Dano Moral Ontológico e Dano Moral por Similitude Ontológica no Direito do Trabalho

AutorAntonio José de Barros Levenhagen
Ocupação do AutorMinistro do Tribunal Superior do Trabalho. Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho no período de março/2011 a março/2013.
Páginas187-195

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O tema a que me propus desenvolver nesses estudos em homenagem ao eminente e saudoso Ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, Professor e Jurista, Arnaldo Lopes Süssekind, desafia inúmeras abordagens, por seu caráter extremamente multifacetário, circunstância que me levou a optar por eleger alguns aspectos considerados mais relevantes para o dia a dia da magistratura e da advocacia.

Por isso mesmo entendi ser oportuno cogitar, modesta e ousadamente, da classificação do dano moral como dano moral ontológico e dano moral por similitude ontológica. O primeiro por se referir diretamente ao texto gramatical do art. 5º, inciso X, da Constituição e o outro à sua interpretação mais elástica, para abranger o dano moral decorrente de infortúnios do trabalho.

Dentro da ousada proposta do dano moral como dano moral ontológico colocam-se os denominados assédio moral e assédio sexual, no âmbito das relações de emprego.

O assédio moral, em rápidas pinceladas, qualifica-se como certa tortura psicológica contra o trabalhador, quase sempre repetitiva e prolongada no tempo, em que a finalidade é a de minar sua resistência psicológica, de forma a propiciar a erupção das características mais negativas do assediado.

O assediante visa, em suma, a manipulação do assediado que o leve ao cometimento de erros estratégicos, suscetíveis até mesmo de justificar o seu despedimento, por ser levado, durante o processo de perseguição, a um estado de confusão mental, induzindo-o na crença de ser o único culpado pelos próprios erros.

O sujeito ativo do assédio moral no trabalho, por sua vez, pode ser o superior hierárquico, a caracterizar o assédio vertical, como também o podem ser o chefe e os companheiros de trabalho da vítima, em conluio, ou mesmo os próprios colegas do mesmo nível hierárquico, a identificar o assédio horizontal.

O sujeito passivo tanto pode ser o empregado subalterno quanto o companheiro de trabalho da

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mesma posição hierárquica ou mesmo o próprio chefe na hipótese de ser vítima de boicote e de fofocas de seus subordinados.

Os métodos são os mais variados, indo do que se convencionou chamar de contrato de inação, em que o empregado é colocado em ociosidade, até aqueles em que ele é vítima de falta de reconhecimento profissional, de chistes, intrigas e críticas destrutivas.

Nessa linha de entendimento, o Tribunal Superior do Trabalho já teve a oportunidade de se pronunciar sobre o deferimento de indenização por dano moral advindo de revista íntima de empregado, em que ficara patenteado que o empregador excedera os poderes de direção e fiscalização, cujo acórdão acha-se assim ementado:

"INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISTA ÍNTIMA DE EMPREGADO. EXCEDIMENTO DOS PODERES DE DIREÇÃO E FISCALIZAÇÃO AFETOS AO EMPREGADOR. VIOLAÇÃO À HONRA E À INTIMIDADE DO RECORRENTE. PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. I - O dano moral constitui uma lesão a direitos da personalidade, consubstanciados na preservação da honra e da intimidade do trabalhador, em que a sua configuração se efetiva com o abalo à dignidade da pessoa em sua consideração pessoal ou social. II - Da decisão recorrida em que se consignou que o recorrente tinha que se despir para submeter-se a vistorias, em que pese o registro de que não havia ironia nem brincadeira de mau gosto, e que a cada revista entrava um empregado por vez, resulta incontrastável a agressão à sua honra e intimidade, em função do qual é incontornável a caracterização do dano moral. III - É que se acha subjacente ao sistema de vistoria, com o desnudamento do empregado, claríssimo abuso do poder diretivo do empregador, pois embora lhe caiba dirigir e fiscalizar a prestação pessoal de serviço, não lhe é dado exceder-se no exercício desse poder a ponto de atingir os valores íntimos da pessoa humana. IV - Com efeito, a re-vista de que era alvo o recorrente denuncia excessiva e desmesurada fiscalização, expondo-o à vexatória situação de ter de se despir perante funcionário da empresa, a partir da qual sobressai o comprometimento da sua dignidade e intimidade como indivíduo, sendo de menor expressão o fato de que não havia ironia nem brincadeira de mau gosto, a não ser para o arbitramento do valor da indenização pelo dano moral então materializado. V - Vale registrar não ter sido reiterada nas contrarrazões do recurso de revista a impugnação veiculada, no recurso ordinário, ao valor arbitrado pelo Juízo de primeiro grau ao valor da indenização pelo dano moral, de sorte que não há lugar para pronunciamento do TST. VI - De qualquer modo, ainda que inusual em sede de cognição extraordinária, defronta-se com a razoabilidade e proporcionalidade do valor lá arbitrado de R$ 10.000,00, tendo em conta, de um lado, a estatura econômico-financeira da empresa e, de outro, a gravidade, ainda que não sobremaneira intensa, à dignidade da pessoa humana, não se divisando no particular desrespeito ao princípio que veda o enriquecimento sem causa. Recurso conhecido e provido..." (RR-112800-59.2005.5.03.0107 - 4ª Turma - Rel. Ministro Antonio José de Barros Levenhagen - DJ 9.11.2007).

