Das cláusulas especiais à compra e venda

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14. 1 Apresentação

O contrato de compra e venda é constituído por duas fases: a primeira, a do aperfeiçoamento e conclusão do contrato, através do qual vendedor e comprador se colocam em acordo sobre a coisa e o preço, nascendo para uma das partes a obrigação de transferir o domínio da coisa, e para a outra, de pagar o preço; a segunda fase é a da execução do contrato, com o cumprimento das obrigações. A execução será imediata se o cumprimento ocorrer por ocasião da conclusão do contrato. É a chamada compra e venda pura e simples, em que, para a execução do contrato, as partes não ficam subordinadas a qualquer evento posterior.

Além desse modo comum de contratar, a lei admite as vendas condicionais, em que a perfeição ou os efeitos do contrato ficam na dependência de um

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evento futuro. Nessa espécie de venda, a condição é admitida como elemento integrante da formação do contrato, denominada cláusula especial ao contrato de compra e venda.

O Código Civil brasileiro prevê cinco modalidades de vendas condicionais, correspondentes à certa cláusula especial que se junta ao contrato de compra e venda: 1) a retrovenda; 2) a venda a contento; 3) o pacto de preferência; 4) a venda com reserva de domínio; 5) a venda sobre documentos. Sobre cada uma destas modalidades falaremos a seguir.

14. 2 Retrovenda

Imaginemos a seguinte hipótese: Certo indivíduo não quer se desfazer de sua propriedade. Porém, estando em dificuldade financeira transitória, e tendo absoluta certeza de que irá obter a quantia desejada para solver seu compromisso dentro de certo prazo, não além de três anos, vende a propriedade com uma condição: a de recuperar a coisa vendida, no prazo pactuado ou legal, mediante a restituição do preço recebido e o reembolso de certas despesas ao comprador.

Esse tipo de venda chama-se pacto de retrovenda.

14.2. 1 Definição

A definição de pacto de retrovenda encontra-se devidamente prevista pelo nosso Código Civil, no seu art. 505, in verbis:

"O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias".

O saudoso Prof. Orlando Gomes nos fornece a seguinte definição: "A retrovenda é o pacto adjeto150 ao contrato de compra e venda pelo qual o vendedor se reserva o direito de, no decurso de certo prazo, reaver o bem imóvel que vendeu, restituindo o preço mais as despesas feitas pelo comprador".151 É evidente que a definição legal é mais completa.

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Trata-se, portanto, de um pacto acrescentado ao contrato de compra e venda pelo qual o vendedor se reserva o direito de recobrar, em certo prazo não superior a três anos, o imóvel que vendeu, restituindo o preço, acompanhado das despesas feitas pelo comprador, incluindo a correção monetária e o valor das benfeitorias necessárias, porventura feitas no imóvel. Essa cláusula deve constar do contrato de compra e venda, por se integrar ao ato.

14.2. 2 Objeto da retrovenda

O art. 505 do CC, transcrito acima, mostra claramente que a cláusula especial de retrovenda só é admissível em contratos de compra e venda de imóveis. "A retrovenda aplica-se apenas aos imóveis, eis que, se fosse cabível para os móveis, - observa Luiz Roldão de Freitas Gomes - abriria oportunidades à prática da usura".152 Mesmo que a avença tenha por objeto bem imóvel, é possível fraudar a lei, como bem mostra a ementa do acórdão que segue: "Conjunto probatório conducente à convicção de mascarar a retrovenda contrato de mútuo com juros onzenários153. Fraude à lei, com abuso da premente necessidade do vendedor. Discrepância enorme entre o valor consignado na escritura pública de venda e o real valor do imóvel, apurado pericialmente" (in RT 614/179).

14.2. 3 Prazo para o exercício do direito de recompra

A compra e venda com pacto de retrovenda para o comprador, se caracteriza sob condição resolutiva. Realizada essa condição, desaparece o seu direito de propriedade. Para o vendedor, a condição é suspensiva, tanto que, se realizada, resolve-se o contrato, colocando as partes no estado anterior à primeira venda.

