da Presidência do Supe-
rior Tribunal de Justiça82, verbis:
Art. 1º. Fica criada a classe processual de Incidente de Deslocamento de
Competência — IDC, no rol dos feitos submetidos a esta Corte, em razão ao
que dispõe a Emenda Constitucional nº 45/2004 mediante o acréscimo do
parágrafo 5º ao art. 109 da Constituição Federal.
Parágrafo único. Cabe à Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça o
julgamento da hipótese prevista no caput deste artigo.
Art. 2º. Fica sobrestado, até que este Tribunal delibere acerca do assunto,
o pagamento de custas dos processos tratados nesta resolução que entrarem
no Superior Tribunal de Justiça após a publicação da mencionada Emenda
Constitucional.
Art. 3º. A Secretaria Judiciária, após aquiescência do Presidente da Corte, im-
plementará todas as providências necessárias ao cumprimento desta resolução.
Art. 4º. Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação. (BRA-
SIL, 2005)
81 Ibid., p.18.
82 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resolução nº 6, de 16/02/2005, da Presidência do Superior Tri-
bunal de Justiça. Disponível em:
7&numero=%226%22&&b=LEGI&p=false&t=&l=20&i=1>. Acesso em 18 fev. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 275
Quanto ao debate acerca do princípio do juiz natural, observe-se que os
princípios que norteiam um ordenamento jurídico devem ser harmonizados,
ou seja, não há como um princípio suplantar outro, não há princípio absoluto.
Nesta linha de raciocínio, o juiz federal que receber a causa deslocada é também
juiz natural. Vladimir Aras (ARAS, pág.6) enseja que a hipótese trata de um
juiz natural potencial, porque, desde o início, segundo a própria Constituição
Federal, aquele juízo era virtualmente ou condicionalmente competente para os
processos relativos a graves violações a direitos humanos. Bastava apenas ocor-
rerem concomitantemente os três requisitos essenciais ao IDC. Aras acrescenta
que nas exceções processuais e no conf‌l ito de competência não há violação aos
princípios da segurança jurídica e do juiz natural. Explica ARAS (2005):
[...] não há porque temer a mera substituição de um juiz estadual por
juiz federal, presentes determinados requisitos, e em situações excepcionais,
também motivadas pelo interesse público e estribadas em princípios funda-
mentais do Estado brasileiro, como são a dignidade da pessoa humana e a
proteção dos direitos humanos.
[...] o constituinte derivado não reduziu a esfera de proteção dos direitos do
cidadão, mas sim a ampliou por meio de um novo instrumento garantista.
(ARAS, 2005, p. 7)83
Por oportuno, transcrevo trecho do voto do ministro Arnaldo Lima84, verbis:
[...] a ausência de norma legal ou constitucional descrevendo os crimes prati-
cados com grave violação a tais direitos parece ter sido a opção do constituin-
te derivado, visando não restringir ou limitar os casos de incidência do dis-
positivo (CF,art. 109, §5º), que não afronta o princípio do juiz natural,
nem se constitui em tribunal de exceção. (BRASIL, 2005, p. 10)
E, como muito bem colocou o ministro relator, não há incompatibilidade
do IDC com qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática
processual em vigor; inclusive, compara-o ao instituto do desaforamento. É
oportuno relembrar o despacho inicial exarado pelo excelentíssimo relator:
83 ARAS, 2005, passim.
84 BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência nº 1/PA
(2005/0029378-4) Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Disponível em:
revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1735835&sReg=200500293784&sData=2
0051010&sTipo=91&formato=PDF>. pág. 10. Acesso em 11 fev. 2009.
276 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
Embora criada pela Resolução nº 6, de 16/2/2005, a classe processual de
Incidente de Deslocamento de Competência — IDC, no rol dos feitos sub-
metidos a este Tribunal, por força do disposto na referida EC 45/2004, [...]
não existe ainda norma legal ou regimental dispondo sobre o processamento
do aludido incidente, que, na minha maneira de ver, guarda muita
semelhança com o pedido de desaforamento nos processos de compe-
tência do Tribunal do Júri (BRASIL, 2005, p. 1, grifo nosso)85
Nesta oportunidade, trago à colação fruto de longa pesquisa, constante de
acórdãos extraídos do banco de dados jurisprudencial do Supremo Tribunal Fe-
deral, a f‌i m de se somarem ao aresto do HC 67851/GO, citado no voto do
Relator, arestos estes que registram, em diferentes épocas, o entendimento da
mais alta Corte do País no sentido de que o desaforamento, que está presente no
nosso Código de Processo Penal há muitas décadas, não subtrai o princípio do
juiz natural ao julgamento, muito pelo contrário, mostra-se, em alguns casos,
como instrumento fundamental para que seja efetivado um julgamento isento
das inf‌l uências, especialmente políticas, da localidade do fato. Senão, vejamos:
HABEAS-CORPUS. PROCESSO MILITAR. IMPOSSIBILIDADE DE
REALIZAÇÃO DO SORTEIO PARA CONSTITUIR-SE O CONSELHO
DE JUSTIÇA. DESAFORAMENTO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO
AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. [...] Não conf‌i gura violação ao
princípio do juiz natural decisão nesse sentido, dado que os acusados serão
levados a julgamento pela autoridade judiciária competente. [...] (BRASIL,
2002, grifo nosso)86
DESAFORAMENTO: DÚVIDA FUNDADA SOBRE A PARCIALI-
DADE DOS JURADOS. MANIFESTAÇÃO FAVORÁVEL DE AMBAS
AS PARTES E DO JUÍZO LOCAL NO SENTIDO DO DESAFORA-
MENTO, COM INDICAÇÃO DE FATO CONCRETO INDICATI-
VO DA PARCIALIDADE DOS JURADOS. ORDEM CONCEDIDA.
1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal, a def‌i nição dos fatos
indicativos da necessidade de deslocamento para a realização do júri —
desaforamento — dá-se segundo a apuração feita pelos que vivem no local.
Não se faz mister a certeza da parcialidade que pode submeter os jurados,
mas tão somente fundada dúvida quanto a tal ocorrência. 2. A circunstân-
cia de as partes e o Juízo local se manifestarem favoráveis ao desaforamento,
85 Ibid., p. 1.
86 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus nº 82578, Relator: Ministro Maurício Corrêa, Ama-
zonas, 17 de dezembro de 2002. Disponível em:
prudencia.asp?s1=(HC$.SCLA.%20E%2082578.NUME.)%20OU%20(HC.ACMS.%20ADJ2%20
82578.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em 05 fev. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 277
apontando-se fato “notório” na comunidade local, apto a conf‌i gurar
dúvida fundada sobre a parcialidade dos jurados, justif‌i ca o desaforamento
do processo (Código de Processo Penal, art. 424). 3. Ordem parcialmente
concedida para determinar ao Tribunal de Justiça pernambucano a def‌i -
nição da Comarca para onde o processo deverá ser desaforado. (BRASIL,
2008, grifo nosso)87
HABEAS CORPUS. DESAFORAMENTO. CÓDIGO PENAL, ART.
