Da execução em face da massa falida e empresa em recuperação judicial

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Páginas509-518

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A recuperação judicial "é ação judicial pela qual o devedor - empresário ou socie-dade empresária - busca sua reabilitação, mediante a apresentação de um plano aos seus credores, à exceção dos tributários, cuja aprovação, na forma da lei, redunda em favor legal concedido judicialmente e importa na assunção de diversos compromissos pelos interessados"12.

Trata-se, na verdade, de um favor legal para que a empresa que esteja em situação de dificuldade temporária possa ter um prazo mais dilatador para pagar os credores e voltar a ter saúde financeira.

Nesse sentido, dispõe o art. 47 da Lei n. 11.101/05:

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Conforme o art. 47 da Lei n. 11.101/05, estão sujeitos a recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. Desse modo, a recuperação judicial não gera efeitos para os créditos constituídos após o pedido de recuperação judicial.

Nos termos do art. 54 da Lei n. 11.101/05, o plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. Nos termos do parágrafo único do presente dispositivo, o plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.

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Conforme o § 4º do art. 6º da Lei n. 11.101/05, na recuperação judicial, a suspensão das dívidas em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciarem ou continuarem suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

Confrontando-se o art. 54 e § 4º do art. 6º da Lei n. 11.101/05, há contradição quanto aos prazos, uma vez que o art. 6º fala em suspensão das dívidas, aí incluídas as trabalhistas, por 180 dias, enquanto o art. 54 disciplina o prazo de um ano para pagamento das dívidas trabalhistas.

De nossa parte, a melhor interpretação dos referidos dispositivos legais é no seguinte sentido: a empresa em recuperação judicial tem o prazo de um ano para pagamento das dívidas trabalhistas inscritas no plano de recuperação judical dentro do prazo de 180 dias, contados do deferimento do processamento da recuperação. Se as dívidas trabalhista vencidas à época do deferimento da recuperação não estiverem inscritas no plano de pagamento no prazo de 180 dias, a execução prosseguirá diretamente na Justiça do Trabalho.

No aspecto, destacamos as seguintes ementas:

AGRAVO DE PETIÇÃO LEI N. 11.101/2005 HABILITAÇÃO DO CRÉDITO TRABALHISTA JUNTO AO PROCESSO DE RECUPERAÇÃOJUDICIAL. Transcorrido o prazo de suspensão das ações e execuções (180 dias), não tendo a executada trazido aos autos qualquer documento no sentido de comprovar a homologação do plano de recuperação judicial, ou até mesmo a convolação da recuperação em falência, não há falar-se em habilitação do crédito do reclamante, nos autos da recuperação judicial. Prosseguimento da execução nesta Justiça Especializada. (TRT/SP - Acórdão n. 20131061440, 3ª Turma, relª. Desª. Rosana de Almeida Buono, DOE/SP 4.10.2013)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ADJUDICAÇÃO ANTERIOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EXECUÇÃO. SUSPENSÃO. PRAZO. PLANO DE RECUPERAÇÃO NÃO APROVADO. 1. Na hipótese de os bens terem sido adjudicados em data anterior ao deferimento do processamento da recuperação judicial, a Justiça do Trabalho deve prosseguir no julgamento dos demais atos referentes à adjudicação. 2. Ultrapassado o prazo de 180 dias previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005, deve ser restabelecido o direito dos credores de continuar suas execuções contra o devedor, se não houver plano de recuperação judicial aprovado. 3. Agravos regimentais providos para não conhecer do confiito de competência. (AgRg no CC 105345/DF agravo regimental no confiito de competência 2009/00990449 - Ministro relator Fernando Gonçalves - Órgão Julgador Segunda Seção - Data 28.10.2009 - Data da publicação/Fonte DJe 6.11.2009, DECTRAB, vol. 185 p. 265)

A falência é um processo judicial complexo, em que são arrecadados os bens do devedor e nele são concentradas diversas execuções (tributárias, trabalhistas e civis). Posteriormente, os bens do devedor serão alienados e, com o produto desta, serão pagos os credores segundo uma ordem legal de preferência.

Sempre foi polêmica a questão da competência para a execução em face da massa falida na Justiça do Trabalho.

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Há os defensores da competência para a execução até os seus atos finais, argumentando o privilégio do crédito trabalhista e a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho em face do que dispõe o art. 114 da CF.

Nesse sentido destacamos a seguinte ementa:

FALÊNCIA DO EMPREGADOR - A falência do empregador não impede que a execução prossiga nos autos da reclamação trabalhista, haja vista a prevalência do texto do art. 114, da CF/88 sobre o DL n. 7.661/45. Demais disso, fazendo um paralelo entre a Lei n. 6.830/80 e o DL n. 7.661/45, temos que o art. 5º, da Lei dos Executivos Fiscais determina que a competência para a execução dos créditos da Fazenda Pública excluiu qualquer outro juízo. Ora, se o crédito trabalhista se sobrepõe até mesmo ao fiscal, com maior razão para que a execução se processe perante a Justiça do Trabalho. Recurso da reclamada a que se nega provimento. (RT - 9º R. - Ap. 3.611/95 - 5ª T. - Ac. 9841/96 - rel. Juiz José Montenegro Antero - DJPR 24.5.1996)

Não obstante as boas intenções dos que defendem que a execução em face da Massa Falida seja processada na Justiça do Trabalho, pensamos que esta não é melhor interpretação, pois todo o esforço do processo falimentar converge para o pagamento de todos os credores ou ao menos o pagamento de uma boa parte do crédito para cada um. Prosseguindo-se a execução na esfera do Judiciário Trabalhista, tem-se a possibilidade de pagamento integral de boa parte dos processos que tramitam na Justiça do Trabalho, mas há o risco de ficar descoberto o crédito de inúmeros outros credores do falido, cujos processos tramitam no Juízo Falimentar.

Desse modo, pensamos que a norma deve ser interpretada com bom-senso, razoabilidade e proporcionalidade. Pensamos ser mais razoável que o processo em face da massa falida tramite na Justiça do Trabalho até a fixação do crédito do reclamante em definitivo (julgamento final da liquidação). Após, deverá ser expedida certidão para habilitação no juízo universal.

Nesse sentido dispõe o art. 6º, § 2º, da Lei n. 11.101/2005, in verbis:

A decretação da falência ou deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do dever inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

(...) § 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.

Pensamos, diante da clareza do disposto no art. 6º, § 2º, da Lei n. 11.101/2005, não ser mais possível o prosseguimento da execução na Justiça do Trabalho, tampouco a declaração de desconsideração da personalidade jurídica da empresa na Justiça do Trabalho e penhora dos bens dos sócios da empresa falida, uma vez que a finalidade social da lei converge no sentido de que todos os credores das empresas em recuperação judicial ou em estado falimentar, efetivamente, recebam seus créditos e que a empresa recupere suas forças e volte a operar. Isso somente será possível mediante um esforço de todos os credores e de todos os juízes que detêm processos trabalhistas em face de empresas em recuperação judicial ou em estado falimentar.

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No mesmo sentido, a seguinte ementa:

Falência - Habilitação do crédito trabalhista. Havendo falência da empresa, a competência da Justiça do Trabalho vai até o momento em que é definido o crédito do trabalhador. A partir daí, o empregado deve...

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