Da boa-fé das partes na execução trabalhista

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas110-140

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1. Dos deveres das partes e procuradores

Na linguagem popular, diz-se que o processo não é instrumento para se levar van-N tagem, por isso, todos os sujeitos que nele atuam, principalmente os atores principais (juiz, advogados, autores e réus), devem se pautar acima de tudo pela ética e honestidade. Assim, os capítulos do Código de Processo Civil que tratam dos deveres das partes e dos procuradores, bem como da litigância de má-fé, ganham destaque na Justiça do Trabalho, como inibidores e sancionadores de condutas que violem os princípios da lealdade e boa-fé processual.

Como destaca Calamandrei, o processo se aproximará da perfeição quando tornar possível, entre juízes e advogados, aquela troca de perguntas e respostas que se desenrola normalmente entre pessoas que se respeitam, quando, sentadas em volta de uma mesa, buscam em benefício comum esclarecer reciprocamente as ideias.

Lealdade é conduta honesta, ética segundo os padrões de conduta aceitos pela sociedade. É agir com seriedade e boa-fé.

Leonel Maschietto1, em excelente obra sobre o tema, nos de?ne o conceito de boa-fé:

Conceituar-se boa-fé não se faz por tarefa fácil, principalmente por se tratar de questão do ramo metafísico, cuja existência varia de acordo com os juízos de valor de cada comunidade jurídica. Na de?nição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, a boa-fé nada mais é do que a certeza de agir com amparo da lei, ou sem ofensa a ela, com ausência de intenção. É a ausência de intenção dolosa.

Prossegue o professor Maschietto2, diferenciando a boa-fé subjetiva da objetiva:

(...) boa-fé subjetiva envolve conteúdo psicológico, confundindo-se com o instituto da lealdade e fundamentada na própria consciência do indivíduo,

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que teria sua íntima e particular convicção, certa ou errada, acerca do Direito; boa-fé objetiva, instituto que engloba toda gama de valores morais da sociedade, adicionados à objetividade da atenta avaliação e do estudo das relações sociais.

Conforme Ernesto Eduardo Borba, citado por Américo Plá Rodriguez (Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 420), “a boa-fé não é uma norma — nem se reduz a uma ou mais obrigações —, mas é um princípio jurídico fundamental, isto é, algo que devemos admitir como premissa de todo o ordenamento jurídico. Informa sua totalidade a a?ora de maneira expressa em múltiplas e diferentes normas, ainda que nem sempre se menciona de forma explícita”.

A boa-fé é um princípio geral de Direito, aplicável principalmente na esfera do direito material do trabalho, mas também se destaca na esfera do direito processual do trabalho, considerando-se o caráter publicista da relação jurídica processual trabalhista e também o prestígio do processo do trabalho na sociedade capitalista moderna, como um meio con?ável e ético de resolução dos con?itos trabalhistas.

O Código Civil Brasileiro disciplina a boa-fé como princípio fundamental dos contratos. Com efeito, dispõe o art. 422, do Código Civil Brasileiro:

Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Ficou expressamente normatizado o princípio da boa-fé objetiva. No aspecto ensina Maria Helena Diniz, “a boa-fé subjetiva é atinente ao fato de se desconhecer algum vício do negócio jurídico. E a boa-fé objetiva, prevista no artigo sub examine, é alusiva a um padrão comportamental a ser seguido baseado na lealdade e na probidade (integridade de caráter), impedindo o exercício abusivo de direito por parte de um dos contratantes, no cumprimento não só da obrigação principal, mas também das acessórias, inclusive do dever de informar, de colaborar e de atuação diligente” (Código Civil Anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 406).

Dispõe o art. 14 do Código de Processo Civil:

São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; II – proceder com lealdade e boa-fé; III – não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito; V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou ?nal. Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser ?xado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão ?nal da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.

