Das Competências das Unidades da Federação

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas467-485

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1 Noções

No Estado federal ganha especial relevo a temática relativa à distribuição de competência entre os entes que o compõem pelo fato de serem autônomos, pois para que se possa falar, realmente, em autonomia é imperioso que as entidades tenham atribuições próprias e respondam por elas. A competência de que se cogita, neste capítulo, é o conjunto de atribuições de cada entidade integrante da federação.

Não se confunde com as atribuições das autoridades, isto é, não se busca conhecer e estabelecer mecanismos de repartição de competência entre as autoridades públicas, problema próprio de Direito Administrativo, mas sim entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios.

Sem efetiva técnica de repartição de competências, fatalmente haveria permanente conflito entre as entidades federadas, cada qual dispondo sobre a mesma matéria, quem sabe pelas maneiras mais diversas possíveis. Em 1891 Carlos Maximiliano assim se expressou sobre a importância da repartição de competência:

Para compreender bem o espírito da lei fundamental e applica-la com acerto, observe-se a benéfica philosophia de Jefferson a qual prefere que não seja feito pelo governo geral o que as autoridades locaes são competentes para realizar; nem por qualquer poder governamental o que os indivíduos por si proprios são capazes de conseguir.

Por sua vez, Manoel Gonçalves Ferreira Filho chamou a atenção para a necessidade da clara e efetiva repartição de competência entre os entes federativos assim afirmando:

A existência real da autonomia depende da previsão de recursos, suficientes e não sujeitos a condições, para que os Estados possam desempenhar suas atribuições. Claro que tais recursos hão de ser co-relativos à extensão dessas atribuições. Se insuficientes ou sujeitos a condições, a autonomia dos Estados-Membros só existirá no papel em que estiver escrita a Constituição. Daí o chamado problema da repartição de rendas.717Se se atribui a determinado ente federativo certa esfera de competência, também é essencial lhe atribuir a fonte de custeio para não frustrar o cumprimento por insuficiência de meios.

2 Conceito

Citando autores estrangeiros, Pinto Ferreira718conceitua competência como “a capacidade jurídica de agir em uma esfera determinada” ou “competência é a capacidade jurídica

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de uma corporação pública para agir”. Competência é o conjunto de atribuições deferidas a um órgão, agente ou entidade. Entidades são a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios; órgãos são instituídos por leis e gravitam na órbita do Direito Administrativo, da mesma forma que os agentes.

A competência, sempre prevista na constituição ou em lei, é a delimitação do poder ou obrigação da entidade, que pode ou deve exercê-la. Com efeito, há matérias sobre as quais a entidade competente não pode deixar de atuar, por ser obrigatória, enquanto há outras sobre as quais pode atuar se entender conveniente ou oportuno, agindo na estrita esfera de discricionariedade. Entre as primeiras pode ser citada a manutenção da paz por parte da União, e, entre as últimas, a declaração de guerra pela mesma entidade.

3 Técnicas de repartição

Em geral, adotam-se duas técnicas de repartição de competências: a) a repartição horizontal, que separa competências como se separasse setores no horizonte governamental: competências da União; competências dos Estados; competências dos municípios (justaposição); b) a repartição vertical, pela qual a mesma matéria se submete à esfera de competência de mais de um ente federativo, mas em níveis diferentes, fazendo surgir as denominadas competências concorrente, comum, complementar e supletiva, formando o que se denomina “condomínio legislativo” (superposição).

4 Sistemas de repartição de competência
4. 1 Noções

O problema da competência ganha especial relevo, no tocante à repartição entre as várias unidades que o compõem. Embora seja característica marcante do Estado federal, até mesmo em alguns Estados unitários, como a Itália, é possível estabelecer mecanismos de repartição entre as regiões. A questão consiste em saber qual o método a ser utilizado para repartir as competências entre os entes federativos e a União.

Quando se diz repartir competência, tem-se em vista o que deve constar na constituição em sede de competência. Autores renomados apontam, em geral, três sistemas: o primeiro, que enumera expressamente as competências de cada ente federativo; o segundo, que enumera somente as competências dos Estados sem mencionar a União; o terceiro, que enumera somente as competências da União sem mencionar os Estados.

Cada sistema tem suas vantagens e seus defeitos. Entre os defeitos pode ser apontada a completa ausência de menção à competência dos municípios que, pode-se dizer, é mais uma realidade brasileira, tendo sido consagrados na Constituição de 1988 como autênticas entidades federativas. Por isso, efetivamente, só é possível conhecer a forma de repartição de competência de um Estado analisando a sua constituição política.

4. 2 Sistema da enumeração total

Segundo este sistema, o constituinte deve prever, em sua obra, de modo exaustivo, a competência de todos os entes federativos – União, Estados, Distrito Federal e municípios. Desse modo, compete e somente compete a essas entidades o que constar expressamente da constituição, como na constituição indiana. Como é fácil inferir, esse sistema é impraticável pela simples razão da falibilidade humana, que não nos permite prever tudo o que possa exigir solução estatal.

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4. 3 Sistema da enumeração dos Estados

Segundo este método, relacionam-se na constituição, expressamente, somente as competências dos Estados-Membros, e o que não constar do texto constitucional compete, por via de resíduo, ao poder central. É o que se verificava na Constituição do Canadá até a reforma de 1982 (art. 91) e na da África do Sul, também até sua reforma em 1983 (art.
85). Esse sistema dá maior relevância à competência do poder central que aos poderes regionais, os quais pela fixação expressa acabam sofrendo alguma limitação.

4. 4 Sistema da enumeração da União

Este método inverte o anterior, pois, em vez de definir a competência dos EstadosMembros, define as da União. Segundo essa técnica, quem tem competência residual são os Estados, a eles cabendo tudo ou apenas o que não constar do texto constitucional para a União ou municípios. É o sistema adotado nos Estados Unidos, México, Argentina, Austrália e Suíça. O limite, portanto, é a competência do poder central, conferindo maior liberdade aos Estados-Membros.

5 A repartição de competência no Brasil
5. 1 Noções

Analisando os principais dispositivos constitucionais que tratam da competência, conclui-se ser o sistema brasileiro híbrido por combinar competências exclusivas, privativas, concorrentes, comuns, supletivas e residuais, bem como competência para elaborar leis e para aplicá-las (arts. 21 a 25 e 30)719. Como saber se a matéria é de competência da União, dos Estados ou dos municípios? É o que se tentará responder a seguir.

5. 2 O princípio da supremacia do interesse

Primeiramente, deve-se ter em vista um critério que sirva de parâmetro tanto ao constituinte como ao intérprete para saber, em determinado caso, se a competência é da União, dos Estados ou dos municípios. Por exemplo: Por que manter relações com Estados estrangeiros é competência da União (art. 21, I)? Por que criar ou suprimir distritos é competência municipal (art. 30, IV)? Não se definiu assim por acaso.

O critério dominante é o da prevalência ou supremacia do interesse: se o interesse prevalente é nacional, a competência é da União; se local, dos municípios; se não for nacional nem local, a competência é dos Estados. Na prática, o problema se apresenta ao se procurar definir quando se trata de interesse nacional, local ou estadual, o que explica em parte por que nosso texto constitucional é tão minucioso, distribuindo-se por noventa e um incisos e algumas alíneas nos arts. 21, 22, 23 24 e 30 para tratar da matéria.

6 Espécies de competências
6. 1 Noções

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