Relativização da Coisa Julgada

AutorDiego Fernandes Estevez
Ocupação do AutorEspecialista em Processo Civil pela UFRGS; Mestrando em Direito pela PUC/RS; Advogado.
Páginas161-179

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SUMÁRIO: 1 Delimitação do Tema. 2 Coisa Julgada. 3 Relativização da Coisa Julgada. 4 Embargos e Impugnação da Decisão Inconstitucional. 5 Ação Direta de Inconstitucionalidade. 6 Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade. 7 Declaração de Inconstitucionalidade e Coisa Julgada.
8 Conclusões. 9 Bibliografia.

1 Delimitação do Tema 1 Delimitação do Tema1 Delimitação do Tema 1 Delimitação do Tema1 Delimitação do Tema

Constituição, jurisdição e processo são temas que já não possuem tratamento estanque. Pelo contrário, são assuntos que se entrelaçam e, para uma boa compreensão de cada um deles, deve haver, sempre, uma análise conjunta.

O tema a ser tratado, é uma prova de que, atualmente, se tornou impossível a visão de cada instituto em separado. A coisa julgada é disciplinada constitucional e legalmente. Há acirrada discussão acerca da desconstituição da coisa julgada em situações aberrantes ou inconstitucionais. Afora tal debate, há previsão expressa em nosso CPC de embargos e impugnação com o fito de desconstituir decisão inconstitucional. Toda essa situação não pode perder de vista o jurisdicionado, a efetividade do processo e a estabilidade das relações jurídicas.

No presente trabalho será feita uma análise do instituto da coisa julgada, e um apanhado sobre a maior parte das posições e polêmicas a respeito de sua relativização, com as devidas críticas e sugestões. Será abordado também a ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) e as possibilidades de desconstituição da execução fundada em decisão declarada inconstitucional pelo STF ou em normas com interpretação tidas como incompatíveis com a Constituição Federal. Ao fim, serão apresentadas as principais conclusões.

* Especialista em Processo Civil pela UFRGS; Mestrando em Direito pela PUC/RS; Advogado.

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A coisa julgada é uma qualidade atribuída à eficácia declaratória da sentença1, com a finalidade de tornar imutável a decisão sobre a lide posta em juízo.2Assim, aquilo que foi declarado no processo findo já não pode mais ser discutido. Nas palavras de Sérgio Porto: “a coisa julgada representa, efetivamente, a indiscutibilidade da nova situação jurídica declarada pela sentença e decorrente da inviabilidade recursal.”3Há distinção entre coisa julgada formal e material.

A sentença transita formalmente em julgado quando não é interposto qualquer recurso da decisão. Dessa forma, naquele processo já não existe a possibilidade de se rediscutir a matéria.

A coisa julgada material vai além. Não se restringe à impossibilidade de discussão da lide no processo. As partes ficam impedidas de rediscutir o conteúdo da sentença. Aquela relação litigiosa já não poderá ser trazida à apreciação do Judiciário.

No processo sempre há a coisa julgada formal, mas nem sempre a material. Por exemplo, a sentença que extingue o processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC) faz apenas coisa julgada formal4. Naquele processo já não se pode rediscutir a lide, que, entretanto, pode ser renovada em uma nova ação (art. 268 do CPC).

A coisa julgada material é sempre acompanhada da coisa julgada formal. Quando o juiz, por exemplo, condena o réu a pagar uma quantia, a ausência de recurso faz com que aquela relação não possa mais ser discutida naquele processo (coisa julgada formal) e entre aquelas partes (coisa julgada material).

2 Coisa Julgada
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1 Todas as sentenças possuem uma determinada carga de declaração. Mesmo aquelas que condenam, ordenam ou executam, o fazem através de uma declaração. Nesse sentido: MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado das ações, Tomo 1. São Paulo: Bookseller, 1998. p. 131.

2 Nesse sentido: SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Sentença e Coisa Julgada. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 74.

3 PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julgada Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
53.

4 Produzem apenas a coisa julgada formal: a) sentença meramente processual; b) sentença de carência de ação; c) sentença cautelar; d) sentença na jurisdição voluntária; e) execução. TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. Disponível em: . Acesso em: 02 mar. 2007.

