A Competência da Justiça do Trabalho Segundo a EC n. 45/2004

AutorAlexandre Nery de Oliveira
Ocupação do AutorDesembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Professor de Processo do Trabalho do IESB. Pós-Graduado como Especialista em Teoria da Constituição.
Páginas280-293

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Após debates que chegaram a ameaçar a própria existência da Justiça do Trabalho, a Reforma do Judiciário que tramitou no Congresso Nacional evoluiu para consagrar, com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, vigente a partir de 31 de dezembro de 2004, quando publicada, não apenas a permanência desse ramo especializado do Poder Judiciário como a ampliação de suas competências constitucionais, conforme nova redação dada ao art. 114 da Constituição Federal.

1. Competência ampla envolvendo relação de trabalho, sob qualquer regime legal (art 114, inciso I)

Há que se notar, desde logo, que a Justiça do Trabalho teve, em relação ao modelo original da Constituição de 1988, alterado o eixo competencial da relação de emprego e seus partícipes (apenas analisando as controvérsias decorrentes da relação de trabalho quando autorizada por lei) para a definição primordial da competência a partir da relação de trabalho, assim em sentido mais amplo, para alcançar todas as controvérsias envolvendo o trabalho humano que não se encontrem excepcionadas pela própria Constituição Federal.

Aliás, com a definição de um regime jurídico único para os servidores públicos, desde 1988 se discutia se as relações trabalhistas firmadas sob regime administrativo não seriam da competência da Justiça do Trabalho, o que acabou sendo expressamente consignado no Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, em 1990, em norma depois declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quando definiu que o anterior art. 114 da Constituição apenas contemplava relações de emprego e não relações de trabalho, pelo que as discussões administrativas envolvendo os servidores públicos não seriam da competência da Justiça do Trabalho, discussão que a EC n. 45/2004 parecia suplantar com a redação mais extensa a alcançar todas as relações de trabalho. No entanto, ao apreciar a ADI n. 3.395/DF, o STF, primeiro por decisão liminar do então Presidente, Ministro Nelson Jobim, e depois confirmada pelo Pleno, acabou o Excelso Pretório por dar uma paradoxal interpretação conforme à Constituição de Emenda Constitucional, sem revelar discussão acerca

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de tema vedado como cláusula pétrea ou redução de contexto por conta de norma constitucional inequivocamente contrária ao texto da nova redação dada ao art. 114, mas com base em precedente anterior que apreciara inconstitucionalidade de ampliação competencial decorrente de preceito contido no Estatuto dos Servidores Públicos Federais, denotando atuação mais política do que jurídica da interpretação equivocada, já que se pretendeu adiantar ao contexto da PEC n. 358/2005 - a Emenda Paralela da Reforma do Judiciário, que envolvendo temas pendentes por não analisados em ambas as Casas do Congresso, acres-cia exceção ao art. 114, I, da Constituição para assim expressamente excluir da competência da Justiça do Trabalho as causas envolvendo servidores públicos.

Mesmo com tais reduções competenciais decorrentes do comando interpretativo contido na liminar concedida na ADI n. 3.395/DF, outras questões emergem do contido no art. 114, inciso I, da Constituição, conforme EC n. 45/2004, inclusive com efeitos noutros incisos do referido artigo constitucional.

A mais colocada tem sido a discussão quanto ao trabalho de autônomos, sobretudo quando contraposto em relação ao Direito do Consumidor.

O art. 114, inciso I, da Constituição Federal, passa a dispor que são da competência da Justiça do Trabalho todas as causas oriundas da relação de trabalho, excetuadas, agora, por conta da ADI n. 3.395/DF, enquanto vigente a liminar concedida, apenas as que tenham por partes o Poder Público e servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, que denotam relação institucional de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativa.

