Da invalidade do negócio jurídico

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas388-407

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27. 1 Considerações introdutórias

Há um exemplo prático que pode esclarecer melhor o sistema da invalidade do negócio jurídico: É a hipótese de "A", uma pessoa interditada, vendendo para "B" a sua casa, comparecendo sozinha no Cartório de Notas e assinando a escritura pública de compra e venda. Nessa ocasião, o juiz não tomou conhecimento da nulidade e, passados dois anos, "B" vende o imóvel para "C"; depois este vende para "D" e, quando o bem encontrava-se em poder de "E", um parente próximo de "A", depois de 9 anos309da prática do ato da venda, leva ao conhecimento do juiz a nulidade absoluta existente.

O juiz, por sua vez, apenas verifica a existência da nulidade, declarando ser o ato praticado por "A" como sendo nulo, impondo a nulidade absoluta da venda, bem como de todas as vendas posteriores para que o imóvel retorne ao patrimônio de "A", mesmo que este se encontre morto.

Bem se está a ver que "B" foi totalmente negligente, omisso, em não verificar o que consta no "Distribuidor Forense" ou no assento de nascimento do vendedor. Veja o que dispõe o art. 1.184 do CPC, in verbis:

"A sentença de interdição produz efeito desde logo, embora sujeita a apelação. Será inscrita no Registro de Pessoas Naturais e publicada pela imprensa local e pelo órgão oficial por três (3) vezes, com intervalo de dez (10) dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição e os limites da curatela".

A propósito, o Tribunal decidiu, certa vez, o seguinte: "sem que previamente tenha sido interditado ninguém pode ser considerado incapaz" (in RT 447/63). É, pois, importante saber se juridicamente uma pessoa é ou não um doente mental.

Quando o negócio jurídico se apresenta de forma irregular, defeituosa, sendo ela grave, a lei fulmina o ato negocial com a penalidade de nulidade absoluta. Tratamos, então, até aqui, a existência de um negócio nulo.

O negócio jurídico pode ser menos grave e, para tanto, o ordenamento jurídico pode atribuir reprimenda menor. Por exemplo, imagine um rapaz com 17 anos fazendo um empréstimo, assinando uma nota promissória, sozinho,

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sem estar acompanhado do seu representante legal. É evidente de que o credor prejudicou o menor, pois, é direito deste com menos de 18 e maior de 16 anos, ao praticar o "ato negocial", estar assistido do seu representante legal.

Com amparo no sistema das nulidades, tem-se que o "ato negocial" da emissão do título de crédito sem a assistência é, indiscutivelmente, anulável, ou seja, o ato é válido no momento da emissão do título, mas poderá ser anulado judicialmente, dentro de certo tempo previsto pela lei.

27. 2 Considerações sobre a invalidade do ato ou negócio jurídico

Há duas categorias de nulidade: absoluta e relativa, ou seja, os atos ou negócios jurídicos ou são nulos, ou são anuláveis. Se a manifestação da vontade advém de agente capaz, tiver objeto lícito e obedecer à forma prescrita em lei, tem-se aí um ato ou negócio jurídico válido e, por isso, produz os efeitos desejados pelas partes. O contrário, se a manifestação volitiva advém de agente absolutamente incapaz, tiver objeto ilícito ou não obedecer à forma prescrita em lei, não gera os efeitos desejados pelas partes, o ato-negócio jurídico não será válido, ele é nulo; se a manifestação da vontade origina-se de um menor púbere ou o manifestante do ato tenha concordado em virtude de um vício de consentimento ou tenha sido ludibriado pela fraude, o ato é anulável. Analisa o conteúdo do art. 171 do CC, in verbis:

"Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores".

27. 3 Nulidade absoluta

A nulidade absoluta é gerada pelo ato nulo, do latim medieval nullitas, de nullus (nenhum, nulo). Pela nulidade absoluta o ato não tem valor algum. Não produz efeito algum, nem em juízo nem fora, porque tal ato, em verdade, nunca existiu.

A Revista dos Tribunais, vol. 735, pág. 350, publica a seguinte situação: Na venda de um terreno, por ocasião da escritura pública de compra e venda lavrada no Cartório de Notas, os transmitentes não a assinaram. O tribunal, por sua vez, considerou-a nula por preterição de alguma solenidade

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que a lei considera essencial para a sua validade, consoante estabelece o art. 166, V, do CC.