O mesmo Tribunal Superior do Trabalho, também na hipótese de revista em que se abordava a mesma questão, a partir de histórico factual diferenciado, decidiu pelo indeferimento da indenização por danos morais, por entender que a conduta do empregador não ultrapassara seu poder diretivo. É o que se verifica do aresto então lavrado:

"INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - REVISTA EM BOLSAS E SACOLAS DOS EMPREGADOS. I - A revista realizada com moderação e razoabili-dade não caracteriza abuso de direito ou ato ilícito, constituindo, na realidade, exercício regular do direito do empregador inerente ao seu poder diretivo e de fiscalização. Dessa forma, a revista em bolsas, sacolas ou mochilas dos empregados sorteados para tanto, sem que se proceda à revista íntima e sem contato corporal, mas apenas visual do vistoriador, e em caráter geral relativamente aos empregados de mesmo nível hierárquico, não denuncia excesso do empregador, inabilitando a autora à percepção da indenização por danos morais. II - Recurso provido." (RR-724400-28.2008.5.09.0019 - 4ª. Turma - Relator Ministro Antonio José de Barros Levenhagen - Divulgado em 25.5/2010 - Publicado 28.5.2010).

Noutro acórdão, o Tribunal Superior do Trabalho concluiu pela materialização do dano moral pela quebra de sigilo bancário do empregado, mediante deliberação do próprio banco empregador, conforme se observa da ementa que o enriquece:

"QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. 1 - A garantia inserida no art. 5º, XII, da Constituição Federal estabelece ser inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma de que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. 2 - O sigilo bancário constitui garantia legal, disciplinada pela Lei n. 4.595/64, sendo imprescindível, para a sua quebradura, a demonstração, a partir de indícios suficientes, da existência concreta de causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade de quem se encontra

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sob investigação), justificando, assim, a necessidade de sua efetivação em procedimento investigatório. 3 - Não se trata de um poder arbitrário, mas, sim, vinculado ao próprio procedimento correspondente, no qual o possuidor da conta corrente seja o sujeito da investigação. 4 - A quebra de sigilo bancário determinada pelo Banco-reclamado sem a autorização do titular da conta bancária, sobretudo por ter sido ultimada com vistas à mera inspeção interna, mesmo não tendo havido divulgação de valores, implica violação ao direito de personalidade e privacidade do empregado. 5 - O dano moral independe da comprovação de prejuízo, ou da existência de sequela moral, sendo congênito ao próprio ato infrator. 6 - Dada a singularidade de o dano moral decorrer da quebra do sigilo bancário, não se coaduna com o seu tradicional conceito a objeção de ser necessária a comprovação de a vítima ter sido atingida em sua honra de forma mortal ou ter sido exposta ao ridículo, pressupostos necessários apenas para avaliar o quantitativo da respectiva indenização. Recurso provido para restabelecer-se a sentença da Vara." (RR-91500-66.2002.5.12.0029 - 4ª Turma - Rel. Ministro Antonio José de Barros Levenhagen - Publicação 1º.7.2005).

O assédio sexual no trabalho, definido também como forma de violência psicológica, configura-se pela perseguição da vítima no ambiente de trabalho, ou mesmo fora dele, por meio de sequenciadas investidas de conotação sexual.

A vítima é obrigada a receber, com frequência, galanteios, olhares libidinosos, propostas de casamento, vindos ou do empregador ou de um parente próximo seu ou mesmo do seu chefe, sendo necessário à sua evidenciação que o agressor tenha condições reais de prejudicar profissionalmente a vítima.

Enfim, tanto o assédio moral quanto o assédio sexual no trabalho são atos anticontratuais, por serem praticados em um ambiente que não seja, embora o deva ser, moralmente saudável, que acarretam para o empregador a responsabilidade de indenizar a vítima pelo dano moral sofrido, à conta da responsabilidade objetiva do inciso III do art. 932 do Código Civil de 2002, cuja norma reproduz, com variações marginais, a do inciso III do art. 1.521 do Código Civil de 1916.

Com efeito, dispunha o inciso III do art. 1.521 do Código Civil de 1916 serem também responsáveis pela reparação civil o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele.

O inciso III do art. 932 do Código Civil de 2002, a seu turno, orienta-se no mesmo sentido de considerar responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.

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