Das obrigações solidárias

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas124-142

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10. 1 Apresentação e definição

Um contrato de locação contém em geral a seguinte declara-ção referente ao fiador: O Sr. Fulano de tal obriga-se como fiador e principal pagador, solidariamente responsável com o devedor até a entrega das chaves. Se não existisse essa cláusula, o fiador teria o direito de, por ocasião da demanda do pagamento da dívida, exigida pelo credor, impor que fossem primeiramente executados os bens do afiançado, com base no benefício de ordem estatuído no art. 827 do CC, que assim diz: "O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor".

Mas, desse benefício não se aproveita o fiador quando o contrato contém a cláusula supramencionada (CC, art. 828, II), pois, obrigando-se o

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fiador como devedor solidário, ocorre a renúncia expressa do benefício de ordem. Por essa razão o TJMG decidiu certa vez que "não pode o fiador invocar o benefício de ordem a que se refere o artigo 1.491 (novo, art. 827) do Código Civil, se tiver renunciado ao mesmo, o que ocorre quando assume no contrato a posição de principal pagador e devedor solidário" (in RT 487/163). Confira, ainda, pelo seguinte aresto: "Não se admite chamamento ao processo de execução dos co-fiadores e do afiançado, pois o exeqüente pode escolher entre os coobrigados, o que quer acionar, tendo em vista existir solidariedade entre eles" (in RT 723/226).

Inexistindo, pois, a preferência da execução em bens do afiançado, a característica principal da fiança é a solidariedade. Através da solidariedade, o credor poderá escolher qualquer um dos devedores ou ambos conjuntamente e exigir a dívida toda. Este princípio está no Código Civil que define a solidariedade no parágrafo único do art. 264, in verbis:

"Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda".

Esta definição de solidariedade oferecida pelo nosso legislador indica que na mesma obrigação, concorrendo pluralidade de credores ou de devedores, qualquer um destes é obrigado à dívida toda, ou qualquer um daqueles pode exigi-la por inteiro. Portanto, a solidariedade, como a indivisibilidade, só se situa onde há vários sujeitos ativos ou vários sujeitos passivos, ou vários credores e vários devedores simultaneamente (obrigações complexas).

Retornando ao caso acima do fiador ser responsável pelos encargos da locação não pagos pelo locatário e compelido pelo credor a pagá-los por inteiro, tem-se que a solidariedade diz respeito ao cumprimento da obrigação e não à responsabilidade. É que a solidariedade não lhe tira o direito de voltar-se contra o inquilino, devedor principal, para exigir a obrigação que pagou, e exigi-la por inteiro. É o que se extrai da dicção textual do art. 80 do CPC, verbis: "A sentença, que julgar procedente a ação, condenando os devedores, valerá como título executivo, em favor do que satisfizer a dívida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou de cada um dos codevedores a sua cota, na proporção que lhes tocar".

Diante do que já se expôs, parece-me ter ficado evidente que na solidariedade, o credor pode exigir de qualquer devedor solidário o cumprimento integral da prestação, porque qualquer deles é devedor de toda a

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dívida. Após o cumprimento da prestação, poderá exigi-la, por inteiro, do devedor principal.

10. 2 Requisitos essenciais da solidariedade

Reexaminando a definição legal estampada no parágrafo único do art. 264 do CC, acima transcrito, concluímos pela existência de dois requisitos essenciais:

  1. PLURALIDADE DE SUJEITOS (ATIVOS OU PASSIVOS);

  2. UNIDADE DE PRESTAÇÃO.

Pluralidade de sujeitos - No que concerne à multiplicidade de sujeitos (ativos ou passivos), já relatamos anteriormente, serem eles requisito essencial da solidariedade. Não existe solidariedade entre um só credor e um só devedor. Por isso, deve haver a concorrência de mais de um credor, ou de mais de um devedor ligados pelo vínculo da solidariedade, de modo que qualquer dos credores ou qualquer dos devedores pode reclamar a totalidade da prestação. Vale dizer, qualquer credor pode demandar exigindo a prestação por inteiro, ou cada devedor é obrigado a satisfazer a totalidade da dívida.

Unidade das prestações - A existência de unidade na prestação é também a característica principal da solidariedade, pois é por meio dela que um dos credores tem a prerrogativa de exigir o pagamento total do débito, ou qualquer devedor é obrigado ao pagamento integral da dívida. Por conseguinte, além da pluralidade subjetiva, é mister que haja unidade de prestação (prestação incindível80). Se fosse permitida a prestação parcelada, não haveria solidariedade, porque haveria tantas obrigações quanto credores ou devedores. Portanto, a solidariedade como a indivisibilidade, decorrem da indivisibilidade do objeto da obrigação (por vontade das partes ou por natureza, ou ainda, por lei).

