O Projeto do Novo CPC e Reflexos no Processo do Trabalho ? Primeiras Impressões

AutorJorge Pinheiro Castelo
CargoAdvogado, especialista (pós-graduação), mestre, doutor e livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade São Paulo
Páginas39-57

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I Introdução

A partir da exposição de motivos, constata-se que o Projeto busca uma maior organicidade e coesão do sistema processual, bem como a obtenção do resultado máximo do exercício da atividade jurisdicional, inclusive mediante sua simplificação, tudo com o objetivo de garantir maior aderência aos princípios constitucionais, visando maior efetividade e segurança jurídica.

O Projeto traz IV livros: Livro I com a Parte Geral, o Livro II cuida do Processo de Conhecimento e do Cumprimento da sentença, o Livro III trata do Processo de Execução e o Livro IV lida com a disciplina dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais.

A partir de uma primeira análise, podemos dizer que, em boa parte, os objetivos foram alcançados, porém, de outro lado, vislumbramos muitos problemas e uma certa confusão que se percebe a partir da própria leitura da exposição de motivos que trata desordenadamente, em idas e vindas, dos diferentes livros (I a IV) e dos novos institutos.

Vejamos, a seguir, numa apertada síntese, alguns pontos que, numa primeira leitura, nos pareceram mais importantes, em especial, no que podem refletir para o processo do trabalho.

II Do Livro I — Parte geral
1. Dos princípios constitucionais — (art 6º)

O art. 6º do Projeto determina que:

“Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e à exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabili-dade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.”

O art. 6º reproduz alguns princípios jurídico-materiais constitucionais e regras de julgamento, embora, tenha omitido entre outros, a equidade, a analogia, as normas gerais de direito, o direito comparado, os usos e costumes, o que, inclusive, pode gerar discussões inúteis acerca da restrição.

Destaque-se que vários se trata de princípios constitucionais materiais de verificação dos atos de gestão da administração pública.

Os princípios são imperativos de justiça e encarnam a moralidade objetiva da socie-dade e se convertem em fio condutor metodológico da concretização judicial da norma.

No entanto, exatamente, por se tratar de princípios, fica uma margem ampla para valoração judicial.

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Ocorre que, ao trazer para o plano do processo e tornar princípios constitucionais abertos, com termos indeterminados, norma infraconstitucional concreta, abre-se a possibilidade de que a alegação da violação desse artigo seja utilizada de forma generalizada.

Isto porque, pela generalidade do conteúdo do artigo, servirá para quase todas as situações (v. g., dignidade da pessoa humana), como fundamento para interposição de Recursos Especiais e, no processo do trabalho, do Recurso de Revista com base na violação à lei, cuja análise da norma processual (materializada) será extremamente discricionária, gerando insegurança ao invés da almejada segurança.

2. Da interdição à decisão de surpresa

O art. 10 estabelece:

“O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício.”

É norma a garantir a concreção do princípio do contraditório e da ampla defesa, impedindo-se as decisões de surpresa, ainda que se trate de questão de ordem pública.

Todavia, há exceção, conforme o disposto no parágrafo único do art. 10:

“O disposto no caput não se aplica aos casos de tutela de urgência e nas hipóteses do art. 307.”

Claro que as tutelas de urgência que exijam liminar inaudita altera pars não poderiam estar interditadas.

No entanto, o julgamento de improcedência liminar sem ouvir o autor, previsto no art. 307, afeta seriamente o devido processo legal, o contraditório e o direito de defesa, sendo séria restrição ao direito de ação.

3. Da possibilidade jurídica (arts 17, 305, 327)

O art. 17 do Projeto estabelece que “para propor a ação é necessário ter interesse e legitimidade”, pretendendo deixar de lado a possibilidade jurídica como condição da ação.

Nesse mesmo sentido, os incisos II e III do art. 305 do Projeto do CPC.

No entanto, tal intento não é tão simples, posto que a possibilidade jurídica é uma das naturais condições da ação.

Basta ver os incisos do art. 327 do CPC que tratam das matérias da contestação, sendo que os incisos V, VI e VII cuidam, respectivamente, da perempção, da litispendência e da coisa julgada.

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Ora, a perempção, a litispendência e a coisa julgada são vedações, em abstrato, que dizem respeito ao (exercício do) direito de ação, ou seja, às condições da ação; como não se referem à necessidade concreta da jurisdição e nem a adequação processual, tampouco, à legitimidade, estão inseridas na categoria da (im)possibilidade jurídica da demanda.

4. Da ação declaratória incidental (arts 20 e 490)

A resolução da causa prejudicial referente à ação declaratória, como incidente, com procedimento próprio autônomo, deixou de existir.

A questão prejudicial erigida à causa prejudicial, quando for homogênea, será decidida na mesma sentença e será alcançada pela eficácia da coisa julgada (arts. 20 e 490 do Projeto)

5. Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art 77 e parágrafo único do art. 501)

O art. 77 do Livro I (Parte Geral) do Projeto do novo Código de Processo Civil trata do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica.

“Art. 77. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.

Parágrafo único. O incidente da desconsideração da personalidade jurídica:

I — pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio;

II — é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial.”

Além disso, no que se refere a outros coobrigados, o parágrafo único do art. 501 do Projeto estabelece que:

“O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.”

Dessa forma, o Projeto prevê um incidente, que já pode ser suscitado mesmo na fase de conhecimento, mediante procedimento com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera a personalidade jurídica.

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A necessidade da instauração de um incidente prévio para a desconsideração da personalidade jurídica, com contraditório, não se admitindo a deliberação da efetivação da constrição legal antes da conclusão do incidente, sem dúvida alguma, dá maior segurança, porém, fragiliza em muito o instituto e afeta profundamente a efetividade do processo executivo, possibilitando o desvio e a ocultação patrimonial, até porque, o incidente, sempre, pode ser feito em contraditório, posticipado, por Embargos, ou mesmo por exceção de pré-executividade nos casos de violação de direito evidente.

Observa-se que o parágrafo único do art. 501 do Projeto impõe a participação do fiador, coobrigado ou corresponsável na fase de conhecimento, para que o título judicial possa ser executado contra ele.

Tendo em vista que a referência aos sócios, aos administradores...

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