Crimes Previdenciários

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas936-953

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A Lei n. 9.983/2000, publicada no DOU de 17.7.2000, alterou vários dispositivos do Código Penal (lei orgânica e geral, com caráter de código). Tratou exclusivamente de matéria penal, previdenciária e de informática, definiu infrações novas, estabelecendo equiparações, revendo redações e revogando o caput, suas alíneas a/j e quatro dos cinco parágrafos do art. 95 do PCSS, até 13.10.2000, contemplando os crimes previdenciários ("Os Crimes Previdenciários no Código Penal", São Paulo: LTr, 2001).

O Código Penal divide-se em Parte Geral, com oito títulos principais e Parte Geral, na qual cominados especificamente os delitos, com 11 títulos. As modificações ocorridas dão-se nesse último espectro, nos Título I - Dos Crimes contra a Pessoa (art. 153); Título II - Dos Crimes contra o Patrimônio (art. 168-A); Título X - Crimes contra a Fé Pública (arts. 296/97) e Título XI - Dos Crimes contra a Administração Pública (arts. 325, 327, 313-B e 337-B).

1341. apropriação indébita - Com a Lei n. 9.983/2000, o Código Penal passou a: "Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa" (art. 168-A). No caput do art. 168, o Código Penal já previa o crime de apropriação indébita: "Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção".

Como a descrição não se ajustava bem à pretensão do INSS, em 1991 criou-se outra figura, a do art. 95, do PCSS: "deixar de recolher, na época própria, contribuições ou outra importância devida, à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público" (letra d), espécie previdenciária de apropriação indébita.

Esse último ditame suscitou o referido art. 168-A, em epígrafe, podendo a ilicitude ser designada como apropriação indébita previdenciária, com a deliberada intenção de não confundir com a apropriação indébita comum (art. 168). Esta última, dessa forma, adquire a condição de gênero.

Deixar significa não fazer, ação omissiva, isto é, estando para isso obrigado, não operar o recolhimento de certas contribuições à Previdência Social.

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Referência à "forma legal" diz respeito à lei, somente as modalidades de pagamento fixados na norma ordinária podem ser objeto do crime, desprezando-se, ipso facto, eventual excesso do regulamento.

A conduta reclamada é simples. Presente legítima exigência exacional, constituído o crédito previdenciário, é dever do contribuinte encaminhar o quantum dentro do prazo legal ou convencional ao FPAS; abster-se de fazê-lo significa contrariá-la, incidindo no tipo penal.

Repassar é fazer o recolhimento na rede bancária, no próprio INSS (por exemplo, quando ele paga o salário-maternidade) e até na Justiça Federal. Desses agentes arrecadadores obtendo a prova (v. g., GPS quitada ou outra modalidade), pouco importando o destino posterior da importância nem mesmo se chega efetivamente aos cofres do FPAS. Arrecadado o deduzido da remuneração ou da nota fiscal, apropriado do contribuinte de fato (v. g., segurado, produtor rural, clube de futebol etc.), impõe-se vertê-lo à Previdência Social (consoante as prescrições legais).

O contribuinte de direito, não efetuando o pagamento das importâncias "recolhidas dos contribuintes" de fato, isto é, deles retidas, pratica o crime. Claro, têm de ser as recolhidas (apreendidas).

Tal quitação pode acontecer por vários instrumentos: a) pagamento à vista; b) parcelamento de fato ou de direito; c) interveniência; d) dação em pagamento; e) compensação; f) depósito judicial etc.

Convindo, em cada caso, examinar-se o ditado na lei vigente para identificar-se o entendido por isso.

Pagamento à vista consiste no recolhimento mensal operado até o dia do vencimento da obrigação. Consoante o art. 38 do PCSS, é permitido o parcelamento de débitos. Na interveniência, a autarquia federal permite-se interferir em transação imobiliária, recebendo no ato o seu crédito. Dação em pagamento é o oferecimento e a recepção de bens em substituição ao numerário. Quando o montante do salário-maternidade ou do salário-família, ou ambos, superam o líquido a ser recolhido, o contribuinte tem crédito a auferir do INSS e ao fazê-lo quita sua obrigação fiscal. A rigor, o depósito judicial não é pagamento, mas importância indisponível, produzindo efeitos jurídicos. Para o art. 151, II, do CTN, suspende a exigibilidade do crédito tributário.

A Lei n. 9.703/1998 (art. 1º) determinou: "os depósitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a tributos e contribuições federais, inclusive seus acessórios, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda" (e, também, os administrados pelo INSS) "serão efetuados na Caixa Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais - DARF, específico para essa finalidade".

O seu § 2º transforma o depósito em pagamento provisório, deixando para se tornar definitivo quando da decantação da obrigação (§ 3º, II).

