Da captação ilícita de sufrágio a que se refere o art. 41-A da Lei 9.504/97

AutorDaniel Castro Gomes da Costa - Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Páginas149-161

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1. Resumo

A cada eleição se percebe o esforço da Justiça Eleitoral em combater as fraudes eleitorais, notadamente a captação ilícita de sufrágio, conhecida pela figura da compra de votos.

A cada eleição também se percebe a ousadia de alguns políticos, fruto, quiçá, da sensação de impunidade que ainda graça na sociedade; fruto da cultura benevolente de alguns políticos, que teimam em apresentar como herói ou mártir àquele colega que se viu condenado por malversação do dinheiro público, como ocorreu no caso Mensalão, julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Nunca tivemos tanta demonstração de irresponsabilidade político-partidária, que graça também pela irresponsabilidade administrativa, principalmente num quadro de partidarização da administração pública.

É nesse ambiente sombrio que começa a ganhar efetividade o art. 41-A da Lei 9.504/1997, com as modificações da Lei 12.034/2009, que veda a captação de sufrágio por parte do candidato, ao doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública.

O presente texto analisará se a conduta do candidato desidioso, ao se utilizar da simplicidade cultural ou econômico-financeira do eleitor, não estaria retirando dele a dignidade ou o sentimento de não exercício da cidadania.

2. Introdução

Compreender o direito e aplicá-lo é tarefa árdua. Como observa a professora Margarida Maria LACOMBE CAMARGO, compreender é buscar o significa-

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do de alguma coisa em função das razões que a orientam. Não basta detectarmos o fato e encaixá-lo a uma lei geral e abstrata dando-lhe concretude, como se a subsunção da premissa menor à premissa maior conferisse uma solução necessária, mediante operação puramente formal.1Depois de afirmar que o encontro com o direito é diversificado, às vezes confiitivo e incoerente, às vezes linear e consequente, Tércio Sampaio FERRAZ JR. esclarece que o direito aparece, para o vulgo, como um complicado mundo de contradições e coerências, pois, em seu nome tanto se veem respaldadas as crenças em uma sociedade ordenada, quanto se agitam a revolução e a desordem. O direito contém, ao mesmo tempo, as filosofias da obediência e da re-volta, servindo para expressar e produzir a aceitação do status quo, da situação existente, mas aparecendo também como sustentação moral da indignação e da rebelião.2

Se árdua a tarefa de compreender e aplicar o direito, difícil explicar ao leigo que alguns candidatos se elegem se utilizando do infortúnio e da desgraça alheia, notadamente na compra de votos; se elegem abusando da carência cultural e financeira do eleitor.

3. Os direitos fundamentais da terceira e quarta gerações

No final do século XX, observa-se o surgimento dos direitos fundamentais da terceira geração, que objetivam não mais tutelar os interesses individuais ou coletivos, mas sim proteger o próprio ser humano, "como valor supremo de sua existência terrena, garantindo-lhe, dentre outros, o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente sadio e à comunicação".3Tal geração de direitos fundamentais visa à alforria do homem e é munida de grande teor humanista e universal. Nesse sentido, "têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta".4Comumente os direitos fundamentais da terceira geração recebem a denominação "de direitos de fraternidade ou de solidariedade", sendo que os direitos

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mais citados dessa fase são os direitos ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.5

Interessante notar que a titularidade de exercício dos direitos desta fase pertence à coletividade de modo geral, muitas vezes até "indefinida e indeterminável, o que se revela, a título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e à qualidade de vida, os quais, em que pese ficar preservada sua dimensão individual, reclamam novas técnicas de garantia e proteção".6Assim, a evolução dos direitos fundamentais, ocorrida até os dias atuais, levou em conta a necessidade de assegurar ao ser humano os mínimos direitos individuais e coletivos, o que retrata o momento histórico e o contexto social em que as três gerações de direito surgiram.

Surge também direitos fundamentais da quarta geração. Paulo BONAVIDES defende a existência dessa dimensão dos direitos fundamentais pela existência no mundo do fenômeno da globalização política, longe do alcance da ideologia neoliberal, que se concentra na teoria dos direitos fundamentais.7

Uma globalização dos direitos fundamentais "equivale a universalizá-los no campo institucional". A globalização política, aplicada à esfera normativa, engendra os direitos da quarta geração, o que, em última análise, representa a "institucionalização do Estado social".8

O principal processo em curso hoje não é tanto a positivação de novos direitos fundamentais, mas sim a consolidação daqueles já existentes, tornando-os presentes no dia a dia dos indivíduos e das comunidades, a exemplo do que ocorre com a lei da ficha limpa e a de captação ilícita de sufrágio, dois instrumentos importantíssimos para o exercício pleno da cidadania, visando conferir maior respeito à soberania do voto. É a busca da proteção que se deve dar ao eleitor de menor poder aquisitivo, ao hipossuficiente e àquele isolado de come-zinha ou inexistente educação.

Tem-se que o estudo dos direitos fundamentais em gerações é aqui utilizado para efeitos didáticos, porquanto tais direitos possuem como características a unidade e a indivisibilidade. Assim, a realização completa de qualquer direito

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não pode ser levada de forma isolada, mas sim conjugando todos os demais direitos existentes, independente de fases ou gerações a que pertençam.

4. Da proteção do eleitor hipossuficiente

Embora o texto seja analisado sob a ótica do eleitor hipossuficiente, o certo é que há eleitor letrado e de considerável poder aquisitivo que também contribui para a ocorrência da compra de votos. O ponto aqui abordado, no entanto, se refere àquele menos favorecido, que vive à margem da sociedade, não raro porque não teve a oportunidade ou acesso a uma boa educação.

Dizia Abraham Lincoln que a democracia é the government of the people, by the people, for the people, ou seja, é o governo do povo, para o povo e pelo povo. Este conceito traz a amplitude da importância de que se reveste a participação popular de forma livre, consciente, no governo, com a plenitude da observância do respeito à dignidade da pessoa humana que, na preciosa observação de José JAIRO GOMES9, "encontra-se na base de qualquer regime que se pretenda democrático", com incentivo do agir ético e responsável.

Neste contexto, o exercício da cidadania é requisito indispensável.

A Constituição Federal, em seu artigo 1º, estabelece que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e livre iniciativa, bem assim o pluralismo político, consagrando o parágrafo único que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Ainda, a Carta Magna estabelece, em seu artigo 14, que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e nos termos da lei".

Como leciona José JAIRO GOMES10, "sufrágio e voto não se confundem. Enquanto o sufrágio é um direito, o voto representa seu exercício. Em outras palavras, o voto é a concretização do sufrágio".

Existe, portanto, um arcabouço jurídico, cujo regramento infraconstitucional está alicerçado na observância das garantias constitucionais, com o objetivo de assegurar a plenitude da democracia, de modo que o respeito à dignida-

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de da pessoa humana seja a certeza de que o voto possa representar também a certeza de que o exercício da cidadania seja uma realidade.

Onde existe o respeito à dignidade da pessoa não há espaço para o crescimento...

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