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O trânsito em julgado da ação é indispensável para conferir o mínimo de estabilidade às relações sociais. É a garantia do cidadão de que terminado o processo, independente de seu resultado, a sentença é perene. Tal segurança é fundamental. Caso contrário, a todo tempo poderiam ser revistas condenações, indenizações, registros de propriedade, etc, trazendo uma insustentável sensação de insegurança. Assim, o instituto da coisa julgada coloca-se como um dos pilares fundamentais de sustentação da ordem jurídica.

A coisa julgada é protegida constitucionalmente do legislador. O texto constitucional é claro nesse sentido:

Art. 5º, XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (grifo nosso)

Em outras palavras, a imunização da coisa julgada, em sede constitucional, não diz respeito ao Judiciário, e sim, ao Legislativo. Portanto, é inconstitucional a lei editada com o intuito de desfazer a coisa julgada.

Precisa é a lição de Araken de Assis:

À margem de quaisquer considerações acerca das sinuosas vias do desenvolvimento histórico do direito intertemporal, e do seu regime concreto entre nós, três aspectos se evidenciam no inciso em foco. Em primeiro lugar, a proibição se dirige ao legislador, ante a explícita menção inicial à figura da “lei”, notório e conspícuo produto do processo legislativo, nele apontada como potencial vetor deliqüescente. Ademais, o bem jurídico tutelado consiste na segurança: na ausência desse veto, o legislador assumiria funções onipotentes, quiçá sucumbindo à influência de fatores conjunturais para subtrair dos particulares seus direitos, inclusive aqueles reconhecidos por pronunciamento judiciário.5A proteção da coisa julgada do Judiciário tem sede legal6(arts. 467 e seguintes do CPC). Portanto, constitucionalmente, impedido não está o juiz de desconstituir a decisão transitada em julgado.

5 ASSIS, Araken de. Eficácia da coisa julgada inconstitucional. Revista Jurídica Notadez, n. 301, ano 50, Porto Alegre, nov., 2002. p 7.

6 Nesse sentido: DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. Cadernos de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, 1998. p. 51. THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, vol. VIII, coordenador Wille Duarte Costa, Belo Horizonte, 2001. p. 53. Em sentido contrário, sustentando a proteção constitucional da coisa julgada inclusive em relação ao Judiciário. PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julgada Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.58.

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Em síntese, a proteção da coisa julgada existe, porém, é relativa, e ocorre em dois planos: o constitucional e o legal; o primeiro destina-se ao Legislativo e o segundo ao Judiciário.73 Relativização da Coisa Julgada
3 Relativização da Coisa Julgada3 Relativização da Coisa Julgada


3 Relativização da Coisa Julgada3 Relativização da Coisa Julgada

Em nosso código sempre houve a possibilidade da desconstituição da decisão transitada em julgado pela via da ação rescisória (art. 485 do CPC) no prazo de dois anos (art. 495 do CPC), a fim de resguardar o direito e evitar que seja causada lesão àquele que tem razão. De uma forma geral, o que se buscou foi evitar vantagens obtidas através de fraudes de toda espécie, insuficiência de provas ou interpretação manifestamente equivocada do texto legal.

Recentemente, novas hipóteses de relativizar8a coisa julgada passaram a ser discutidas: em razão de “manifesta injustiça ou inconstitucionalidade” da decisão.

Algumas das principais ações a chamarem a atenção foram as de investigação de paternidade e as indenizações em desapropriações. Antes do advento do exame de DNA, as investigatórias de paternidade eram julgadas com base em provas não conclusivas, como a prova testemunhal. A evolução científica fez com que passasse a se questionar tais decisões. Nas indenizações em desapropriações ocorrem casos em que a fazenda pública paga duas vezes pela mesma propriedade, ou paga valores exorbitantes em razão de laudos forjados. Ocorreram também situações em que o grande tempo de tramitação do processo, combinado com uma economia instável e sucessivos planos econômicos, em alguns casos, a indenização tenha se tornado excessiva ou irrisória.

As decisões inconstitucionais também passaram a poder ser atacadas após o trânsito em julgado a fim de resguardar a supremacia da Constituição.

7 THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, vol. VIII, coordenador Wille Duarte Costa, Belo Horizonte, 2001. p. 53-54.

8 Por questão de didática será utilizada neste texto a expressão relativização da coisa julgada tal qual preferiu adotar a maior parte da doutrina, apesar de se acolher a ressalva de Barbosa Moreira de que se trata, em verdade, de uma ampliação da relativização, visto que a coisa julgada já não era absoluta, uma vez que a ação rescisória já se mostrava como instrumento hábil para tanto. Ver MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada material. GENESIS –...

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