O dano moral decorrente da ausência da relação paterno-filial

AutorJosenilda Cavalcanti Bettini Medeiros
Páginas1-64

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Introdução

Este breve estudo tem como finalidade propor uma reflexão acerca da possibilidade de incidência do dano moral decorrente da ausência injustificada da relação paterno-filial.

A escolha do tema deu-se em face de sua grande relevância na seara do Direito de Família e de decisões recentes que demonstram uma necessidade de aprofundamento em determinados fatos, considerando a grande responsabilidade do magistrado frente a questões tão delicadas para a criança, para o adolescente e para a sociedade.

No primeiro capítulo, será abordado o dano moral, tendo como primeiro item um breve panorama histórico acerca de sua evolução; em seguida, serão apontados os elementos da responsabilidade civil e mais adiante, no terceiro item, o conceito de dano moral conforme a doutrina e um subitem será dedicado ao arbitramento do valor indenizatório, englobando o reconhecimento do caráter sancionatório, punitivo ou pedagógico da indenização ou compensação por dano moral.

O segundo capítulo será destinado à relação paterno-filial, onde, no primeiro item, faz-se uma breve análise da evolução da entidade familiar até os dias de hoje, destacando-se o reconhecimento da igualdade entre filhos. O item seguinte traça um panorama acerca dos direitos da criança e do adolescente, considerados no passado como meros expectadores nas relações familiares até seu reconhecimento como sujeitos de direito, e, ainda, um subitem com uma breve abordagem sobre o instituto da paternidade responsável. Em seguida, no terceiro item, será enfocado o princípio da dignidade da pessoa humana que consiste em fundamento da República Federativa do Brasil e do próprio ordenamento jurídico, inclusive fundamento das indenizações por dano moral.

Por fim, o terceiro capítulo dedica-se à ausência da relação paterno-filial. No primeiro item, será realizada uma abordagem interdisciplinar, ou seja, um rápido comentário sobre importância do afeto no desenvolvimento psíquico, moralPage 2 e intelectual do ser humano. O segundo item será destinado à mediação familiar como um espaço para o diálogo, a ser conduzido por um profissional, procurandose evitar qualquer rompimento definitivo e considerando-se a possibilidade de reconstrução dos laços afetivos entre pais e filhos ou ao menos a possibilidade da convivência entre ambos. Nesse sentido, podemos examinar a mediação familiar como “uma luz no fim do túnel”. O terceiro, e último item terá como objeto a análise de duas decisões recentes acerca do tema e algumas questões pertinentes levantadas pela doutrina, concluindo sobre a possibilidade de incidência do dano moral decorrente da ausência injustificada da relação paterno-filial.

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1 Dano moral
1. 1 Breve panorama histórico

A sociedade evolui com o decorrer do tempo e questões que no passado não eram sequer imaginadas passam a fazer parte da vida do indivíduo. O direito como fenômeno jurídico é chamado a regular tais questões, possibilitando que o convívio social seja harmônico.

No caso da responsabilidade civil, não poderia ser diferente, considerando que se trata de um instituto aplicável em quase todos os ramos do Direito Civil. É importante destacar que contemporaneamente tem sido aplicado de maneira muito conveniente no âmbito do Direito de Família.

Entretanto, a doutrina tem encontrado dificuldade para construir um conceito de responsabilidade civil.

Inácio de CARVALHO NETO refere-se ao termo responsabilidade considerando que “... tem ele o siginificado de obrigação de reparar o dano”.1

Com efeito, podemos classificar o dano como sendo material ou moral. O dano material atinge o patrimôno material do indivíduo.

Na concepção de Sílvio de Salvo VENOSA: “O dano patrimonial, portanto, é aquele suscetível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado por reposição em dinheiro, denominador comum da indenização.”2

O dano material é passível de indenização, podendo o objeto lesionado retornar à situação em que se encontrava anteriormente à ocorrência do dano, ou então, a indenização trará a possibilidade de se adquirir outro. Quanto ao dano moral, este atinge o próprio indivíduo, e sua compensação não possibilita que o indivíduo retorne ao estado em que se encontrava antes de sua ocorrência. Sendo este um dos pontos principais da presente pesquisa, será abordado de maneiraPage 4 mais minuciosa no decorrer do trabalho.