De outra parte, a retrovenda é um pacto juntado à compra e venda, mediante o qual o vendedor se reserva a faculdade de reaver o imóvel no prazo limitado de, no máximo, três anos, restituindo ao comprador o preço acompanhado das despesas realizadas. Esse prazo é improrrogável, podendo as partes estabelecer prazos menores. Mesmo que houvessem pactuado por tempo superior a três anos, o prazo é reduzido ao limite legal, como dizia o art. 1.141 do CC revogado. "O prazo para o resgate, ou retrato, não passará de três anos, sob pena de se reputar não escrito; presumindo-se estipulado o máximo do tempo, quando as partes o não determinarem".

Em conclusão, o prazo para o resgate pode ser presumido ou Expresso: Presumido - se as partes nada convencionarem será no limite legal de três anos; expresso - se determinado pelas partes, no máximo até três anos.

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14.2. 4 Direito de recompra

O direito de reaver o imóvel vendido sob condição resolutiva, se exerce mediante declaração unilateral de vontade. Se houver resistência, na ocasião, por parte do comprador, pode o vendedor promover uma notificação para ressalva de direitos. Em seguida, consignará as importâncias em juízo e poderá usar a ação reivindicatória para obter o retorno do imóvel, conforme determina o art. 1.359 do CC, in verbis: "Resolvido a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha".

Enquanto o prazo não vencer para o retrato, quem comprar o imóvel contendo o pacto adjeto de retrovenda, adquire propriedade resolúvel e, se o vendedor exercitar seu direito de retrato, resolve-se inclusive a alienação posterior do comprador para terceiro. Por isso, a transcrição do ato constitutivo no registro imobiliário é indispensável, pois assim vale contra terceiros, os quais não poderão alegar ignorância, uma vez que a cláusula resolutiva faz parte do próprio ato constitutivo da venda.

O direito de resgate é transmissível a herdeiros e legatários; poderá ser exercido contra o terceiro adquirente por proibir a cessão entre vivos, do direito de retrovenda (CC, art 507).

"Se o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus, o vendedor, para exercer o direito de resgate, as depositará judicial-mente" (CC, art. 506). "Verificada a insuficiência do depósito judicial, não será o vendedor restituído no domínio da coisa, até e enquanto não for integralmente pago o comprador" (par. ún. do art. 506).

"Se a duas ou mais pessoas couber o direito de retrato sobre o mesmo imóvel, e só uma o exercer, poderá o comprador fazer intimar as outras para nele acordarem, prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que seja integral" (CC, art. 508). Isto porque o comprador não é obrigado a cumprir parcialmente o pacto. O comprador pode intimar os demais para que apenas um exerça o direito, sob pena de caducar o direito de todos.

14. 3 Venda a contento

Colhe-se o exemplo fornecido por Levenhagen: "Um fazendeiro compra um trator de uma firma, ficando combinado, porém, que a venda somente se considerará

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perfeita se, num prazo determinado, ficar constatado que a máquina lhe satisfaz".154

A existência da condição específica é de clareza meridiana: a venda somente se tornará perfeita após a declaração do comprador de que a coisa vendida o satisfaz.

Esse tipo de compra e venda chama-se "venda a contento".

14.3. 1 Conceito

Uma pessoa pode adquirir um bem com a condição de ser do seu agrado. Então, a coisa vendida é entregue ao comprador e, depois de examiná-la ou experimentá-la, se manifestará dentro de um prazo prefixado, ratificando ou não o contrato.

Na venda a contento, as partes subordinam a perfeição do contrato à condição do comprador declarar ser ou não de seu agrado o objeto dado para ser examinado e experimentado. Veja o que diz Clóvis Beviláqua a respeito: "Venda a contento é a que se conclui sob a condição de ficar desfeita, se o comprador não se agradar da coisa vendida. Esta condição é normalmente suspensiva, de onde resulta que a venda ainda não está ultimada, e que, portanto, a tradição da coisa não importa transferência do domínio"155. Própria a consulta a Carlos Alberto Bittar que, no particular, diz: "Venda a contento (ou pactum displicentiae) é a que se realiza, sob condição suspensiva ou resolutiva, subordinando-se os respectivos efeitos à constatação da plena satisfação do gosto do comprador"156. São as vendas em que o comprador se reserva o direito de provar, medir, pesar ou experimentar, antes de aceitar a coisa, e só depois de declarar que se contenta com a coisa vendida é que o contrato torna-se perfeito e acabado...

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