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No Capítulo IV - Extinção do Crédito Tributário, na Seção I - Modalidades de Extinção, o art. 156 do CTN dá por findo o crédito tributário: o pagamento (I), a compensação (II), a transação (III), a remissão (IV), a prescrição e a decadência (V), a conversão do depósito em renda (VI), o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do art. 150 e seus §§ 1º e 4º (VII), a consignação em pagamento, nos termos do § 2º do art. 164 (VIII), a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, sem poder mais ser objeto de ação anulatória (IX) e a decisão judicial passada em julgado (X).

Para a caracterização da inadimplência fiscal é importante decantar-se o momento da consumação, por exemplo, nos casos de dissídio processual ou procedimental, quando caracterizado o crédito previdenciário (discutido em cobrança administrativa ou judicial).

Não se exime o sujeito ativo, se apenas pagar o líquido = bruto - menos contribuição. No Capítulo CVIII - Das Outras Receitas, o legislador contempla nove fontes extras de custeio. À exceção da primeira (PCSS, art. 27, I), relativa aos acréscimos, nenhuma outra caracteriza o repasse; entretanto, o parágrafo único, regendo os 50% dos prêmios devidos pelas companhias seguradoras ao INSS, menciona essa expressão, mas mesmo assim, também não há o repasse desta lei.

Previdência Social significa o INSS, pessoa jurídica de direito público, autarquia federal, dicção legal superior à Seguridade Social (PCSS, art. 95, d), a qual não corresponde qualquer sujeito passivo com personalidade jurídica.

Não é possível o delito, caso: a) as contribuições recolhidas sejam de servidor público (desobrigado ao RGPS); b) refiram-se à parte da patrocinadora no custeio da suplementação ou complementação de benefícios do segmento fechado; ou c) o valor descontado do trabalhador, quando ele e a empresa bancam o seguro de vida privado (salvo se decidido fazer parte do salário de contribuição).

Contribuições exigidas, nos termos da lei, recolhidas diretamente por terceiros e não pertencentes à Previdência Social (20% do SENAI), não geram o ilícito. Já as referidas no art. 94 do PCSS, não importando qual seja a entidade profissionalizante, caracteriza a infração penal.

Contribuições previdenciárias são importâncias devidas pelos segurados obrigatórios referidos no PCSS ou oriundas de terceiros sujeitos as deduções fiscais (pessoas físicas ou jurídicas).

Valores compensados indevidamente são cotizações não recolhidas; ocorrente dedução de terceiros dessas importâncias, dão conta de ilícito matemático e financeiramente.

Acréscimos desestimuladores da inadimplência, tais como juro ou multa automática, não constituem a hipótese. São posteriormente mencionados.

Também não se inclui o pago a maior pelo INSS, a ser havido por este, por ocasião da concessão ou manutenção de benefícios. Nesse montante, nunca abarcadas as contribuições ditas empresariais.

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Diferentemente da presunção de dedução e do recolhimento contidos no art. 33, § 5º do PCSS (com outros objetivos), as contribuições consideradas arrecadadas, noutras palavras, as descontadas ou deduzidas do quantum devido pelo contribuinte, vítimas da retenção.

Não arrecadadas não se realiza o ilícito, de nada valendo a presunção jure et de jure antes aludida.

A simples inadimplência do contribuinte, quando ele não cumpre a obrigação fiscal (deixar de pagar a parte descontável e a empresarial) não significa a ilicitude prevista no art. 168-A do CP, se nada deduziu do segurado ou de terceiros.

Sua materialidade será caracterizada com o desconto no hollerith, anotação do fato na folha de pagamento ou registros contábeis.

Contribuintes vêm a ser os segurados, pessoas físicas, principalmente o empregado e o doméstico, e pessoas físicas ou jurídicas, caso do produtor rural (em relação ao produto comercializado, sob a alíquota de 2,1% do art. 25 do PCSS), contratante, em face dos 11% da Lei n. 9.711/1998 (no respeitante ao contratado), a associação desportiva em razão do art. 22 do PCSS e outros mais, como o público.

O prazo é até o último dia do vencimento da obrigação. Atualmente, o dia 20 do mês subsequente ao de competência (PCSS, art. 30, I).

Conforme diz o § 3º do mesmo artigo, extingue-se a punibilidade se o devedor "efetua o pagamento das contribuições". Ou seja, ele pode pagar fora do prazo com os acréscimos legais "antes do início da ação fiscal".

Segundo a versão original do art. 45 do PCSS, constituído o crédito previdenciário, o recolhimento deverá ser incontinenti, isto é, ato contínuo. Tratando-se de sentença judicial, uma vez definida a obrigação, o contribuinte tem 30 dias para efetuar o recolhimento sem os acréscimos legais.

O prazo e a forma do pagamento têm de ser os previstos na lei. A forma legal ou convencional diz respeito ao prazo. Às vezes, caso do parcelamento, é ajustado termo distinto para o vencimento da obrigação.

A pena da apropriação indevida...

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