Da mora

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas322-340

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26. 1 Apresentação

Muitas vezes, em decorrência de um acordo de vontade, uma pessoa fica no dever de dar, fazer ou não fazer alguma coisa em favor de outra. Assumindo essa obrigação, precisa o devedor realizar a prestação, visto que o credor tem direito ao seu cumprimento. A obrigação só se extingue quando for devidamente realizada. Se a prestação não for cumprida no tempo, no lugar e na forma convencionados, haverá o descumprimento da obrigação.

Dá-se o nome de mora quando a obrigação não foi cumprida em tempo, lugar e forma convencionados (art. 394254do CC). Um exemplo fornecido pelo Prof. Sílvio de Salvo Venosa esclarece devidamente: "numa obrigação de fazer, se contrato um pintor para um retrato, haverá mora de sua

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parte se não finalizar a obra no prazo, como também se não realizar a pintura a contento ou se a entregar em local não convencionado".255

Com o descumprimento da obrigação, fácil será compreender que o devedor arcará com uma indenização pelos prejuízos sofridos pelo credor, indenização que se obtém pela apuração das perdas e danos existentes, a não ser que o inadimplemento tenha ocorrido em razão de atos ou fatos alheios à vontade do devedor. "O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado" (CC, art. 393).

O caso fortuito e a força maior excluem, portanto, a responsabilidade civil, impedindo o dever de indenizar.

Trataremos, neste capítulo, do descumprimento das obri-gações e de suas conseqüências, principalmente com relação à mora.

26. 2 Inadimplemento absoluto e inadimplemento relativo

A pessoa que estiver obrigada ao cumprimento de uma obrigação e deixar de cumpri-la no tempo, lugar e forma devidos, torna-se inadimplente. Inadimplemento é o não cumprimento da obrigação.

O descumprimento obrigacional ou é relativo, ou é absoluto.

  1. Inadimplemento relativo - Será relativo, ensina Caio Mário de Silva Pereira, "se apenas parte da res debita256 deixou de ser prestada, ou se o devedor não cumpriu oportunamente a obrigação, havendo possibilidade de que ainda venha a fazê-lo".257Elucidativa a opinião de Sílvio de Salvo Venosa: "Se o cumprimento da obrigação ainda é útil para o credor, o devedor está em mora (há inadimplemento relativo)".258Continua: "O pagamento de obrigações em dinheiro sempre será útil para o credor, vindo, é claro, acompanhado dos acréscimos devidos pela desvalorização da moeda e outros ônus derivados da mora". E finaliza: "Não pode, por exemplo, entender o devedor que o

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    inadimplemento é absoluto, no pagamento em dinheiro, porque tal recebimento estava vinculado a outro negócio por parte do credor, que se frustrou pelo não recebimento do numerário".

  2. Inadimplemento absoluto - Será absoluto quando o pagamento da obrigação se torna impossível, ficando eliminada a possibilidade do cumprimento ulterior da obrigação. Num contrato de compra e venda de imóvel a prestações, por exemplo, na falta de pagamento ou atraso de uma das prestações, o comprador está em mora. Se o devedor, notificado validamente não emendar a mora no prazo da notificação, que será o de 15 dias, surge o inadimplemento absoluto (in RT 473/158). Esta situação mostra a transmudação do inadimplemento relativo (mora) em inadimplemento absoluto.

    De fato, quando alguém adquire um imóvel a prestações, realiza um contrato de compromisso de compra e venda em que habitualmente aparece uma cláusula resolutiva expressa no sentido de que, se o compromissário comprador deixar de pagar uma, duas ou três prestações consecutivas estará, de pleno direito, em mora. Ou seja, o compromissário comprador está em mora (inadimplemento relativo). Depois surge o inadimplemento absoluto se deixar de pagar as prestações atrasadas no prazo da notificação.

    Realmente, existe uma lei, o Decreto-lei n.º 745, de 1.969, que regulamenta o momento da constituição da mora, eliminando a referida cláusula resolutiva. Eis o seu conteúdo, in verbis:

    "Nos contratos a que se refere o art. 22 do Decreto-lei n.º 58, ainda que conste cláusula resolutiva expressa, a constituição em mora do compromissário-comprador depende de prévia interpelação judicial ou por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos, com 15 dias de antecedência".

    Assim, a prévia interpelação com prazo de 15 dias é neces-sária para a caracterização do inadimplemento absolto. Não purgando a mora dentro desse prazo, aparece o inadimplemento absoluto. Se o compromissário comprador não pagar no atraso dentro dos 15 dias após a notificação, não poderá mais fazê-lo, eis que o contrato ficará definitivamente rescindido, ou seja, ocorrerá o inadimplemento absoluto (in RT 482/166).