121, PAR. 2., I E IV, COMBINADO COM O ARTIGO 29, AM-
BOS DO CÓDIGO PENAL. DESAFORAMENTO DO FEITO DA
COMARCA DE SANTA MARIA DO SUACUI PARA BELO HORI-
ZONTE. ALEGAÇÃO DA POSSIBILIDADE DE O JULGAMENTO
REALIZAR-SE EM COMARCA MAIS PRÓXIMA. CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL, ART. 424. NA APLICAÇÃO DO ART. 424 DO
CPP, BUSCA-SE RESGUARDAR A AMPLA DEFESA DO RÉU, A PAR
DE UM JULGAMENTO ISENTO. EM MATÉRIA DE DESAFORA-
MENTO, O STF POSSUI JURISPRUDÊNCIA ASSENTE NO SEN-
TIDO DE QUE O DESAFORAMENTO, QUANDO NECESSARIO,
DEVE DAR-SE PARA COMARCA MAIS PRÓXIMA DO DISTRITO
DA CULPA, ONDE NÃO SUBSISTAM OS MOTIVOS QUE O DE-
TERMINAM. [...] CIDADES POPULOSAS ONDE OS MOTIVOS
DE INFLUÊNCIA POLÍTICA OU ECONÔMICA DO RÉU NÃO
SÃO DE PRESUMIR-SE. NA ESPÉCIE, AO DECIDIR, A CORTE
MINEIRA JÁ O FEZ TENDO PRESENTES AS INFORMAÇÕES DOS
JUIZES DAS COMARCAS MAIS PROXIMAS DO DISTRITO DA
CULPA, TODOS, POR MOTIVOS DIVERSOS, MANIFESTANDO-
SE PELA INCONVENIENCIA DE DESAFORAR O JULGAMENTO
PARA A RESPECTIVA COMARCA, OU POR FALTA DE CONDI-
ÇÕES, OU PELA EXISTÊNCIA DOS MESMOS INCONVENIEN-
TES APONTADOS NA COMARCA DE ORIGEM. [...] A CORTE
LOCAL, MAIS PROXIMA DOS FATOS E DAS CIRCUNSTANCIAS,
ESTÁ EM MELHORES CONDIÇÕES DE APRECIÁ-LOS, NO INTE-
RESSE SUPERIOR DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. [...] HA-
BEAS CORPUS INDEFERIDO. (BRASIL, 1993)88
87 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus nº 93871, Relatora: Ministra Carmem Lúcia, Per-
nambuco, 10 de junho de 2008. Disponível em:
prudencia.asp?s1=(HC$.SCLA.%20E%2093871.NUME.)%20OU%20(HC.ACMS.%20ADJ2%20
93871.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em 05 fev. 2009.
88 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus nº 69898, Relator: Ministro Néri da Silveira, Minas
Gerais, 23 de março de 1993. Disponível em:
prudencia.asp?s1=(HC$.SCLA.%20E%2069898.NUME.)%20OU%20(HC.ACMS.%20ADJ2%20
69898.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em 05 fev. 2009.
278 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DU-
PLAMENTE QUALIFICADO. BRIGA ENTRE FAMÍLIAS TRADI-
CIONAIS NA COMARCA E EM CIDADES VIZINHAS. DESAFORA-
MENTO DO JULGAMENTO PARA A CAPITAL. POSSIBILIDADE.
CPP, ART. 424. O art. 424 do CPP, por traduzir hipótese de mitigação das
regras processuais de def‌i nição de competência, é de ser interpretado de modo
restritivo. Logo, impõe-se ao Tribunal de Apelação o ônus de indicar os moti-
vos pelos quais se faz imperioso o desaforamento da causa, especialmente se a
comarca eleita não for aquela mais próxima da localidade dos fatos. Atende
às exigências legais e jurisprudenciais o desaforamento, para comarca da
Capital, de julgamento a envolver conf‌l ito entre famílias de grande inf‌l u-
ência na localidade do delito e também nas comarcas vizinhas. Recurso
desprovido. (BRASIL, 2005, grifo nosso)89
Trago, ainda, por oportuno, acórdão também da Suprema Corte do país,
agora apreciando a reiteração do pedido de desaforamento, verbis:
JÚRI — DESAFORAMENTO — REITERAÇÃO DE PEDIDO. O
INDEFERIMENTO ANTERIOR DA MEDIDA, ISTO NA OPORTU-
NIDADE QUE ANTECEDEU AO PRIMEIRO JÚRI, NÃO OBSTA-
CULIZA ACOLHIMENTO DE NOVO PEDIDO FORMULADO
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. A DINÂMICA DA VIDA IMPLICA
A POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS
REINANTES, CABENDO AO ÓRGÃO COMPETENTE SOPESÁ-
LAS E DEFINIR A REPERCUSSÃO QUE POSSAM VIR A TER NO
NOVO JULGAMENTO. DA MESMA FORMA, NÃO CONSUBS-
TANCIA ÓBICE AO DEFERIMENTO DO PLEITO O FATO DE O
TRIBUNAL, AO JULGAR A APELAÇÃO INTERPOSTA COM BASE
NA CONTRARIEDADE MANIFESTA A PROVA DOS AUTOS, PELO
VEREDICTO ABSOLUTORIO DOS JURADOS, HAVER CONCLUI-
DO PELA IMPERTINÊNCIA DE PRELIMINAR QUE VISAVA AO
DESAFORAMENTO, DELA NÃO CONHECENDO. JÚRI — DESA-
FORAMENTO — DEFINIÇÃO DO LOCAL. [...]CUMPRE PROCE-
DER AO DESLOCAMENTO PARA AQUELA QUE REALMENTE
ASSEGURE A ALMEJADA INTANGIBILIDADE DO JULGAMEN-
TO — INTELIGENCIA DO ARTIGO 424 DO CÓDIGO DE PRO-
CESSO PENAL. JÚRI — DESAFORAMENTO — FIXAÇÃO DOS FA-
TOS MOTIVADORES. A FIXAÇÃO DOS FATOS INDICADORES DA
89 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso de Habeas corpus nº 84651, Relator: Ministro Carlos Brito,
Pernambuco, 20 de setembro de 2005. Disponível em: .jus.br/portal/jurisprudencia/lis-
tarJurisprudencia.asp?s1=(RHC$.SCLA.%20E%2084651.NUME.)%20OU%20(RHC.ACMS.%20
ADJ2%2084651.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em 05 fev. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 279
NECESSIDADE DE DESLOCAR-SE A FEITURA DO JÚRI — DE-
SAFORAMENTO — E FEITA SEGUNDO A OPTICA DAQUELES
QUE, NO LOCAL VIVENCIEM O CLIMA REINANTE. DESPONTA
A VALIA DAS INFORMAÇÕES DO JUÍZO NA COMARCA EM QUE
NORMALMENTE SERIA REALIZADO O JÚRI, BEM COMO O EN-
DOSSO DESTAS PELOS INTEGRANTES DO TRIBUNAL DE JUS-
TIÇA AO QUAL ESTEJA VINCULADO. JÚRI — DESAFORAMEN-
TO — INFLUENCIA POLITICA. A INFLUENCIA POLITICA DO
ACUSADO E DE PARENTES DESTE, REVELADA MEDIANTE
MENÇÃO A FATOS CONCRETOS QUE SE FIZERAM PRESEN-
TES ANTES E DEPOIS DA REALIZAÇÃO DE JÚRI ANULADO
E QUE RESULTOU NA ABSOLVIÇÃO DO RÉU, E DE MOLDE
A AUTORIZAR O DESAFORAMENTO, CUMPRINDO, CASO
A CASO, PERQUIRIR O ALCANCE DOS ACONTECIMENTOS
NARRADOS, ESPECIALMENTE NO QUE REPERCUTAM NO
SENTIMENTO DAQUELES QUE COMPOEM A LISTA GERAL
DE JURADOS (BRASIL, 1992, grifo nosso)90
O STJ, em seu julgamento, não vislumbrou relevância no deslocamento,
pois o órgão judicante será o mesmo: o Júri Popular. E que, ao f‌i nal, “não
haverá diversidade das instâncias chamadas transordinárias para eventuais ações
ou recursos, dirigidos ao STJ e/ou STF”.
