Da remuneração

AutorEduardo Gabriel Saad
Ocupação do AutorAdvogado, Professor, Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo
Páginas603-647

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Art 457

Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

§ 1º Integram o salário, não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagem e abonos pagos pelo empregador.

§ 2º Não se incluem nos salários as ajudas de custo, assim como as diárias para viagem que não excedam de cinquenta por cento do salário percebido pelo empregado.

§ 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.

Notas

1) Distinção entre remuneração e salário: O caput do artigo acima transcrito faz distinção entre remuneração e salário. Este é a contraprestação devida e paga diretamente ao empregado; a remuneração compreende o salário e mais o que o empregado recebe de terceiros (gorjetas, por exemplo), em virtude do contrato de trabalho.

2) Gorjetas como parcela da remuneração: Durante muito tempo se discutiu se as gorjetas cobradas do cliente, como adicional, seriam computadas como parcela da remuneração. O Decreto-lei n. 229, de 28 de fevereiro de 1967, acrescentou o § 3º, e pôs fim à controvérsia. Considera gorjeta não só a importância dada espontaneamente pela clientela, como também aquela que se lhe cobra, compulsoriamente, como adicional das contas. Uma ou outra integra a remuneração do empregado.

Parece-nos irrefutável que a importância resultante da reunião das duas espécies de gorjetas (compulsória e voluntária) deve ser considerada para vários fins legais, dês que, de acordo com antigo costume (nascido da impossibilidade de controlar-se, com precisão, as gorjetas voluntárias), se anote, na carteira profissional do empregado, uma estimativa de ambas, a qual é levada em conta no cálculo das verbas apontadas.

O TST, pela Súmula n. 354, entende que tais gorjetas não são computáveis no cálculo do aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.

Ousamos discordar, dessa linha sedimentada da jurisprudência daquela Corte de Justiça.

Se um dos componentes da remuneração é a gorjeta e se consta da Carteira de Trabalho do empregado sua estimativa, aquelas verbas devem ter como base de cálculo o salário pago diretamente pelo empregador (parte fixa) acrescido da estimativa da gorjeta.

Ainda de acordo com a argumentação que vimos desenvolvendo, as gorjetas devem servir de base de cálculo às contribuições ao FGTS e à Previdência Social.

Se as gorjetas, dadas espontaneamente ou não , têm caráter salarial “para todos os efeitos legais”, não vemos como excluí-las do cálculo das sobreditas verbas.

Consta que há estabelecimentos que contratam empregados mediante remuneração constituída apenas de gorjetas.

Sustentam alguns autores que semelhante prática é fraudulenta, eis que, dessa maneira, o empregador deixa de pagar o salário mínimo, o qual em consonância com o disposto no art. 76 desta Consolidação deve ser pago pelo empregador diretamente ao empregado. Outros estudiosos, porém, entendem que, no caso, inexiste burla à lei se as gorjetas tiverem valor superior ao salário mínimo, como acontece, por exemplo, com o empregado cujo salário é formado exclusivamente de comissões.

No magistério de Süssekind (“Instituições de Direito do Trabalho”, 16. ed. LTr, 1996, p. 382) “no que tange ao cálculo do salário mínimo, que se refere a salário e não remuneração, não podem ser computadas as gorjetas que o empregado receber em razão do seu emprego. Nesta hipótese, as gorjetas representarão um suplemento, independentemente do salário mínimo devido e pago pelo empregador”.

Nessa linha de pensamento do conhecido jurista e à qual nos filiamos, consideramos, por acréscimo, que o caput do artigo sob comentário é taxativo ao consignar que se compreendem na remuneração do empregado “além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”.

Está implícito nessa norma que a remuneração não pode ser formada, apenas, de gorjetas; nela se inclui, obrigatoriamente, o salário de valor igual ou superior ao mínimo previsto em lei.

2.1) salário-família: Ele é devido, mensalmente, ao segurado empregado e ao trabalhador avulso, exceto o doméstico. É a matéria disciplinada pelos arts. 65 a 70 da Lei n. 8.213, de 24.7.91. Empregador que admite empregado sem registro pode ser condenado a pagar o salário-família.

3) Das gratificações:

3.1) Um pouco de história: Na morfologia do salário, entram dois elementos: a) o básico, isto é, a soma em dinheiro prefixada no contrato; e b) os marginais que podem ser fixos ou variáveis e pagos em dinheiro ou in natura.

Entre os elementos marginais do salário — no dizer de Ludovico Barassi — figura a gratificação.