De fato, estabelece o referido art. 166 do CC que é nulo o negócio jurídico quando "for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade" (inc. V). E o § 1.º, VII, do art. 215 do CC considera da essência da escritura pública a "assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato".

O ato nulo produz a nulidade absoluta. Ele é destituído de qualquer valor, não existindo, juridicamente. Ele não produz nenhum efeito jurídico, isto porque não chega sequer a se formar, por ausência de um de seus elementos essenciais. Nessa condição, ele não pode ser ratificado. Qualquer interessado pode alegar a nulidade; o juiz, ao conhecê-la, deve declará-la de ofício.

Em suma, o ato nulo de pleno direito nenhum efeito produz em tempo algum, nem em juízo ou fora deste, porque tal ato não teve nascimento, nunca existiu. Nulo é todo ato a que faltam alguns dos requisitos ou formalidades que a lei impõe como essenciais à sua validade, ou que foi formado em desacordo com uma disposição proibitiva da lei. Sendo nulo, é o ato-negócio jurídico ineficaz, ou seja, a ineficácia jurídica é sanção correspondente aos atos nulos. "O contrato de locação cujo objeto é a locação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios é nulo de pleno direito, porque viola frontalmente o art. 231, § 6.º, da CF/88. Ausência, ademais, de um dos elementos essenciais do negócio jurídico, qual seja o objeto lícito do ato jurídico" (in RT 744/407).

27.3. 1 Casos de nulidade absoluta

"É nulo o negócio jurídico - diz o art. 166 do CC - quando:

I - "celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

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VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção".

O art. 167 complementa: "É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma". Portanto, os atos simulados são atos nulos.

Ocorrendo qualquer das hipóteses supra, tem-se como causa de nulidade absoluta do negócio jurídico.

27.3.1.1 Ato celebrado (pessoalmente) por pessoa absolutamente incapaz

As pessoas absolutamente incapazes estão relacionadas pelo art. 3.º do CC. Estão proibidas de praticar, pessoalmente, o ato-negócio jurídico. Assim, qualquer negócio celebrado diretamente pelos menores de 16 anos, pelos portadores de enfermidade ou deficiência mental, que não tiverem o necessário discernimento para a prática dos negócios jurídicos (caso dos loucos) ou pelas pessoas que não puderem exprimir sua vontade, mesmo que seja de causa transitória, (caso dos surdos-mudos que não puderem exprimir a sua vontade), estão eivados de nulidade absoluta, podendo esta ser alegada por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público quando lhe couber intervir, e deve ser declarada pelo juiz, de ofício, quando este tomar conhecimento, consoante mostra o art. 168 transcrito acima. "O interdito, não sendo pessoa capaz, não pode dispor de órgãos e partes do próprio corpo vivo, ainda que para fins humanitários e terapêuticos. A decisão de doar tais órgãos é personalíssima, não havendo ensejo para a interferência de tutores ou curadores ou para a atuação judicial" (in RT 612/66). "Em se tratando de menores impúberes, são absolutamente incapazes para a outorga de procuração, tanto por instrumento particular, como por instrumento público, eis que inibidos de emitir consentimento como requisito integrativo à validade do respectivo ato jurídico" (in RT 709/168).

Portanto, todo ato-negócio jurídico em que estas pessoas participem pessoalmente não gera qualquer efeito.

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27.3.1.2 Ato cujo objeto é ilícito, impossível ou indeterminável

O negócio jurídico, que inclui o objeto ilícito, impossível ou indeterminável, é considerado nulo de pleno direito.

  1. OBJETO ILÍCITO: é aquele proibido pela lei. A declaração falsa no assento de nascimento, por exemplo, é um ato que tem por objeto um fato ilícito, contrário à ordem pública. "A falsa declaração perpetrada pelo autor na escritura pública de reconhecimento de paternidade, não sendo ele o pai de sangue da reconhecida, - decidiu o TJRJ - se reveste de todas as características de um ato ilícito, penalmente punível". Outro exemplo: agir como instituição financeira, sem estar autorizado pelo Banco Central do Brasil é uma atividade ilícita e não permitida, por contrariar a lei. O art. 44, § 7.º, da Lei 4.595/64 dispõe que "qualquer pessoa física ou jurídica que atue como instituição financeira, sem estar autorizada pelo Banco Central do Brasil, fica sujeita à multa definida...

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