O ministro relator anuncia, no item 2 da ementa, que a f‌i nalidade precí-
pua do disposto no art. 109, § 5º, da CF/88 é “assegurar o cumprimento de
obrigações decorrentes de tratados internacionais f‌i rmados pelo Brasil sobre a
matéria”. E como não se considerou, frente ao princípio da proporcionalidade,
demonstrado concretamente o risco de descumprimento de tais obrigações, em
virtude de inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais
do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução pe-
nal, não se justif‌i cava o acolhimento do incidente, apesar de conhecido.
Quanto à atuação das instituições do Estado-membro, leiamos trecho do
voto do ministro Hélio Quaglia Barbosa, verbis:
[...] entendo, todavia, que a Polícia Civil, se realmente houve inicial desvio
de rumo — o que me causa até perplexidade, diante das circunstâncias —
de o inquérito policial aberto pela Polícia Civil do Estado havê-lo sido em
12.02.2005, ao passo que o inquérito instaurado pela Polícia Federal, o
90 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus nº 69311, Relator: Ministro Marco Aurélio, Rio
Grande do Norte, 09 de junho de 1992. Disponível em:
listarJurisprudencia.asp?s1=(HC$.SCLA.%20E%2069311.NUME.)%20OU%20(HC.ACMS.%20
ADJ2%2069311.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em 05 fev. 2009.
280 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
foi já no dia seguinte — o que, repito, causa certa estranheza, já se pudesse
naquele momento, de um dia para o outro, perceber esse desvio de rumo —
mas, de qualquer forma, ambas as polícias, agindo em conjunto, em coope-
ração, tendo levado a cabo o ingente mister de, em tempo recorde — como
se af‌i rmou — chegar aos autores, bem como aos mandantes deste gravíssimo
crime, tudo indica, todavia, que o Poder Judiciário do Estado do Pará e o
Ministério Público do Estado do Pará, efetivamente, tiveram, na espécie em
exame, uma atuação pronta, rigorosa e escorreita, pelo que reputo e, digo
também, fazendo a ressalva de não divisar quem sustente em prol do inci-
dente de deslocamento de competência tenha este propósito, que o Ministério
Público paraense e o Poder Judiciário do Pará, no caso concreto, nesta ocor-
rência, não merecem, data vênia, um voto de desconf‌i ança pela sua atuação
em passado recente, nem pela que se desenvolve no presente, nem por uma
dúvida que vejo também como preconceituosa quanto ao seu desempenho fu-
turo na persecução penal, que se instaura e se desenvolve regularmente, com
probabilidade intensa de chegar a bom termo, com a punição dos culpados.
(BRASIL, Voto, p. 6-7)91
Entendo que, no momento da apreciação do IDC nº 1 pelo Superior Tribu-
nal de Justiça, o Estado do Pará havia utilizado, no caso concreto em exame, das
suas estruturas para dar uma adequada resposta à violação dos direitos humanos.
Analisemos: o crime ocorreu em 12 de fevereiro de 2005; menos de qua-
tro meses após, em 8 de junho de 2005, quando o STJ julgou o IDC, a ação
penal já se encontrava em fase de alegações f‌i nais.
Como já dito, houve a atuação das Polícias Estadual e Federal, e o relator
af‌i rmou que, neste IDC, “não se conclui pela exceção, mas sim, pela regra,
ou seja, tais instituições estaduais vêm cumprindo o seu dever funcional e, cer-
tamente, continuarão a fazê-lo, até o f‌i m, com a importante e resoluta partici-
pação da operosa Polícia Federal, de forma legítima, nos momentos adequados
(BRASIL, 2005, p. 15)”92.
A Comissão Externa, criada pelo Senado Federal especialmente para acom-
panhar o caso Dorothy Stang, apresentou conclusão nos seguintes termos, que
aqui novamente repito:
91 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência 1- PA,Voto Vogal
do Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Disponível em: .br/revistaeletronica/Abre_Do-
cumento.asp?sLink=ATC&sSeq=1896680&sReg=200500293784&sData=20051010&sTipo=2&form
ato=PDF>. Acesso em 06 fev. 2009.
92 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência, nº 1- PA,
2005/0029378-4. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Disponível em: < https://ww2.stj.gov.br/
revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1735835&sReg=200500293784&sData=2
0051010&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 03 fev. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 281
[...] permissividade do poder público local, no caso, da Polícia Civil do Pará,
corroborando, assim, os argumentos e o posicionamento manifestado pelo
Procurador-Geral em favor da federalização”. O mesmo, no entanto, não se
concluiu quanto ao MP e ao Judiciário locais. Admitindo a premissa em
relação à Polícia Estadual, para argumentar, tal, se procedente, não seria
decisivo porque a Polícia Federal, como já assinalado, atua, decididamen-
te, desde o início, na elucidação dos fatos. (BRASIL, 2005, p. 15)93
Depreende-se, no entanto, que o STJ entendeu por não deferir o pedi-
do, principalmente pela circunstância de que o Estado do Pará como um todo
agiu prontamente para a solução do caso, tão logo noticiada a ocorrência do
homicídio, estando a ação penal que imputa aos réus a prática do lamentável
homicídio, à época do julgamento do IDC, na fase f‌i nal. Assegurado estava,
portanto, o cumprimento dos tratados assinados pelo Brasil.
Ela Wiecko Volkmer de Castilho (2005, p. 6) considera que, “sem dúvi-
da, pesou na decisão o fato de o processo penal já estar em fase de alegações
f‌i nais”94. Penso ter sido acertada a conclusão da ilustríssima procuradora. Re-
força tal posicionamento o seguinte trecho do voto do ministro Hélio Quaglia
Barbosa: “Em suma, o processo está realmente em sua fase f‌i nal, aprontando-se
para ser levado à etapa de pronúncia” 95.
Acho que a questão vai mais além, e o constituinte não criaria este meca-
nismo se não o considerasse necessário, não podendo deixar de ser reaf‌i rmado
que se trata de um instrumento que levou 12 anos desde a propositura da
alteração constitucional até a promulgação da sua respectiva emenda, cuja tra-
mitação — disponível no site da Câmara de Deputados — verif‌i ca-se, como já
noticiado no início deste trabalho, não foi um caminho fácil e sem conf‌l itos,
constituído de inúmeras discussões e negociações.
E penso que se o ilustríssimo procurador-geral da República aceitou a propo-
sição deste incidente, após todos os procedimentos necessários ao seu convenci-
mento — como já exposto no subtítulo 2.3.2 deste trabalho intitulado “parte im-
petrante” — o fez na certeza da necessidade do deslocamento da competência.
Não se trata de confrontar a Justiça Federal com a Justiça Estadual, por-
quanto estes dois segmentos do Poder Judiciário Nacional caminham juntos,
93 Idem.
94 CASTILHO, 2005, p. 6.
95 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de deslocamento de competência 1- PA, 2005/0029378-
4Voto Vogal do Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Disponível em:
nica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1896680&sReg=200500293784&sData=20051010&s
Tipo=2&formato=PDF>. Acesso em 06 fev. 2009.
282 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
cada um atuando na jurisdição que lhes foi distribuída dentro do nosso orde-
namento jurídico, mesmo porque este instrumento somente deve ser utilizado
quando não houver ef‌i cácia na atuação do Estado Federado.
Antes de qualquer coisa, ratif‌i co a colocação do professor Vladimir Aras
(ARAS, 2005, p. 4) quando diz que o IDC é “um instrumento político destina-
do a resguardar a responsabilidade do Estado soberano perante a comunida-
de internacional, em função de tratados de proteção à pessoa humana f‌i rmados
pela União” 96.