Na história do direito, é figura antiga a “gratificação”, vocábulo que provém do latim gratificatio, gratificationem, cujo verbo gratificare deu origem ao verbo gratificar que, para Laudelino Freire (“Grande e Novíssimo Dicionário”) e Aurélio Buarque de Holanda (“Médio Dicionário Aurélio”), significa dar graças, mostrar-se reconhecido.

Na linguagem popular, considera-se a gratificação simples expressão de liberalidade da pessoa que “quer dar graças ou mostrar-se reconhecido”.

3.2) Gratificação-liberalidade: No direito comum, a gratificação não passa de dádiva, concedida por mera liberalidade para recompensar a prestação de um bom serviço.

É o que assinala Carvalho de Mendonça, no II volume do seu “Tratado de Direito Comercial”, 3. ed., Freitas Bastos, n. 464, 1937, p. 453: “Muitas casas costumam gratificar os prepostos por ocasião dos balanços ou no fim de cada ano. Isso, porém, não confere a estes prepostos o direito de exigir gratificação nos anos seguintes, salvo o caso de convenção. É mera liberalidade do patrão”.

Esse mesmo autor, no volume I da obra citada, item 125 (p. 184/5), depois de destacar que o fundamento da força obrigatória dos usos comerciais provém diretamente da lei, adverte que, para a formação e eficácia deles, não são suficientes os requisitos legais. É imprescindível a presença de outro elemento, imaterial, psicológico (opinio juris seu necessitatis) para que o costume seja, de fato, fonte de direito.

Fecha seu raciocínio com estas palavras: “Assim, não constituem usos legítimos as práticas observadas por condescendência, tolerância, liberalidade ou admitidas por negligência. Exemplo: é de hábito em muitas praças, as casas comerciais gratificarem os empregados por ocasião do encerramento do balanço anual; são costumes em outras praças a distribuição de presentes de festas...

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Praticando esses atos, por mais uniformes e constantes, de simples usos da vida mercantil, de usos do negócio, aos quais nunca poderá ser atribuída, força jurídica obrigatória”.

Eis a forma embrionária da gratificação-liberalidade que, nos tempos presentes, ainda é conhecida no direito do trabalho. Neste, tem relevância a gratificação-salário ou remuneração adicional.

A primeira — a gratificação-liberalidade — em nenhum caso adquire natureza salarial, porque se reveste de caráter aleatório e, portanto, jungida a circunstâncias variáveis ou a acontecimentos incertos; a segunda — a gratificação-salário — é incluída no salário porque previamente ajustada ou deferida com habitualidade e consoante critério rígido e uniforme.

Quanto à gratificação-liberalidade disse Monteiro Fernandes (“Direito do Trabalho”, Almeida, Coimbra, 1990, 6. ed., p. 357): “Sob a aparência de liberalidades recompensatórias que o próprio termo gratificação sugere, trata-se realmente, na maioria dos casos, de prestações salariais suplementares, caracterizadas por uma periodicidade distinta do salário-base”.

3.3) Gratificação e evolução do Direito do Trabalho: Como advertiram Sanseverino e outros autores de igual porte, as gratificações, com o correr dos anos, perderam sua nota de liberalidade e acabaram por inserir-se no contrato de trabalho como obrigação tacitamente contraída pelo empregador.

Ademais disso, a gratificação deferida com habitualidade, converte-se em elemento seguro do orçamento do empregado, nele tendo o mesmo papel do salário contratual. A expectativa certa desse ganho não é frustrável por ato unilateral do empregador.

Lembra Luiz José de Mesquita, em sua obra clássica intitulada “Das gratificações no Direito do Trabalho” (Ed. Saraiva, 1957, p. 39) que a causa final, ou fins próprios e objetivos, das gratificações são os seguintes: a) recompensa pelo trabalho, podendo esta recompensa ser salarial ou premial; b) estímulo ou incentivo ao empregado.

Aduz textualmente: “Temos, pois, as seguintes finalidades nas gratificações: a) a finalidade retributiva, de modo ostensivo ou não, pouco importa, mas funcionando a gratificação como salário marginal, pelo ajuste expresso ou tácito, ao lado do salário-base, principalmente quando este não é tão elevado, tornandose razoável que a empresa recompense seus servidores com um sobre-salário, dado a título de gratificação; b) a finalidade premial, a modo de prêmio ou recompensa por serviços extras ou extraordinariamente prestados; c) a finalidade de simples estímulo, para aumento e melhoria da produção”.

Décadas depois desse pronunciamento de Mesquita, a doutrina e a jurisprudência nacionais assentaram solidamente a tese de que a gratificação adquire...

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