Correção de Defeitos Formais

AutorCláudio Brandão
Ocupação do AutorMinistro do Tribunal Superior do Trabalho. Mestre em Direito (UFBA)
Páginas79-138

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Um dos temas que certamente despertará acirrado debate na doutrina e na jurisprudência diz respeito à possibilidade conferida ao relator de permitir seja sanado ou desconsiderado o defeito formal não reputado grave, em recurso tempestivamente interposto, proposta encaminhada pelo Ministério da Justiça e encampada no parecer do Relator na CTASP, Deputado Roberto Santiago, que antecipou novidade contida no projeto do novo CPC, aprovado pelo Congresso Nacional.36Segundo as suas próprias palavras constantes do Parecer emitido na citada Comissão:

Entretanto não podemos ficar alheios às alterações que podem vir a ser implementadas com o novo Código de Processo Civil, que tramita nesta casa, o Projeto de Lei n. 8.046, de 2010.

Isso porque, ao fazermos um cotejo com o sistema recursal contido no projeto em exame, em especial no que tange aos recursos de natureza extraordinária (Recurso Especial e Recurso de Revista), verificamos que há uma tendência de relevar alguns defeitos formais contidos no recurso, desde que não se repute grave.

Essa nova tendência revela a preponderância do direito material, relegando ao direito processual servir como instrumento para a obtenção do bem da vida pleiteado pelo autor, e não constituindo um fim em si mesmo.

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Nesse sentido, a proposta de redação do novo Código de Processo Civil, aprovada pelo Senado Federal, vislumbra, no art. 893, § 2º, a hipótese de, em casos excepcionais, os Tribunais Superiores desconsiderarem o vício contido em determinados recurso, ou mandar saná-lo, julgando o mérito.

Esse dispositivo permite que os Tribunais Superiores possam conhecer determinado recurso, ainda que com defeito formal, desde que a apreciação do mérito nele contido possa contribuir para a ordem jurídica.

Essa competência discricionária para conhecer determinado recurso, ora sugerida, a exemplo do writ of certiorari do direito comparado, pode contribuir para a atividade jurisdicional também no nosso ordenamento jurídico, a exemplo do que já ocorre na Suprema Corte Americana.

Extrai-se, como primeiro ponto a ser destacado, que o objetivo central consiste em valorizar a essência em detrimento da forma; o fim sobre o meio, pois muitos são os casos em que, em virtude de pequenos defeitos formais, o ato processual, no caso específico o recurso, não atinge o fim a que se destina.

Na essência, acentua a importância do princípio da instrumentalidade das formas, inerente ao processo do trabalho, que tem na simplicidade uma de suas características marcantes, quanto aos requisitos essenciais para a validade dos seus atos. A tanto se conclui pela autorização conferida no art. 791 da CLT, para a atuação de empregados e empregadores desacompanhados de advogados, o que, seguramente, é incompatível com a exigência do rigor técnico processual, como também ao apontar a necessidade de ocorrência de prejuízo manifesto para que seja declarada a nulidade, alegada na primeira oportunidade em que a parte se manifestar nos autos (arts. 794 e 795 da CLT).

Não é diferente no processo civil, como se vê na parte final do caput do art. 154 do CPC: desde que atingida a finalidade, mesmo que praticado de forma diversa, o ato deve ser convalidado.

A jurisprudência consolidada do TST contém exemplo dessa natureza, materializado na Orientação Jurisprudencial n. 257 da SBDI-1, que despreza o formalismo exacerbado no recurso de revista, fundado em violação legal, ao considerar suficiente que sejam invocados os preceitos legais ou constitucionais tidos como violados e afastar a exigência de que contenha expressões próprias indicativas de tal intento, como “contrariar”, “ferir”, “violar”, etc.

OJ-SDI1-257. RECURSO DE REVISTA. FUNDAMENTAÇÃO. VIOLAÇÃO DE LEI. VOCÁBULO VIOLAÇÃO. DESNECESSIDADE (alterada em decorrência da redação do inciso II do art. 894 da CLT, incluído pela Lei
n. 11.496/2007). Res. n. 182/2012, DEJT divulgado em 19, 20 e 23.4.2012. A invocação expressa no recurso de revista dos preceitos legais ou constitucionais

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tidos como violados não significa exigir da parte a utilização das expressões “contrariar”, “ferir”, “violar” etc.

Para melhor elucidar o debate, transcrevo a norma em questão com vistas a identificar o seu núcleo conceitual e os elementos que o compõem:

§ 11. Quando o recurso tempestivo (1) contiver defeito formal (2) que não se repute grave (3), o Tribunal Superior do Trabalho poderá desconsiderar o vício ou mandar saná-lo (4), julgando o mérito.

§ 12. Da decisão denegatória caberá agravo, no prazo de 8 (oito) dias.