Considero que a oportuna proposição do IDC nº 1/PA provocou, sem
dúvida, inicialmente, o seguinte resultado: fez com que a Justiça, a Polícia e
o Ministério Público Estaduais agissem com a presteza necessária, tanto que,
repito, a instrução criminal estava, à época do julgamento do IDC, prestes a en-
cerrar a apuração dos fatos “e, certamente, com a punição dos culpados”, como
disse a excelentíssima ministra Laurita Vaz em seu voto, também disponível no
site do STJ.
Concordo com CASTILHO (2005, p.10) quando af‌i rma que “o anúncio
do pedido de deslocamento acelerou as investigações para a apuração da auto-
ria, além de levar o estado do Pará a implantar um Programa de Proteção a De-
fensores de Direitos Humanos” 97. Este, com certeza, foi um resultado positivo
da alteração constitucional. Trata-se de um salutar encorajamento à atuação
estadual, posto que não se quis correr o risco de deslocar-se a competência em
razão da matéria.
O voto condutor conclui no sentido de que não se aplica a federalização
no presente caso, porquanto o Brasil não poderá, perante as Cortes Internacio-
nais, “ser acusado de ter-se omitido na investigação, julgamento e punição dos
culpados, sempre f‌i el ao princípio da legalidade, pois um seu Estado-membro,
com seu apoio, atua adequadamente em tal sentido”. E mais, que foi dada “ade-
quada e segura resposta jurídico-penal aos infratores”.
Destaco trecho do voto do ministro Hélio Quaglia Barbosa, que cita que “a
Comissão Pastoral da Terra, no período de 1985 a 2003, repito, de 1985 a 2003,
vislumbrou o total de 1003 crimes relativos a conf‌l itos de terra, dos quais 75
teriam sido levados a julgamento”. Em suma e no todo, não exclusivamente no
Estado do Pará, de um universo de 1349 pessoas assassinadas, só houve a con-
denação de 64 pistoleiros e de 15 mandantes, consoante estudo da professora
Flávia Piovesan, ao qual o ministro vogal faz referência em seu voto. E mais, diz
Sua Excelência, ainda com base nos referidos estudos, que “há hoje 13 casos de
96 ARAS, 2005, passim.
97 CASTILHO, 2005, p. 10.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 283
violência rural submetidos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos”
(BRASIL, 2005, p. 2)98, sendo 6 deles ocorridos no Estado do Pará.
E o ministro Gilson Dipp explicita em seu voto os seguintes dados: há cerca
de trinta processos por violação de direitos humanos em trâmite na Comissão
Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos;
algumas dessas trinta reclamações ou representações certamente chegarão à Corte
Interamericana de Direitos Humanos, Corte essa a que o Brasil aderiu em relação
à sua competência para lá ser julgado por tais violações. Esta é uma realidade99.
A menção a esses números estatísticos é uma forma de, ensejando o his-
tórico passado, examinar o contexto atual e fomentar mudanças que projetem
um futuro melhor.
É interessante relermos trecho do voto do ministro José Arnaldo da Fonse-
ca, que nos mostra estatísticas alardeantes fornecidas pela Comissão Pastoral da
Terra, bem como suas colocações posteriores, verbis:
[...] nos últimos 33 anos ocorreram 772 assassinatos, com a realização de
apenas três julgamentos de mandantes de crimes. Há ainda diversos proces-
sos, que apuram assassinatos de lideranças e chacinas de trabalhadores rurais,
que continuam parados nas comarcas do interior, sem qualquer previsão
dos acusados irem a júri. Cite-se, por exemplo, o assassinato do Advogado
Gabriel Pimenta em Marabá — 24 anos; a chacina de 8 trabalhadores na
Fazenda Ubá em São João do Araguaia — 20 anos; a chacina de 5 traba-
lhadores na Fazenda Princesa em Marabá — 19 anos;[...]
Ante esse quadro do Estado do Pará, caberia invocar-se o novo preceito cons-
titucional para ter-se federalizada a competência para processar a apuração
da responsabilidade do homicídio da missionária.
[...]
No entanto, em razão da repercussão ruidosa interna e no exterior, envida-
ram os órgãos policiais do Ministério Público e do Poder Judiciário local em
elucidar e trazer a público os autores do hediondo crime, prendendo-os, e a
fase do processo já superou a da instrução.(BRASIL, 2005, p. 1)100
98 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de deslocamento de competência 1- PA,
2005/0029378-4. Voto Vogal do Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Disponível em:
br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1896680&sReg=200500293784&sData
=20051010&sTipo=2&formato=PDF>. Acesso em 06 fev. 2009.
99 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Deslocamento de Competência 1- PA,
2005/0029378-4. Voto Vogal do Ministro Gilson Dipp. Disponível em:
taeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1986534&sReg=200500293784&sData=2005
1010&sTipo=2&formato=PDF>. Acesso em 22 jan. 2009.
100 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de deslocamento de competência 1- PA,
2005/0029378-4. Voto Vogal do Ministro José Arnaldo da Fonseca. Disponível em:
gov.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1890692&sReg=200500293784&s
Data=20051010&sTipo=2&formato=PDF> . Acesso em 10 fev. 2009.
284 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
A seguir, ainda em seu voto, Sua Excelência faz referência a memorial en-
caminhado pelo presidente do TJPA, no qual aquela autoridade argumenta no
sentido de que o Estado do Pará é vasto, e destaca que a problemática fundiária
no Pará está ligada à falta de regularização e delimitação, pelos órgãos federais
competentes, de quais sejam as terras pertencentes ao Estado e à União, o que
representa algo em torno de 70% do território paraense. E diz mais o presidente
do TJPA que, “a seguir esta lógica da “omissão” do Poder Público, não deveria
o crime ser federalizado, mas sim, internacionalizado, pois também gritante
é a omissão do Poder Público Federal”.
É fato que apenas a def‌l agração deste IDC despertou a atenção das diversas
unidades da Federação e da sociedade sobre uma eventual inoperância capaz de
provocar uma severa censura pública.
3.1.3 Os andamentos processuais
Em 20 de fevereiro de 2005, Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, foi preso
às margens da Transamazônica. Em interrogatório realizado no dia seguinte,
Rayfran confessou a autoria do crime, delatou a rota de fuga do segundo par-
tícipe Clodoaldo Carlos Batista, vulgo ‘Eduardo’, e indicou o local da arma
do crime — Fazenda Bacajá, de propriedade do acusado Vitalmiro Bastos de
Moura, vulgo ‘Bida’, localizada na área do assentamento do PDS Esperança.
A denúncia, de 8 de março de 2005, apontou o crime de homicídio qualif‌i ca-
do mediante promessa de recompensa e recurso que torne impossível a defesa
da vítima combinado com concurso de pessoas 101. Na denúncia, Clodoaldo
e Rayfran são apontados como executores do assassinato, Amair Feijoli da
Cunha foi denunciado como intermediário do crime e Vitalmiro foi denun-
ciado como mandante do crime. Foi preso, ainda, o madeireiro Regivaldo Gal-
vão, suspeito como também possível mandante.
Consultando o andamento processual dos feitos que na espécie se está cui-
dando, verif‌i ca-se que consta no site do Tribunal de Justiça do Pará (www.tj.pa.
gov.br) o seguinte:
Processo nº 200520522415 — 2ª Vara do Tribunal do Júri da Co-
marca de Belém do Pará — autos remetidos ao TJ/PA em 25/08/2008 para
apreciação dos recursos interpostos dos condenados Rayfran das Neves Sa-
101 Informações prestadas pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Pará ao Ministro Relator do IDC
1/PA, 2005/0029378-4. LIMA, Arnaldo. Voto no IDC, pág. 13. Disponível em: < https://ww2.stj.gov.
br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1735835&sReg=200500293784&sData
=20051010&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 03 fev. 2009..
