Crítica ao Sentido de Unicidade Sindical no Estado Democrático de Direito

AutorCristiane Maria Freitas de Mello - Maurício Veloso Queiroz
CargoAdvogada e professora - Advogado. Mestre em Direito da Sociedade da Informação (Faculdades Metropolitanas Unidas)
Páginas9-16

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1. Introdução

A negociação coletiva vem assumindo novos contornos e funções diante dos desafios das socieda-des complexas, especialmente para adaptação permanente às constantes mudanças socioeconômicas.

Diz-se isso porque, ante a pluralidade de situações sociais, econômicas, políticas e culturais, sobretudo nas relações de trabalho, não podem os sujeitos coletivos aguardar a resposta do Estado legislador, que em geral é lenta, especialmente quando se trata da regulação das relações entre o capital e o trabalho, não obstante a globalização que induz uma percepção de celeridade também no campo normativo.

Nessa linha de ideias, os sindi-catos profissionais só estarão aptos às novas funções da negociação coletiva se estiverem preparados para um constante debate dialético, com a interação do maior número possível

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de pontos de vista sobre a questão a ser decidida, o que demanda a maior participação possível de seus representados.

Dessa conclusão decorre a indagação sobre se os sindicatos brasileiros possuem força representativa para serem considerados aptos à concretização dessa negociação numa perspectiva de real defesa dos interesses dos trabalhadores.

O estudo parte, portanto, do necessário exame da questão concernente à representatividade sindical e da indispensável associação entre liberdade sindical e democracia, para, posteriormente, defender uma interpretação do modelo de unicidade à luz dos princípios democráticos, com o exame da representatividade, a partir da refiexão sobre o conceito de categoria, previsto no artigo 511 da Consolidação das Leis do Trabalho, à luz do texto constitucional.

2. Novas perspectivas da negociação coletiva

A negociação coletiva, antes reduzida a um mero instrumento de pacificação de confiitos, atualmen-te é concebida como um processo caracterizado por um conjunto de atividades sequenciadas de comunicação, pressão e ações de convencimento, desenvolvidas pelos sujeitos coletivos e permeadas pela boa-fé objetiva.

Também já se apresenta como mecanismo para alcançar novos objetivos como a reorganização ou modulação dos tempos de trabalho, representação dos trabalhadores no nível da empresa ou de grupo, proteção da condição de saúde no trabalho e coordenação das lutas contra discriminações.

No Brasil, a negociação coletiva alcança um patamar privilegiado na relação de trabalho e de composição dos confiitos com a Constituição de 1988, que elevou a negociação à condição de direito fundamental dos trabalhadores (artigo 8º, inciso VI), entendendo-a como condição obrigatória no aforamento de dissídio coletivo econômico (artigo 114, § 2º), além de modo fiexibilizatório1 de direito (artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV).

A questão que se põe, no entanto, é se a negociação coletiva2, como um direito constitucional assegurado, em sua atual complexidade e sendo a expressão de uma liberdade e de uma autonomia coletiva, está sendo um mecanismo efetivo de progresso social.

Tomando como base a visão triangular do direito coletivo do trabalho, proposta por Cueva (1986, p. 423), não é possível pensar na negociação coletiva sem a existência de sindicato e de direito de greve. No entanto, a essa visão gráfica do autor deve-se acrescer também a liberdade sindical em todas as suas dimensões, sobretudo quanto à representativida-de dos entes coletivos, a fim de pos-sibilitar uma atuação independente e efetiva dos sindicatos.

3. Pluralidade jurídica como solução para as sociedades complexas

Considerando a pretensão do direito do trabalho de mitigar a desigualdade fática existente entre o capital e o trabalho, que subsiste apesar do advento de uma nova sociedade no lugar da sociedade industrial, é intuitivo perceber que a disparidade entre o trabalhador individualmente considerado e o empregador só poderá ser abrandada por meio da concretização do contrapoder coletivo dos trabalhadores, que, através da negociação coletiva, busca a melhoria das condições de trabalho.