Prudente assinalar que, embora esteja em parágrafo inserido no artigo que disciplina o recurso de revista, a possibilidade de correção pode — e deve — ser estendida aos demais recursos no âmbito do TST (recurso ordinário, agravo, agravo regimental, agravo de instrumento, embargos infringentes, embargos, embargos de declaração, remessa necessária e pedido de concessão de efeito suspensivo) e dos TRTs (agravo, agravo regimental, agravo de petição, agravo de instrumento, embargos de declaração, remessa necessária e recurso ordinário), em virtude de representar, menos uma regra, e mais a ampliação e concretização do princípio da instrumentalidade das formas, especificamente em matéria recursal.

5.1. Recurso tempestivo

O primeiro ponto se relaciona a uma espécie de cláusula de barreira estabelecida na própria norma para que possa ser concedida, pelo Ministro Relator37, a oportunidade de ser corrigido o defeito: a tempestividade do recurso.

Pressuposto extrínseco de conhecimento, diz respeito à exigência de que tenha sido interposto no prazo fixado em lei que, em regra, é de oito dias, com exceção dos embargos declaratórios, reduzido para cinco.

Tempestivo, portanto, é o recurso que observa o limite estabelecido pela lei para a sua interposição, sob consequência de preclusão temporal, pois, como regra, os prazos são dotados de um atributo que lhes é inerente: o efeito preclusivo temporal. Uma vez esgotado, também será encerrada a possibilidade de ser praticado o ato.

Por ser fixado em lei, o prazo recursal é classificado, quanto à origem, como “legal”, ou seja, a própria norma o define, o que constitui regra do processo,

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pois o tema guarda correlação com o princípio do devido processo legal, a necessidade de segurança jurídica do processo e o tratamento igualitário às partes.

Quanto à natureza jurídica, qualifica-se como “peremptório”. Fixado por norma de ordem pública, cogente ou imperativa, não pode ser modificado, seja por vontade das partes, seja por ato do juiz, que somente tem permissão para dilatar o termo final, razão pela qual também é chamado de fatal ou improrrogável.

De maneira mais detalhada, o art. 182 do CPC, aplicável ao processo do trabalho, corrobora essa afirmação, ao mencionar ser “defeso às partes, ainda que todas estejam de acordo, reduzir ou prorrogar os prazos peremptórios”38, embora, quanto à autorização para prorrogação, o dispositivo da CLT tenha expressão mais abrangente (força maior, ao invés de calamidade pública).

Há que se indagar a razão de ser da exigência contida na norma, o que seguramente decorre da natureza do recurso intempestivo: trata-se de ato jurídico inexistente. É o não ato e, por conseguinte, nenhum efeito produzirá no processo.

5.2. Defeito formal

O segundo elemento conceitual diz respeito à natureza do defeito que pode ensejar a possibilidade de sua reparação, qualificado como “defeito formal”.

Remete-se, por conseguinte, à maneira pela qual o ato jurídico é praticado, seja no que diz respeito ao elemento externo à vontade manifestada — como a vontade foi exteriorizada —, seja em relação aos requisitos indicados na lei como imprescindíveis para ser considerado existente ou válido.

A regra é a liberdade. Por escritos, palavras, gestos, atitudes ou acenos, o sujeito pode manifestar o seu desejo íntimo e, o direito, emprestar validade a essa exteriorização. Por isso mesmo, prevalece o fim alcançado em detrimento da forma utilizada, como princípio vetor da possibilidade de produção de efeitos, embora, como salientado, em determinadas hipóteses, certamente inspirado pela importância de privilegiar-se a solenidade do ato jurídico, o legislador erigiu

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a forma como elemento de validade e, em tais casos, acarreta a nulidade, caso não seja observada.

Prudente recordar, nesse aspecto, a lição de Caio Mário da Silva Pereira quando, ao abordar o tema, identifica situações em que, apesar da liberdade de forma constituir a regra no direito brasileiro, diante das transformações pelas quais passou a sociedade brasileira — e por que não dizer o mundo moderno — decorrentes do tempo e do progresso da cultura, em determinadas situações o legislador preserva o ritualismo ou a forma como elemento integrante da substância do ato.

Interessante observação faz Marcos Neves Fava em torno dos fundamentos para a inserção de requisitos de validade dos atos processuais. Para ele, destinam-se à garantia de observância do importantíssimo princípio do devido processo legal:

O ato processual tem sua realização pautada pela lei: o atendimento e a observância das regras legais pertinentes ao ato garantem o equilíbrio entre as partes, apanágio do due processo of law. Iguais tornam-se as partes, no processo, quando e se são observados os ritos procedimentais, o que, ao contrário, faz concluir que o desrespeito leva à ineficácia do ato. É a forma do ato, como prevista pelo ordenamento, que garantirá seu conhecimento. Dela deflui sua eficácia.39

No âmbito do processo, consagrada doutrina assinala a existência de diferença essencial entre o sistema de invalidades e o referente aos...

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