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 285
les e Vitalmiro Bastos de Moura. O Juízo da 2ª Vara do Tribunal do Júri da
Comarca de Belém do Pará proferiu as seguintes sentenças: em 12/12/2005,
condenou RAYFRAN a 28 anos de reclusão e CLODOALDO a 17 anos de
reclusão; em 28/04/2006, condenou AMAIR FEIJOLI a 18 anos de reclusão;
em 17/05/2007, condenou VITALMIRO a 30 anos de reclusão, porém, em
07/05/2008, julgou improcedente a denúncia e absolveu o réu VITALMI-
RO102. É deste segundo julgamento que a Irmã Margarida falou na audiência
com o Presidente do TJ/PA.
Processo nº 2008.3.008600-2 — 1ª Câmara Criminal Isolada do Tribu-
nal de Justiça do Estado do Pará — autos conclusos à Relatora, Desembargado-
ra Vania Lúcia Silveira, em 13/02/2009.
Consta, ainda, que tramitam na Vara de Execuções Penais da Comarca de
Belém do Pará os seguintes processos, cujos réus encontram-me respectivamen-
te indicados:
Processo nº 2006.2.001848-9 ——referente ao réu Clodoaldo Carlos
Batista;
Processo nº 2006.2.026285-4 — referente ao réu Amair Feijoli da
Cunha; e
Processo nº 2006.2.003909-7 — referente ao réu Rayfran das Neves
Sales.
Em resumo, Rayfran foi condenado a 28 anos de prisão, Vitalmiro foi
absolvido por não ter sido considerado o mandante do crime, e Clodoaldo foi
condenado a 17 anos103.
Merece destaque a notícia divulgada através do site do Tribunal de Justiça do
Pará de que no dia 12 de fevereiro corrente, quando foram completados quatro
anos da morte de Dorothy Mae Stang, o presidente daquela Corte, desembargador
Rômulo Nunes, recebeu em audiência cerca de trinta representantes do Comitê
“Dorothy Stang” e de outros movimentos sociais. Na ocasião, a porta-voz do movi-
mento “Dorothy Stang”, Irmã Margarida Pantoja, manifestou a preocupação pela
demora na decisão f‌i nal sobre os acusados Regivaldo Pereira Galvão, o “Taradão”, e
Vitalmiro Bastos de Moura, o “Bida”, ambos réus na ação penal que cuida do assas-
102 BRASIL. Poder Judiciário. Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Processo nº 2005.2052241-5. Dispo-
nível em: oc
esso=200520522415>. Acesso em 13 fev. 2009.
103 FAZENDEIRO acusado pela morte Dorothy Stang é absolvido. O Globo, 06 MAIO 2008. Disponível
em: . Acesso em: 13 fev. 2009.
286 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
sinato da missionária104. Diz a nota: “O presidente do TJE destacou a rapidez com
que tramitou o caso Dorothy, mas lembrou que o Judiciário não tem como evitar
os recursos permitidos pelo sistema jurídico brasileiro e concorrem para retardar os
desfechos dos casos”. Especif‌i camente quanto a Regivaldo, o desembargador Rô-
mulo Nunes informou que no f‌i nal de janeiro o Supremo Tribunal Federal rejeitou
o último recurso em favor do acusado e que, tão logo sejam recebidos os documen-
tos formais sobre a decisão, será agendado o júri popular a que será levado, provavel-
mente ainda neste primeiro semestre do ano, o mesmo acontecendo na expectativa
de que Vitalmiro também tenha que ser submetido a novo julgamento.
Destaque-se que esta foi a primeira reunião do Comitê com o presidente do
TJ/PA, em que foi cobrada maior celeridade no julgamento do pedido de anula-
ção da sentença que inocentou, em maio de 2008, o fazendeiro Vitalmiro Bastos
Moura. A Irmã Margarida Pantoja diz “que o caso ainda é tratado com pouco in-
teresse pela Justiça”. Segundo notícia do Clipping daquela Corte, o Comitê pedirá
novamente o indiciamento e julgamento do também fazendeiro Regivaldo Perei-
ra Galvão, o único dos apontados como mandantes do crime ainda não julgado
pelo caso. Regivaldo foi preso no ano passado, acusado de fraudar documentos
de terra em Anapu, mas nunca se sentou no banco dos réus para responder pela
morte da missionária. Segunda Margarida Pantoja, o segundo julgamento, que
inocentou Vitalmiro Bastos de Moura, foi um julgamento vergonhoso105.
3.2 Outros casos concretos
3.2.1 O caso da menor presa com homens na mesma cela da cadeia no Pará
O sítio eletrônico da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, vinculada
à Procuradoria-Geral da República, noticia que “entidades brasileiras de defesa
das mulheres elaboraram um relatório sobre situações de abuso e violência con-
tra presas em pelo menos cinco Estados brasileiros”. O documento foi entregue
à OEA (Organização dos Estados Americanos) em março do ano passado 106.
104 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Justiça paraense registra neste ano conciliação acima da
média nacional. Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 12 fev. 2009. Disponível em: .
tjpa.jus.br/noticias/verNoticia.do?id=965>. Acesso em 12 fev. 2009.
105 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Clipping do dia 10 fev. 2009: Comitê Dorothy vai
pressionar a Justiça. Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Disponível em: < http://www.tjpa.jus.br/
clipping/verNoticia.do?id=2349>. Acesso em 12 fev. 2009.
106 PICHONELLI, Matheus. Menina f‌i ca presa em cadeia para homens. Folha de São Paulo, 09 fev 2008.
Disponível em: .br/clipping/fevereiro-2008/menina-f‌i ca-presa-em-cadeia-para-
homens/>. Acesso em 10 fev. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 287
Conforme artigo do advogado criminalista Roberto Delmanto, publicado
na Folha de São Paulo do dia 30 de novembro de 2007, o mundo inteiro f‌i cou
chocado com a reportagem exibida pela CNN “repercutindo a denúncia vei-
culada pela mídia brasileira sobre o perverso sistema policial e judiciário do Es-
tado do Pará”. Tal notícia referia-se ao fato de que em 21 de outubro de 2007,
no Município de Abaetetuba, Pará, L.A.B., de aproximadamente 15 anos, apre-
endida por tentativa de furto na casa onde trabalhava como doméstica, “foi
jogada em uma cela superlotada de homens, sendo abusada sexualmente por 26
dias”. Os detentos, movidos por instintos sexuais reprimidos pela privação de
companhia feminina, praticaram atos grotescos — a menina foi queimada com
cigarro em regiões do seu corpo, teve o seu cabelo cortado, sofreu hematomas e
talvez tenha a sorte de não ter engravidado. A mesma notícia nos informa que o
delegado-geral da polícia do estado, em audiência no Senado, em vez de escla-
recer os fatos, “insinuou que seria a adolescente a culpada pelos estupros e tor-
turas que sofrera, dizendo que ela deveria ter uma “debilidade mental” por não
af‌i rmar ser menor e tampouco denunciar os abusos”. Isto como se não tivesse a
autoridade policial o dever de averiguar a identidade e a qualif‌i cação da pessoa
presa, bem como de vigiar o que acontece na cadeia que administra 107.
A Revista VEJA nº 2.036, de 28/11/2007, em matéria intitulada “Presa,
estuprada e torturada” descreve f‌i sicamente a vítima:
Aos 15 anos, L.A.B. mede 1,50 metro e pesa 35 quilos. Tem a compleição
física de uma criança de 12 anos. Todos os dias L. era violada de cinco a
seis vezes. A situação revoltou alguns dos presos, que disseram aos carcereiros
que, além de ser uma menina, ela não podia f‌i car na cela com homens. Os
policiais, então, cortaram o cabelo longo, liso e negro de L. à faca e rente à
cabeça. Como seu corpo tem poucas curvas, ela f‌i cou parecida com um rapaz.