Por certo que a divisibilidade da obrigação não se confunde com a solidariedade, pois em uma relação obrigacional poderá existir solidariedade e o objeto da obrigação ser divisível por natureza, como mostra o art. 271 do CC: "Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os efeitos, a solidariedade". Mas, existindo a solidariedade, mesmo sendo a prestação por natureza divisível, ela passa a existir por vontade das partes ou

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por lei, ocasionando o surgimento da unidade da prestação, ou seja, cada devedor responde por inteiro ou cada credor pode exigir a prestação integral. Analise as palavras do Prof. Caio Mário da Silva Pereira sobre o assunto em tela: "É da essência da solidariedade que numa obrigação em que concorram vários sujeitos ativos ou vários sujeitos passivos haja unidade de prestação, isto é, cada um dos credores tem o poder de receber a dívida inteira, e cada um dos devedores tem a obrigação de solvê-la integralmente".81

Portanto, não podendo o credor ser compelido a cindir82o crédito nem o devedor a fracionar o débito, a natureza da solidariedade está na unidade objetiva que resulta na demanda, por parte do credor, de receber de qualquer dos devedores a prestação inteira, ou na obrigação do devedor de pagar a coisa devida por inteiro. Este princípio está baseado na teoria unitarista defendida pela maioria dos escritores modernos, entre eles, Clóvis Beviláqua, Serpa Lopes e Tito Fulgêncio. Esta teoria tem por fundamento a unidade de vínculo concentrada em um só objeto devido, independentemente da pluralidade de sujeitos, de modo que, o pagamento devido extingue o único vínculo ou exonera o devedor para com os demais credores solidários. A teoria unitarista surgiu em oposição à doutrina pluralista, cujos defensores entendem existir multiplicidade de vínculo obrigacional, tantos quantos sejam os sujeitos ativos ou passivos reunidos em uma única relação jurídica. Contudo, ambos visam ao mesmo fim: a unidade de prestação.

Resumindo: a teoria unitária afirma que os sujeitos da obrigação se acham ligados por um só vínculo, enquanto que a pluralista sustenta haver tantas obrigações quantos os credores ou devedores e, conseqüentemente, tantos vínculos quantos forem os sujeitos ativos ou passivos. Mas o objetivo de ambas é um só: qualquer dos devedores pode ser compelido ao atendimento integral do débito. Ante o exposto, é inútil aprofundar a questão da natureza jurídica da solidariedade, já que por força da existência dessas duas teorias, jamais chegaremos a uma conclusão única. Para pleno conhecimento do assunto, examine a monografia de Regina Gondin: "Natureza Jurídica da Solidariedade".

10. 3 Vantagens da solidariedade

Quando um fiador assina um contrato de locação declarando-se solidariamente responsável com o afiançado, ou um avalista assina um título

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de crédito, o credor passa a ter uma garantia a mais. Conseqüentemente, o credor, para receber a dívida toda tem a prerrogativa e o direito subjetivo de acionar, escolhendo apenas um, ambos ou quantos devedores existirem ao mesmo tempo, à procura de quem tenha patrimônio suficiente para responder pela obrigação prometida. Nenhum esforço de exegese83será necessário para concluir que o instituto da solidariedade é de enorme vantagem, principalmente em relação à solidariedade passiva (pluralidade de devedores), tendo por finalidade precípua garantir os interesses do credor. Se um banco, por exemplo, empresta uma quantia a um empresário sem exigir a participação solidária de uma terceira pessoa (avalista), sujeitar-se-á a um prejuízo, caso o empresário entre em concordata. Se exigir o aval, por exemplo, dos sócios, poderá então demandá-los com base no instituto da solidariedade, cujo escopo principal é assegurar o resgate do débito, pois os devedores estão sujeitos ao pagamento total da dívida solidariamente assumida. A propósito, o tribunal já decidiu que "o avalista é solidariamente responsável para com o portador da cambial, que não está adstrito a observar a ordem por que sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas se obrigaram (Lei Uniforme, art. 47, II). Se o sacador da cártula se encontra em regime de concordata, tal regime não alcança o avalista. A obrigação cambiária permanece intacta" (in RT 610/223).

10. 4 Fontes da solidariedade

"A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes"(CC, art. 265)84.

1) DA LEI

Quem exerce o poder familiar responderá pelos atos do filho menor, desde que este seja maior de dezesseis e...

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