    Dá-se o nome de "mora" quando a obrigação não foi cumpri-da em tempo, lugar e forma convencionados, mas poderá vir a ser.

    Distingue-se, pois, o inadimplemento absoluto, da mora; esta difere do inadimplemento relativo pelo simples fato de não tirar do devedor a

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    possibilidade de cumprir mais tarde a obrigação, ou seja, de emendar a mora, o que não acontece com aquele. A mora consiste na possibilidade do devedor cumprir a obrigação no futuro.

    Um dos casos de inadimplemento absoluto é o que ocorre se o devedor, constituído em mora, deixar passar o prazo para purgá-la. Por exemplo, a Lei do Inquilinato, Lei n.º 8.245, de 1991, art. 62, II, dispõe: "o locatário poderá evitar a rescisão da locação requerendo, no prazo da contestação, autorização para o pagamento do débito atualizado, independentemente de cálculo e mediante depósito judicial, incluídos:...".

    O escoamento do prazo da contestação implicará na rescisão do contrato de locação (inadimplemento absoluto) e despejo.

    Face ao exposto, conclui-se que a mora se transforma em inadimplemento absoluto se não se satisfizer, em tempo, a prestação, ocasião em que a lei tira definitivamente do devedor a possibilidade de cumprir mais tarde a obrigação.

    Se o credor provar que a prestação se tornou inútil, a mora convertese, ato contínuo, em inadimplemento absoluto. Por exemplo, se o devedor prometer entregar árvores de natal e se o fizer depois da época das festas, estaremos diante de um caso de inadimplemento absoluto, quando o credor poderá exigir a satisfação das perdas e danos. Analise, para tanto, o parágrafo único do art. 395 do Código Civil, in verbis:

    "Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos".

    Assinale-se, ainda, que todos os casos de violação da obrigação de não fazer serão exemplos típicos de inadimplemento absoluto. Por exemplo, se o locatário sublocar o imóvel locado sem autorização expressa do locador, incidirá em inadimplemento absoluto; se se tratasse de mora, poderia o inquilino purgá-la, despejando o sublocatário. Como isto não é possível, o contrato fica rescindido definitivamente.

    Distinguir o inadimplemento absoluto da mora, nem sempre é tarefa fácil, porque, tanto o inadimplemento absoluto como o inadimplemento relativo, ou a simples mora são espécies do gênero inadimplemento e, diante disso, podemos concluir com Agostinho Alvim: "Há inadimplemento absoluto quando não mais subsiste para o credor a possibilidade de receber a prestação; há mora

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    quando persiste essa possibilidade".259"Somente o inadimplemento absoluto enseja a demanda resolutória, e não a simples mora (inadimplemento relativo), que pressupõe a utilidade e a possibilidade da prestação" (in RT 653/193).

26. 3 Conceito de mora

Costuma-se conceituar a mora como sendo o retardamento injustificado na execução da obrigação por parte do devedor que não paga a tempo o compromisso assumido, bem como por parte do credor que se recusa a receber o pagamento pelo modo convencionado. Esse conceito é confirmado por Caio Mário da Silva Pereira: A mora é o "retardamento injustificado da parte de algum dos sujeitos da relação obrigacional no tocante à prestação".260E complementa esse ilustre escritor: Em qualquer caso, porém, mora não haverá se o devedor tempestivamente tiver oferecido a prestação ou se o credor não a tiver recusado.261Para Agostinho Alvim, mora "é o não pagamento culposo, bem como a recusa de receber no tempo e forma devidos".262

O Código Civil, entretanto, não conceitua o que seja a mora. Apenas fornece os elementos para caracterizá-la, conforme lembra Levenhagen.263Eis o que diz o seu artigo 394, in verbis:

"Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer".

Vê-se, pois, que o Código distingue a mora do devedor, da mora do credor. O saudoso Prof. Orlando Gomes, a propósito, observa que não se deve confundir a mora do devedor com a do credor. "Por isso, continua o ilustre e saudoso mestre, é preciso extremá-las, não se justificando sejam tratadas conjuntamente, como se costuma proceder. São, com efeito, figuras perfeitamente distintas. Pena que o vocabulário jurídico não disponha de outro termo para expressar a recusa do credor de receber no vencimento da dívida".264

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26. 4 Mora do devedor

O credor tem o direito de exigir do devedor a prestação pactuada; o devedor tem o dever de realizar a prestação previamente estabelecida. Tanto este como aquele podem incorrer em mora: o devedor que não efetua o pagamento no tempo, lugar e forma convencionados e o credor que se recusa a receber o pagamento.

Exemplificando: Vamos supor uma dívida portável em que o inquilino se obriga a pagar os aluguéis no domicílio do mandatário do locador. Imaginemos que este se recuse a receber, alegando ter cessado o seu mandato, informando...

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