(ALMEIDA, 2007, p.2)108
É óbvia e lógica a conclusão das consequências em se colocar uma mulher
— não precisa nem ser menor — em uma cela com homens. Nenhum ser hu-
mano pode furtar-se deste raciocínio, muito menos as autoridades, que agiram,
conforme todos os noticiários nacionais, como se não soubessem que o inevitá-
vel ocorreria. Cito aqui as palavras da própria governadora do Pará: “Se ela tem
107 DELMANTO, Roberto. Caso da menina presa com homens virou jogo de empurra-empurra. Consul-
tor Jurídico, 30 nov. 2007. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2007-nov-30/menina_presa_ho-
mens_virou_jogo_empurra-empurra. Acesso em 11 jan. 2009.
108 ALMEIDA, Ligia Martins. Menina Paraense que virou notícia. Observatório da imprensa, 27 nov.
2007. Disponível em: .
Acesso em 11 jan. 2009.
288 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
15, 20, 50, 80 anos ou até 100 anos, não importa. Uma mulher não poderia
estar presa numa cela junto com homens” (CAMPBELL, 2007, p.2)109. Ela
atribuiu o episódio a uma “sucessão de equívocos graves” cometidos por pessoas
que ocupavam funções em diversas instituições: “Isso demonstra que o sistema
todo foi extremamente falho. Que todos possam apurar suas responsabilidades”
(GOVERNADORA Ana Julia Carepa, 2007) 110.
O Estado de São Paulo, na matéria intitulada “Miséria e prostituição na
trilha de L., 15 anos”, de 25/11/2007, apresenta a situação em que vivem os
moradores do Município de Abaetetuba, “antigo produtor de cachaça, que hoje
sofre com a grande quantidade de jovens viciados em drogas”.
A denúncia mais grave, porém, talvez seja a do Diário do Pará, de
24/11/2007, na matéria “Polícia comunicou fato à Justiça”, que informa:
A Justiça teria conhecimento da situação da Delegacia de Polícia de Abaetetuba
e houve falhas na comunicação entre os órgãos da Justiça e a Superintendência
Civil do Baixo Tocantins. É o que mostram documentos obtidos pelo Diário.
Além disso, vários pedidos de transferências de delegacias do interior revelam
que a situação se repete em outros municípios. Entre os documentos, um ofício,
anterior ao escândalo, mostra que a Superintendência do Baixo Tocantins,
situado em Abaetetuba, solicitou a transferência da menor antes de as denún-
cias virem à tona, ainda que com um inexplicável atraso de quatorze dias em
relação à prisão, ocorrida no dia 22 de outubro. No Ofício, dirigido ao Juízo
da 3ª Vara Criminal de Abaetetuba e protocolado no dia 07 de novembro de
2007, o Superintendente pede a transferência da presa para o CRF (Centro
de Recuperação Feminino) em Belém “em caráter de urgência, “uma vez que
não possuímos cela para o abrigo de mulheres, estando a mesma custodiada
juntamente com outros detentos, correndo o risco de sofrer todo e qualquer risco
de violência por parte dos demais. (ALMEIDA, 2007, p.2)111
Depois de tal fato, o delegado-geral pediu exoneração, a qual foi aceita pela
governadora do Pará. Ainda a mesma notícia, verbis:
A delegada de polícia responsável pela prisão foi f‌l agrada pela mídia af‌i r-
mando que sabia da condição ilegal de manter uma mulher com homens,
109 CAMPBELL, Ullisses. Mulher mantida em cela com 20 homens. Fórum de entidades nacionais de di-
reitos humanos, 21 nov. 2007. Disponível em: .direitos.org.br/index.php?option=com_c
ontent&task=view&id=4233&Itemid=1>. Acesso em 11 jan. 2009.
110 GOVERNADORA classif‌i ca como “uma barbárie” a prisão da adolescente. Governo do Estado do
Pará, em 27 nov. 2007. Disponível em: .
Acesso em 17 fev. 2009.
111 ALMEIDA, 2007, p. 2.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 289
chegando a af‌i rmar que não teria controle do que é humano ou desumano
diante da precariedade da delegacia.
A juíza da comarca, ao ser informada, cerca de longos dez dias após a prisão
com homens, teria negado o pedido de transferência da adolescente, que f‌i cou
26 dias nessas condições. (DELMANTO, 2007, p 1.)112
Consultando o site da Imprensa Of‌i cial do Estado do Pará, encontra-se
o Decreto nº 611, de 22 de novembro de 2007, do Governo do Estado do
Pará, verbis:
Art. 1º A custódia de mulheres infratoras bem como de adolescentes apreen-
didos nas dependências das Seccionais Urbanas, Superintendências e Delega-
cias de Polícia da capital e do interior do Estado do Pará f‌i ca condicionada
a existência de instalações que respeitem as normas do Estatuto da Criança
e do Adolescente e garantam o respeito à dignidade e integridade física das
mulheres, nos termos da Lei Federal nº 7.210, de 1984.
Art. 2º A autoridade policial ao proceder a lavratura de auto de prisão em
f‌l agrante delito contra mulher infratora, ao seu término deverá imediata-
mente comunicar o fato delituoso ao juiz competente, bem como providen-
ciar em seguida a condução e entrega da citada infratora ao órgão compe-
tente do Sistema Penal do Estado, requerendo inclusive ao Poder Judiciário,
sua transferência à outra comarca quando inexistir no local do f‌l agrante,
dependências específ‌i cas para sua detenção nos termos previstos no art. 82, §
Art. 3º Quando pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social,
deva o adolescente infrator permanecer sob internação para garantia de sua
segurança pessoal ou manutenção da ordem pública, cujo ato infracional for
lavrado nas unidades da Polícia no interior do Estado, a autoridade policial
comunicará imediatamente ao representante do Ministério Público a sua
apreensão.
Parágrafo único. Nas localidades onde houver falta de unidade policial espe-
cializada, o adolescente aguardará a apresentação em dependência separada
das destinadas as maiores de idade, não podendo em qualquer hipótese ex-
ceder o prazo de 24 horas, na conformidade do § 2º do art. 175, da Lei nº
Art. 4º Em qualquer caso não possuindo a/o infrator(a) advogado consti-
tuído para sua defesa, deverá ser imediatamente comunicada a Defensoria
Pública acerca da prisão.
112 DELMANTO, 2007, p. 1.
290 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
Art. 5º O não cumprimento das providências acima estabelecidas sujeita a
autoridade policial ou seus agentes a medidas disciplinares e penais cabíveis.
Art. 6º O presente Decreto entra em vigor na data de sua publicação. (PARÁ,
(Estado), 2007, p. 1.) 113
Destaco, dentre os “considerandos” constantes do Decreto nº 611/2007,
as seguintes circunstâncias: a) o baixo nível de investimento em segurança pú-
blica e no sistema penitenciário do Estado nos últimos anos; b) a inexistência,
no Estado do Pará, de uma política de segurança pública ef‌i ciente, que o torna
incapaz, inclusive, de cumprir das normas previstas no Estatuto da Criança e
do Adolescente e na Lei de Execuções Penais, que prevêm condições específ‌i cas
para a custódia de adolescentes e mulheres; c) a situação de descalabro admi-
nistrativo a permitir que inexistam instalações para savalguardar adequadamen-
te em delegacias de polícia a integridade física e dignidade de adolescentes e
mulheres infratores; e d) serem públicas e notórias as recentes ocorrências de
violação de direitos humanos em delegacias do Estado114.
Tal providência de baixar o decreto supra transcrito talvez tenha preve-
nido um eventual pedido de intervenção do governo federal com base no art.
