Da Prescrição no Direito Processual do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas496-536

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1. Conceito e distinção com a decadência

Segundo Pontes de Miranda1, “a prescrição é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa a sua pretensão ou ação. Serve à segurança e à paz públicas, para limite temporal à eficácia das pretensões e das ações.”

Dispõe o art. 189 do CC:

“Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”

Conforme o referido dispositivo legal, o Código Civil brasileiro adota o conceito de prescrição como sendo a perda da pretensão, que é, segundo Carnelutti, a exigência de subordinação do interesse alheio ao interesse próprio. Estando prescrita a pretensão, não se pode exigir em juízo o direito violado, tampouco invocá-lo em defesa, pois a exceção prescreve no mesmo prazo que a pretensão, segundo o art. 190 do CC.

De acordo com Carlos Roberto Gonçalves2, “o novo Código Civil, evitando essa polêmica, adotou o vocábulo ‘pretensão’ para indicar que não se trata do direito subjetivo público abstrato de ação. E, no art. 189, enunciou que a prescrição se inicia no momento em que há violação do direito.” Prossegue o autor3: “Hoje predomina o entendimento na moderna doutrina, de que a prescrição extingue a pretensão, que é a exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. O direito material, violado, dá origem à pretensão (CC, art. 189), que é deduzida em juízo por meio da ação. Extinta a pretensão, não há ação. Portanto, a prescrição extingue a pretensão, atingindo também a ação. O instituto que extingue somente a ação, conservando o direito material e a pretensão, que só podem ser opostos em defesa, é perempção.”

A decadência consiste na perda do direito em razão da inércia de seu titular.

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Ensinam Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Gagliano4 que a decadência “consiste na perda efetiva de um direito potestativo, pela falta de seu exercício, no período de tempo determinado em lei ou pela vontade das próprias partes. Sendo, literalmente, a extinção do direito é também chamada, em sentido estrito, consoante já se disse, de caducidade, não remanescendo qualquer sombra de direito em favor do titular, que não terá como exercer mais, de forma alguma, o direito caduco.”

No Processo do Trabalho, destacam-se três prazos decadenciais típicos, quais sejam:

  1. 30 dias para instauração do inquérito judicial para apuração de falta grave, tendo havido a prévia suspensão do empregado;

  2. 2 anos para propor a ação rescisória, contados do trânsito em julgado da decisão;

  3. 120 dias para proposição do Mandado de Segurança, contados a partir da ciência do ato de autoridade praticado com ilegalidade ou abuso de poder.

Segundo a melhor doutrina, a prescrição extingue a pretensão e por via oblíqua o direito, enquanto a decadência extingue o direito e por via oblíqua a pretensão. O prazo decadencial pode ser fixado na lei ou pela vontade das partes (contrato), enquanto os prazos prescricionais somente são fixados em lei. O prazo decadencial corre contra todos, não sendo, como regra, objeto de suspensão, interrupção ou causa impeditiva (art. 207 do CC), salvo as exceções do art. 208 do CC5, já a prescrição pode não correr contra algumas pessoas, pode sofrer causas de impedimento, suspensão ou interrupção. A prescrição, uma vez consumada, pode ser objeto de renúncia. A decadência é irrenunciável quando fixada em lei (art. 209 do CC).

Nesse diapasão, relevante destacar a seguinte ementa:

“Prescrição x decadência — Biênio para ajuizamento de reclamação trabalhista — Prazo prescricional — Reconhecimento. A distinção entre prescrição e decadência tem sido, desde longa data, objeto de inúmeros combates doutrinários, envolvendo juristas de renome, no escopo de se delinear, com exatidão, o campo de incidência de ambos os institutos. Sob a égide do Código Civil revogado, firmou-se a clássica distinção de que a decadência extinguia o direito em si, ao passo que a prescrição extinguiria a ação. Entretanto, é verdade que a fórmula tradicional não era suficiente para explicar a complexidade do fenômeno, reclamando assim uma melhor definição daquelas hipóteses. Nesse contexto, adotou o legislador contemporâneo, nos termos do art. 189 do Novo Código Civil, a concepção de que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição”, nos prazos definidos em lei, repetindo a sistemática já introduzida nos arts. 26 e 27 da Lei
n. 8.078/90 — Código de Defesa do Consumidor. Vale dizer, hodiernamente, encontra a prescrição seu melhor conceito enquanto causa de extinção temporal da pretensão de ver condenado o violador de um direito à sua justa reparação, distanciando-se, assim, da decadência, hipótese de extinção de um direito não reclamado no prazo legal.” (TRT – 15a R. – 2a T. – RO n. 1.484/2003.122.15.00-9 – rel. Luís Carlos C. M. S. da Silva – DJSP
18.6.04 – p. 18) (RDT n. 7 – Julho de 2004).