No que se refere à evolução histórica do dano moral, Clayton REIS traça um panorama detalhado sobre sua evolução no ordenamento jurídico pátrio e alienígena. Refere-se primeiramente ao Código de Hamurábi (rei da Babilônia), surgido na Mesopotâmia (1792 -1750 a.C.), cujo princípio geral era que o forte não prejudicará o fraco. Ainda hoje, encontra-se preservado no museu do Louvre, o código de Hamurabi, gravado em uma estrela de basalto negro.”3

É possível perceber que, nessa época, já havia uma preocupação com a igualdade e a justiça, onde a lei procurava dar proteção àquele considerado mais fraco.

Segundo Maria Helena DINIZ, houve um tempo em que a vingança era coletiva. Quando um indivíduo de determinado grupo era ofendido, o grupo se vingava do agressor. “Posteriormente evoluiu para uma vingança privada, em que os homens faziam justiça pelas próprias mãos sob a égide da Lei de Talião, ou seja, a reparação do mal pelo mal.”4

Isso significa que o indivíduo que provocasse uma lesão no corpo de outro deveria sofrer a mesma lesão em seu próprio corpo. Se tivesse um membro mutilado, o indivíduo responsável pelo ato também-o teria. Esta ainda não era a solução adequada, visto que acabava por provocar a lesão em ambas as partes.

Clayton REIS menciona que a reparação do dano se dava mediante o axioma “olho por olho, dente por dente”. A pena de Talião era aplicada quando o agressor e a vítima pertenciam ao mesmo nível social. A forma utilizada na época para se reparar um dano era bem definida, já sendo possível inclusive repará-lo monetariamente. O valor pecuniário tinha a finalidade de retornar o bem lesado a seu statu quo ante, procurando reparar o sofrimento gerado na vítima pela ocorrência do dano e buscando eliminar o sentimento de conflito em relação ao grupo. Salienta que: “Portanto, a imposição de uma pena econômica consistia, sem dúvida, em uma forma de à custa da diminuição do patrimônio do lesionadorPage 5 (que por si só constitui uma pena), proporcionar à vítima uma satisfação compensatória”.5

Nunca é demais observar que retornar ao statu quo ante significa fazer com que o bem lesado retorne à situação em que se encontrava antes do dano sofrido como se este não houvesse ocorrido. No caso do dano moral, como mencionado anteriormente, isso não é possível, pois a lesão atinge a própria pessoa humana.

Quanto à possibilidade de eliminar o conflito entre o grupo, por meio do pagamento pecuniário, o objetivo maior era eliminar os sentimentos de vingança, que poderiam ameaçar a convivência entre seus integrantes.6

REIS ressalta que outro aspecto importante na evolução do dano moral foi o Código de Manu, que atualmente é utilizado na Índia. Manu, segundo reza a mitologia Hinduísta, foi o indivíduo que sistematizou leis sociais e religiosas dando origem ao referido Código. A diferença principal entre os dois Códigos era que o Código de Manu permitia apenas a compensação pecuniária, arbitrada pelo legislador. Ilustra que “... o bolso é a parte mais sensível do corpo humano, produz o efeito de obstar eficazmente o animus do delinqüente.”7

Observa que esta forma de reparação contém um sentimento cristão, mesmo tendo surgido antes do Cristianismo, porque evita que o agressor seja alvo da fúria vingativa do lesionado. O rei e o juiz aplicavam o código, mas este estava sujeito à revisão feita pelo rei que, se verificasse erro judiciário, poderia aplicar pena também ao juiz.8

Maria Helena DINIZ ensina que as bases da responsabilidade civil extracontratual foram estabelecidas pela Lex Aquilia de Damo, que previa a indenização pecuniária e trouxe a idéia de empobrecimento do lesante sem enriquecimento da parte lesada. Posteriormente passou-se a considerar também os danos ocorridos por omissão. Quanto à retaliação, esta passa a não ser mais incentivada porque acarretava prejuízo a todos os envolvidos. Passou-se então a fase da composição entre as partes, quando o autor da ofensa pagaria aoPage 6 ofendido certa quantia em dinheiro.9

A Lex Aquilia de damo veio a cristalizar a idéia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio particular do lesante suportasse o ônus da reparação em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa com fundamento da responsablidiade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente.10

Posteriormente a reponsabilidade civil além de subjetiva (fundada na culpa) passa a ser também objetiva (fundada no risco).

Sílvio da Salvo VENOSA entende que: “O decantado art. 159 (novo, art. 186) surgiu como corolário de uma longa e lenta evolução histórica. O conceito de reparar o dano injustamente causado somente surge em época relativamente recente da História do Direito.”11

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