34, VII, b, da CF/1988 para assegurar a observância dos direitos da pessoa
humana. Assim, proibiu-se algo que já era proibido pelo §1º do art. 82 da Lei
nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal): mulher será recolhida separadamente a
estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal.
O artigo de Roberto Delmanto115 destaca que deveria ser observado o que
dispõe o §2º do art. 13 do Código Penal, que a seguir transcrevo, verbis:
§2º — A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia
agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
(BRASIL, 1940, p. 20)116
113 PARÁ (Estado). Decreto nº 611, de 22 nov. de 2007. Estabelece procedimentos para a custódia de
mulheres e adolescentes nas dependências das unidades da Polícia Civil do Estado do Pará e dá ou-
tras providências . Disponível em:
materia=178244&ID_tipo=21>. Acesso em 17 fev. 2009.
114 Idem.
115 DELMANTO, 2007, passim.
116 BRASIL. Decreto-lei nº 2848, de 07 dez. de 1940. Código penal (1940). Disponível em:
planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em 15 fev. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 291
E conclui o advogado criminalista:
Resta a triste constatação de que muitas mulheres no Pará foram submetidas
à mesma situação e estariam, agora, sendo transferidas para o único presídio
feminino do estado, o que comprova que o caso dessa jovem não foi um epi-
sódio isolado, mas um retrato de uma contínua e institucionalizada violação
dos direitos humanos.(DELMANTO, 2007, p. 2)117
O site da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão divulgou notícia
de que a CPI do Sistema Carcerário na Câmara dos Deputados ouviu, em 28
de novembro de 2007, o depoimento da delegada Flávia Verônica Pereira,
responsável pelo f‌l agrante da prisão da menor em 21 de outubro, que disse que
a Juíza sabia da presença da garota, que era tratada como maior de idade pelas
autoridades policiais, que nunca pediram um documento de idade a menor.
O mesmo sítio eletrônico diz que a CPI vai convocar a juíza Clarice Maria
de Andrade, que determinou a prisão da adolescente L.A.B., que em breve
entraria de férias segundo informações do Tribunal de Justiça do Pará. Absurdo
mesmo é a nota de que o Ministério Público do Pará quer o “perdão” dos dois
furtos pelos quais L. é acusada. Para o promotor, o fato de a menina ter passado
26 dias no local e ter sido abusada sexualmente já é suf‌i ciente para que ela seja
perdoada (PICHONELLI, 2008)118.
Em depoimento à CPI do Sistema Carcerário, quatro homens que f‌i ca-
ram presos com L. contaram que dois promotores estiveram na delegacia e que
foram avisados da presença dela na cela masculina, mas não a incluíram no
mutirão que libertou 17 detentos, entre eles o primeiro estuprador da menina
(PICHONELLI, 2008)119.
O site Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos informa que
o senador José Nery (PSOL-PA) of‌i ciou à governadora do Pará pedindo “a
exoneração de todos os policiais e dos seis delegados que passaram pela dele-
gacia durante o período em que a jovem esteve presa” (CAMPBELL, 2007, p.
1)120. O referido site informa que o delegado da cidade, Celso Viana, levantou
dúvidas sobre a informação de que a jovem teria sido violentada pelos presos,
dizendo: “Embora ela estivesse misturada com os homens, o setor onde ela
estava é aberto e permite uma ampla visão de qualquer policial” (CAMPBELL,
2007, p. 1).
117 DELMANTO, 2007, passim.
118 PICHONELLI, 2008, passim.
119 Idem.
120 CAMPBELL, 2007, p. 2.
292 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
Importante é a nota que af‌i rma que três inquéritos foram abertos para
apurar o caso, sendo um deles civil, com o objetivo de apurar a responsabilidade
do Estado, que deveria ter mantido a menor em uma instituição especial e ex-
clusiva para meninas (CAMPBELL, 2007)121. O Correio Braziliense divulgou
que a Direção da Polícia Civil do Pará afastou, em 21 de novembro de 2007,
por tempo indeterminado, três delegados envolvidos na prisão de L.A.B.: a
delegada plantonista responsável pelo f‌l agrante, Flávia Verônica Pereira; o de-
legado titular da Delegacia de Polícia de Abaetetuba, Celso Viana; e o superin-
tendente da Polícia Civil na região, Fernando Cunha.
Tendo em vista tratar-se de vítima menor, somente podendo ser estam-
padas nas notícias as iniciais do seu nome, L.A.B., não foi possível detectar a
existência de procedimento judicial por meio de consulta aos bancos de dados
dos órgãos públicos.
Apesar das graves violações aos direitos humanos no sistema carcerário do
Pará denunciadas por organismos internacionais, a governadora Ana Júlia Ca-
repa af‌i rma que este não é um problema apenas do Estado, tendo af‌i rmado
que não tinha conhecimento do que se passou em Abaetetuba e que podem ter
ocorrido outros casos (CAMPBELL, 2007)122.
Em reunião com o presidente da República f‌i cou acertada a liberação de
R$ 89,9 milhões que serão investidos em ações propostas pelo governo do es-
tado e aprovadas no Programa Nacional de Segurança Pública (Pronasci), do
Ministério da Justiça. Ao todo, são 13 as medidas, dentre as quais está a cons-
trução de dois presídios femininos, um em Marabá e outro em Santarém,
com capacidade para 200 detentas em cada unidade, além de ser construída
uma ala feminina no presídio de Abaetetuba (GOVERNADORA Ana Júlia
Carepa, 2007) 123.
Este brutal episódio serviu para tornar públicos três outros casos de bar-
baridades contra mulheres, ocorrendo o mais grave em Paraupebas (sudeste
paraense), que será abordado no capítulo seguinte deste trabalho. Houve outros
dois de circunstâncias identicamente aterradoras que aconteceram com presas
em São João de Pirabas e São Miguel do Guamá, também cidades do Pará
(CAMPBELL, 2007)124.
121 CAMPBELL, 2007, passim.
122 Idem.
123 GOVERNADORA classif‌i ca como “uma barbárie” a prisão da adolescente. Governo do Estado do
Pará, em 27 nov. 2007. Disponível em: .
Acesso em 17 fev. 2009.
124 CAMPBELL, 2007, passim.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 293
3.2.2 O caso da mulher de 25 anos presa na mesma cela com 70 homens durante
45 dias. Paraupebas (Pará)
Foram noticiados mais três casos de mulheres convivendo com homens na mes-
ma cela no Estado do Pará após tornar-se pública a história de L.A.B., ocorrida
em Abaetetuba, município do mesmo estado.
Não sei o que choca mais, mas este caso concreto, que também aconteceu
no Pará, é revoltante e consta do clipping do Tribunal de Justiça do Estado do
Pará do dia 23/11/2007125: uma mulher de 25 anos, acusada de porte ilegal de
arma e formação de quadrilha, dividiu a mesma cela com 70 homens — cela
com capacidade para 30 presos —, durante 45 dias, quando, em 21 de no-
vembro de 2007, foi transferida para uma cela individual de outra unidade da
polícia. Segundo consta da notícia do site do TJ/Pará, o delegado justif‌i cou-se
dizendo: “Aqui não temos presídio nem delegacia pública”.