As mudanças decorrentes da revolução tecnológica da informação também foram significativas para o campo jurídico. O surgimento das novas tecnologias, bem como a globalização, exerceram igualmente um grande impacto na produção do direito, de modo que é possível afir-mar que há um direito antes e outro depois da revolução informacional. É indubitável que a sociedade da informação realmente transformou a atividade econômica, o mundo do trabalho e o modo de produção de bens e serviços. E nada disso poderia ter sido indiferente em relação à prática jurídica.

A prática jurídica acontece ainda sobretudo no plano nacional, que é de onde emana a maior parte das normas, salvo raríssimas exceções. Ainda assim é possível identificar claramente uma mudança na lógica da produção do direito a partir da internacionalização, que interferiu na aproximação das diversas legislações. Dessa forma, embora o modo de produção do direito não seja reproduzido igualmente nos distintos campos jurídicos nacionais, é forçoso notar em todos eles as mesmas tendências de mudança.

Diversos direitos ilustram bem a mudança provocada pela globalização, a exemplo da previsão constitucional de proteção em face da auto-mação e da questão do aviso prévio proporcional3. Diz-se isso porque, mesmo antes da publicação e vigência da Lei 12.506/114, os sindicatos já negociavam cláusulas prevendo o aviso prévio proporcional. No que se refere à automação, diversas convenções e acordos trazem previsão de capacitação dos trabalhadores, proteção à saúde do trabalhador, além de planos de demissão voluntária.

Isso só demonstra que a norma-tização heterônoma, materializada através de agentes externos, embora importante para a proteção de diver-sos direitos, não é capaz de per si acompanhar os desafios da socieda-de, pois as normas jurídicas que passam a ser necessárias não possuem mais o mesmo caráter condicional de antes (sentido retrospectivo), quando se destinavam basicamente

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a estabelecer certa conduta, de acor-do com um padrão, em geral fixado previamente, conforme instituído no modelo de Código Civil francês, de 1804, destinado a uma sociedade industrial.

Não poderia ser diferente essa tendência regulatória menos exaustiva e detalhista, porém efetiva, pois o nível de complexidade da atividade econômica, cada vez mais dependente da criatividade dos particulares, coloca em crise os modelos extensos próprios dos códigos civis e consolidações do século XIX.

Portanto, a regulação que no presente é requisitada ao direito assume o caráter finalístico, e um sentido prospectivo, pois, para enfrentar a imprevisibilidade das situações a serem reguladas, e que não se presta ao esquema simples de subsunção de fatos a uma previsão abstrata anterior, precisa-se de normas que deter-minem objetivos a serem alcançados futuramente, sob as circunstâncias que então se apresentem (Guerra Filho, 2007, p. 8).

Mais que isso, a sociedade con-temporânea, caracterizada pela com-plexidade das relações, ante a pluralidade de situações sociais, econômicas, políticas e culturais, especial-mente nas relações de trabalho, não pode aguardar a resposta estatal, que normalmente se encontra em des-compasso com a dinâmica e as exi-gências da sociedade pós-moderna.

Nesse caso, a normatização deverá surgir dos próprios agentes sociais interessados (fontes formais autônomas), uma vez que, na complexidade, a resposta dos problemas deverá estar no resultado do confronto dialético entre opiniões antagônicas. Guerra Filho (2007, p. 74) ao analisar a teoria do agir comunicativo, de Habermas, assim expõe:

Diante da complexidade do mundo pós-moderno, as soluções melhores dos problemas que lhe são peculiares hão de surgir do confronto entre opiniões divergentes, desde que se parta de um consenso básico, quanto à possibilidade de se chegar a um entendimento mútuo, para o que não se pode partir de ideias pré-concebidas, a serem impostas aos outros.

Disso decorre a ideia de pluralismo jurídico, ou seja, de inserção de normas no sistema jurídico advindas de outros centros de produção, que não estatal, através de diferentes ferramentas.

Não fosse o bastante, as questões concernentes aos problemas envol-vendo confiitos sociais sobre interes-ses coletivos não encontram regula-mentação suficiente. Logo, a fórmu-la negocial aparece como a resposta mais democrática e racional para os problemas cada vez mais multiformes que as sociedades atuais apresentam, já que essa...

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