Noto, no particular da relação envolvendo profissionais autônomos, que a CLT, na linha da outorga de competências correlatas decorrentes da anterior redação do art. 114 constitucional, já atribuía, como ora atribui, à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar as causas envolvendo as pequenas empreitadas, a par de reguladas em essência pelo Código Civil. Nisso, o diferencial da EC n. 45/2004 foi alargar o campo das atividades para envolver todas as modalidades de serviços autônomos, sempre que envolvido num lado o trabalhador, independentemente dos valores ou serviços contratados ou da qualificação dos profissionais, afastadas apenas as discussões em que sejam partes exclusivamente pessoas jurídicas ou em que o contratado prestador dos serviços não seja pessoa física. Percebe-se, pois, que todas as relações de trabalho descritas pelo vigente Código Civil, em que o serviço ou empreitada sejam realizados por pessoa física, são da competência da Justiça do Trabalho, a teor do art. 114, inciso I, da Constituição Federal, que não tem perda competencial pela origem do vínculo, como antes já decidira o Supremo Tribunal Federal.

Como diferenciar, contudo, a relação de trabalho de competência da Justiça do Trabalho da relação de consumo de competência da Justiça Comum?

As relações de consumo encontram-se reguladas pela Lei n. 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a teor dos comandos do art. 5º, XXXII, da Constituição Federal, e do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, revelando que o objeto é a proteção do consumidor perante o fornecedor de produtos ou de serviços. Por conta disso, toda a discussão perante a Justiça envolvendo relação de consumo, a teor do art. 81 e seguintes do CDC é pertinente a ter o consumidor ou a vítima do objeto do consumo como parte ativa ou interessada no processo individual ou coletivo promovido contra o fornecedor do bem ou do serviço questionado. Sempre que tal for o objeto da controvérsia, a competência é da Justiça Comum porque o que se discute, em essência, é a correção ou a qualidade do produto ou do serviço adquirido, ou a existência de vício, defeito ou falta de regular entrega conforme ajustado ou anunciado para a aquisição pelo consumidor. Doutro lado, as relações de trabalho encontram-se reguladas na Consolidação das Leis do Trabalho e ainda no vigente Código Civil (prestação de serviços: arts. 593-609; - empreitada: arts. 610-626; - depósito profissional: art. 628, parte final; - mandato: arts. 653-691; - comissionamento: arts. 693-709; - agenciamento e distribuição: arts. 710-721; corretagem: arts. 722-729; - transporte: arts. 730-756), sempre que a atividade tenha sido desenvolvida por trabalhador, independentemente da condição de empregado, autônomo, avulso, empreiteiro ou profissional liberal, se age em contraprestação a uma remuneração pelo trabalho desenvolvido, independentemente da qualificação do valor percebido pelo tomador dos serviços desenvolvidos ou deste próprio, baseado na utilização de suas capacidades físicas ou intelectuais para a realização de certo ato exigido ou ajustado. Ou seja, no âmbito da relação de trabalho, a discussão perante a Justiça envolve a defesa do trabalhador, ainda que sem subordinação direta ao tomador dos serviços, de modo a garantir a integridade e dignidade do ser humano na contraprestação do trabalho em troca

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dos alimentos necessários a sua subsistência e à de sua família.

Quando o objeto da controvérsia, portanto, é o trabalho e não seus resultados em relação ao tomador dos serviços, a competência para a causa é da Justiça do Trabalho, a teor do art. 114, inciso I, da Constituição Federal. Se o objeto da controvérsia, doutro lado, ainda que decorrente do trabalho, é o serviço prestado pelo profissional, em demanda promovida pelo tomador, na qualidade de consumidor, a competência para a causa é da Justiça Comum, porque a discussão não é o trabalho, mas o resultado questionado pelo consumidor.

A discussão, portanto, é distinta quando envolve o trabalho ou o produto ou serviço consumido. Nesse particular, as discussões, centradas exclusivamente no trabalho ou no consumo, e assim tendo como autores da demanda o trabalhador (profissional autônomo ou o empreiteiro) ou o consumidor, respectivamente, repercutem em causas da competência da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum, nesta ordem.

A questão competencial merece maior reflexão quando a discussão submetida a um ramo judiciário passa a resvalar em tema próprio do outro. A vis attractiva contida no art. 265, § 5º, parte final, do CPC, pois, resulta também noutro efeito similar quando não houver processos em curso simultaneamente na Justiça do Trabalho e na Justiça Comum a discutir, respectivamente, a relação de trabalho e a...

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