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Diante da sua importância para o direito do trabalho, a prescrição trabalhista está prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição, que trata dos direitos fundamentais trabalhistas, tendo a seguinte redação:

“Ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.”

O prazo mencionado no citado artigo aplica-se tanto ao empregado como ao empregador quando este for ingressar com uma reclamação trabalhista em face do empregado. Nesse sentido, advertem Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins6:

“Aplica-se o mesmo prazo prescricional previsto para os trabalhadores (arts. 7º,

XXIX, da CF e 11, da CLT) ao empregador quando a questão em discussão envolve conflito deste com o empregado ou ex-empregado, cuja matéria tem pertinência com o contrato de trabalho. A regra vale, portanto, para ambos, empregado e empregador, mesmo porque a competência no caso é da Justiça do Trabalho.”

A Constituição Federal traça dois prazos prescricionais: um após a extinção do contrato de trabalho (prescrição bienal) e outro durante o contrato de trabalho (prescrição quinquenal). Estes prazos são distintos, não obstante, uma vez extinto o contrato de trabalho, deve o trabalhador trazer sua pretensão a juízo dentro do prazo de dois anos contados da data da terminação do contrato. Caso este prazo seja observado, terá direito de postular as verbas trabalhistas dos últimos cinco anos, contados retroativamente da data da propositura da reclamação trabalhista.

Nesse sentido, dispõe a Súmula n. 308 do TST, in verbis:

“PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. I – Respeitado o biênio subsequente à cessação contratual, a prescrição da ação trabalhista concerne às pretensões imediatamente anteriores a cinco anos, contados da data do ajuizamento da reclamação e, não, às anteriores ao quinquênio da data da extinção do contrato; II – A norma constitucional que ampliou o prazo de prescrição da ação trabalhista para 5 (cinco) anos é de aplicação imediata e não atinge pretensões já alcançadas pela prescrição bienal quando da promulgação da CF/1988.”

No mesmo diapasão, destaca-se a seguinte ementa:

“Prescrição trabalhista. Reclamatória proposta após o contrato. Direitos atingidos e não atingidos. Os prazos que, embora quinquenais, chegaram ao seu término antes do decurso do biênio pós-contrato sem a ação reparadora, por simples lógica, não estão sujeitos ao limite a que se refere a Constituição, pois que encerraram definitivamente a possibilidade do socorro judicial. Assim, inaceitável se mostra a tese de que todos os direitos situados nos últimos cinco anos da contratualidade possam estar a salvo da prescrição, desde que proposta a reclamatória dentro do biênio posterior à terminação do contrato, independentemente da data.” (TST – 5a T. – Ac. n. 1485/97 – rel. Min. Armando de Brito – DJ 30.5.97 – p. 23.622)

De outro lado, há entendimento no sentido de que o prazo da prescrição quinquenal deve ser contado a partir da extinção do contrato de trabalho, se proposta

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a reclamação trabalhista dentro do prazo de dois anos. Neste sentido, destaca-se a seguinte ementa:

“O prazo de dois anos após a extinção do contrato de trabalho, previsto no art. 7º, item XXIX, letra a da CF/88, é o limite dado pelo legislador constitucional ao trabalhador urbano para propor ação em que reivindicará direitos trabalhistas até os últimos 5 anos. Portanto, não se pode incluí-lo neste lapso temporal, pois ele seria diminuído para 3, contrariando, desta forma, a vontade expressa do legislador constitucional, que foi a de conferir ao trabalhador o prazo prescricional de 5 anos para fazer valer direitos oriundos da relação de emprego. Ao intérprete não cabe limitar a eficácia das normas constitucionais de tutela ao empregado através de exegese restritiva, principalmente quando se trata de prescrição de créditos...

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