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A CLT não contém disposição semelhante a respeito. Portanto, pensamos inteiramente aplicável ao processo do trabalho o disposto no art. 14 do CPC, uma vez que há compatibilidade com os princípios que norteiam esta esfera do Direito processual. Como bem adverte Ricardo Verta Ludovice3: “ética e justiça, ambas entendidas em seu sentido mais lato, hão sempre de caminhar de mãos dadas. Portanto, a aplicação subsidiária do art. 14 do CPC é, para dizer, no mínimo, inquestionável”.

No mesmo diapasão, sustenta com propriedade Carlos Henrique Bezerra Leite4:

“O conteúdo ético do processo encontra fundamento no princípio da probidade processual. A CLT é omissa a respeito da ética processual, razão pela qual impõe-se, a nosso ver, a aplicação subsidiária do CPC”.

Nesse sentido, destacamos a seguinte ementa:

Litigância de má-fé — Aplicação no processo do trabalho. O princípio da lealdade processual com a consequente sanção pela conduta temerária ou protelatória da parte, tem plena aplicação no processo do trabalho, por força da subsidiariedade dos arts. 14 e 17 do CPC. Recurso conhecido e desprovido (TST – 2a T. – Ac. n. 11170/97 – rel. Min. Moacyr Roberto Tesch – DJ
28.11.97 – p. 62.432).

Conforme o art. 15 do Código de Processo Civil, é defeso às partes e seus advogados empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las. Quando as expressões injuriosas forem proferidas em defesa oral, o juiz advertirá o advogado que não as use, sob pena de lhe ser cassada a palavra.

2. Da litigância de má-fé no processo do trabalho

A litigância de má-fé caracteriza-se como a conduta da parte, tipi?cada na lei processual (art. 17 do CPC), que viola os princípios da lealdade e boa-fé processual, bem como atenta contra a dignidade e seriedade da relação jurídica processual.

Conforme Nélson Nery Júnior5, má-fé “é a intenção malévola de prejudicar equiparada à culpa grave ou erro grosseiro. O art. 17 do CPC de?ne casos objetivos de má-fé. É difícil de ser provada, podendo o juiz inferi-la das circunstâncias e dos indícios existentes nos autos”.

A pena por litigância de má-fé é a sanção, prevista na lei processual, que tem a ?nalidade de inibir (prevenir) e reprimir os atos do litigante de má-fé .

Ao contrário do que sustentam alguns, o título da litigância de má-fé previsto no CPC é integralmente compatível com o Processo, por força do art. 769 do CPC. Aplica-se tanto ao reclamante como ao reclamado, pois a ?nalidade da lei é assegurar a dignidade do processo, como um instrumento público e con?ável de materialização da justiça.

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Ainda que se possa sustentar a hipossu?ciência do reclamante no processo do trabalho, este argumento, data venia, não pode ser utilizado como escudo para se permitir a lide temerária do trabalhador na Justiça do Trabalho, pretensões formuladas fora da razoabilidade, ou de forma abusiva. No cotidiano da Justiça do Trabalho, constatamos muitos exemplos de má-fé por parte do próprio trabalhador, e esse fato se potencializa considerando-se a expectativa da revelia do reclamado, ou até mesmo um acordo mais vantajoso para o trabalhador.

Nesse sentido, destacamos a seguinte ementa:

Litigância de má-fé. Aplicação subsidiária do processo civil. Finalidade primordial. Ficando evidenciado, especialmente pelas matérias abordadas no recurso, que a parte se valeu do processo para a prática de atos protelatórios que obviamente atentam contra os princípios éticos que informam e devem presidir as relações em juízo (arts. 14 e 17 do CPC), deve ser penalizada com as decorrências da litigância de má-fé, previstas no art. 18 do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária e obrigatória no processo do trabalho, como fatores de moralização e voltados à defesa da dignidade do próprio Poder Judiciário (TRT – 12a R. – 1a T. – Ac. n. 2806/97 – rel. Juiz César de Souza – DJSC 7.4.97 – p. 176).

O art. 17 do CPC apresenta o rol que tipi?ca a litigância de má-fé. Dispõe o referido dispositivo:

Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injusti?cada ao andamento do processo; V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidentes manifestamente infundados; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

O referido dispositivo aplica-se integralmente ao processo do...

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