3.2.3 O caso da menor presa em cela com três mulheres na cadeia para homens de
Planaltina (Goiás)
Uma jovem de 14 anos foi detida, no dia 28 de janeiro de 2008, após tentativa
frustrada de assalto a uma farmácia com o namorado, que fugiu, passando a
conviver por 12 dias com outras três mulheres na Cadeia Pública de Planaltina
de Goiás, que abriga 110 homens, apesar de possuir capacidade para apenas 49
detentos. Em frente à cela em que ela estava, havia outra, com cerca de 40 ho-
mens, separados apenas por um corredor de três metros entre as grades (PICHO-
NELLI, 2008)126. Tal fato contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Segundo Fábio Silvestre, assessor da Secretaria Especial dos Direitos Hu-
manos, órgão ligado à Presidência da República, o Conselho Tutelar, a Justiça
e a Promotoria sabiam da situação da menina. Felizmente, a jovem relatou-lhe
não ter sofrido abusos. O conselheiro tutelar Valdimir Aquino Neto af‌i rmou
que como o município não tem estrutura para abrigar jovens infratores, a de-
tenção da menina foi a única alternativa. Declarou: “Eu acompanhei o caso e
ela parecia bem. Pelo menos ela não f‌i cou junto com os outros homens.” (PI-
CHONELLI, 2008, p. 1)127.
125 CASO de Abaetuba não é o único no Pará. Clipping do dia 23 nov. de 2007. TRIBUNAL DE JUSTI-
ÇA DO ESTADO DO PARÁ. Disponível em: http://www.tj.pa.gov.br/clipping/verNoticia.do?id=40.
Acesso em 19 fev. 2009.
126 PICHONELLI, 2008, passim.
127 PICHONELLI, 2008, p. 1.
294 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
“O sistema prisional de Goiás é falido, a gente não recebe apoio nenhum”,
declarou um agente prisional do local128.
4. Conclusão
A partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, todos os crimes em tela pre-
vistos em tratados internacionais são potencialmente de competência federal,
devendo estar conf‌i gurados os pressupostos do incidente de deslocamento de
competência, para que seja realizada a substituição da jurisdição estadual pela
federal, por ordem do Superior Tribunal de Justiça.
Deve ser perseguido o ideal de que todas as ações direcionem-se a envidar
esforços para a efetividade da Justiça, sem corporativismos ou preconceitos,
pois a realização da justiça consiste em nosso legítimo anseio. O direito de
acesso à Justiça e de uma prestação jurisdicional em tempo razoável devem se
sobrepor a questões políticas entre os entes da Federação.
Por todo o exposto, entendo que foi necessária a criação do incidente de
deslocamento de competência, principalmente com o objetivo do cumprimen-
to dos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte, afastando o país da
submissão ao julgamento de Cortes Internacionais. Neste ponto ainda, urge a
necessidade de o nosso país engajar-se em prol de políticas públicas no combate
às violações dos direitos humanos.
O instrumento constitucional em debate deve ser mantido no ordena-
mento jurídico brasileiro, sendo utilizado nas situações excepcionais para as
quais está previsto, a inseri-lo ef‌i cazmente em nosso sistema. E neste momento
destaco a importância desta primeira provocação materializada por meio do
IDC nº1/PA perante o STJ, que foi um mecanismo fundamental, não só para
promover a manifestação daquela Corte Superior, mas também pelo papel im-
portante que desempenhou quando demonstrou o efeito ensejador da rapidez
com que foi procedida, pelo menos inicialmente, a persecução penal no caso da
Irmã Dorothy Stang, o que ocorreu certamente para evitar a consequente perda
da jurisdição estadual, em razão da matéria. Resta, agora, dar continuidade a
esta celeridade inicial.
O IDC veio para reduzir a duração do processo e a impunidade, e mais do
que isto, concretizar a proteção dos direitos humanos.
128 MENINA presa com 110 homens em cadeia de Goiás. E deputado tucano de Goiás poderá ser cassa-
do por ilícitos. ENGALHE. Disponível em:
menina-presa-com-110-homens-em-cadeia-de-goias-e-deputado-tucano-de-goias-podera-ser-cassado-
por-ilicitos/>. Acesso em: 11 jan. 2009.
A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS 295
E mais, é imprescindível que não se perca a vigilância da leniência das po-
líticas locais onde ocorreram os demais desmandos apontados no capítulo ante-
rior, pois o que se está a discutir são as graves violações de direitos humanos, em
que tais hipóteses encontram-se inseridas e não podem ser esquecidas.
Valendo-me das palavras de Paulo Sérgio Pinheiro e Paulo de Mesquita
Neto, observamos historicamente que nos anos 60 e 70, a violência arbitrária
do Estado e o desrespeito às garantias fundamentais f‌i zeram com que indiví-
duos e grupos se voltassem contra o regime autoritário em nome da defesa dos
direitos humanos. As primeiras comissões de direitos humanos foram fundadas
a partir da década de setenta e chamaram a atenção para a tortura e assassinatos
de dissidentes e presos políticos129. É consenso que o Estado não pode arbitra-
riamente cometer atos violadores.
Hoje nos indagamos: aumentou o grau de respeito aos direitos humanos
no Brasil? Diminuiu a intolerância popular em relação à impunidade e às vio-
lações dos direitos humanos?
É fundamental a conscientização deste movimento para o desenvolvimen-
to e consolidação do processo democrático no Brasil. Graves violações dos di-
reitos humanos continuam a ser cometidas em nosso território nacional. Lendo
as notícias dos jornais, observamos uma frequência indesejável de execuções
extrajudiciais, chacinas, ações de justiceiros, grupos de extermínio e a impuni-
dade dos responsáveis por estes crimes. E aprendemos a conviver naturalmente
com este estado de coisas.
Da mesma forma como morreu a Irmã Dorothy, vários outros líderes bra-
sileiros foram calados: Chico Mendes, Irmã Adelaide e Padre Josimo.
Conforme destaca SARLET apud Lenio Luiz Streck, “as promessas da mo-
dernidade não se efetivaram para a maior parte da população brasileira que,
com exceção de alguns, para a grande maioria vale a dura realidade do atraso
social, econômico e cultural”130.
O professor doutor José Ricardo Cunha, por ocasião do Seminário “Poder
Judiciário e Direitos Humanos: Lei Maria da Penha, acesso à Justiça e federali-
zação de graves violações”131, apresentou uma realidade inquietante e verdadeira
no sentido de que o Estado de Direito está ligado a uma polaridade: de um lado
está a liberdade e do outro a opressão. O Estado Democrático de Direito veio
para transformar a liberdade em regra e a opressão em exceção. Este é o ponto
de vista do opressor”, diz ele, “Do ponto de vista do oprimido é o contrário.
129 PINHEIRO; MESQUITA NETO, 1999, p. 1.
130 SARLET, op. cit., p. 90.
131 CUNHA, 2008, passim.
296 DIREITOS HUMANOS E O PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
Para o oprimido, a regra é a opressão, e a liberdade, a exceção”. Ressalte-se que
a lógica da proteção do indivíduo é a relevância do tema. E na disputa de egos
para se saber quem é o responsável, acabam sendo sacrif‌i cados os direitos civis,
sociais, políticos, econômicos e culturais dos cidadãos mais fracos.
O professor Vladimir Aras defende que a construção da tese da federaliza-
ção dos crimes contra os direitos humanos sedimentou-se em face da crescente
violência em várias regiões do País. Aras132 (2005, pág. 2) assim af‌i rma:
São exemplos os massacres, chacinas e crimes de mando ocorridos em Eldorado
dos Carajás, Vigário Geral, Carandiru, Parauapebas, Xapuri, Candelária e
Queimados, só para citar alguns dos mais recentes. A atuação de grupos de
extermínio em várias cidades brasileiras, somada à impunidade generaliza-
da, fez crescer as pressões internacionais sobre a União, responsável,
no plano externo (artigo 21, inciso I, da Constituição Federal), pelo
cumprimento das obrigações decorrentes dos tratados internacionais
de direitos humanos. (Grifo nosso)
É necessário e urgente combater a banalização da criminalidade, da violên-
cia e da morte no Brasil.
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