O Recurso Extraordinário e a Transformação do Controle Difuso de Constitucionalidade no Direito Brasileiro

AutorFredie Didier Jr.
Ocupação do AutorMestre (UFBA) e Doutor (PUC/SP); Professor-Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (graduação, especialização, mestrado e doutorado); Advogado e Consultor Jurídico.
Páginas329-345

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O Recurso Extraordinário e a
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SUMÁRIO: 1 Nota Introdutória. 2 A Criatividade Judicial e a Ratio Decidendi. 3 A “Objetivação” do Recurso Extraordinário.

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1 Nota Introdutória

Nota IntrodutóriaNota Introdutória Nota IntrodutóriaNota Introdutória

O objetivo deste ensaio é o de demonstrar a transformação do controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro, notadamente quando realizado por meio do recurso extraordinário.

A idéia é a seguinte: o controle, embora difuso, quando feito pelo STF (Pleno) tem força para vincular os demais órgãos do Poder Judiciário, assemelhando-se, nesta eficácia, ao controle concentrado de constitucionalidade.

Aos argumentos, pois.

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2 A Criatividade Judicial e a

A Criatividade Judicial e a
A Criatividade Judicial e a
A Criatividade Judicial e a
A Criatividade Judicial e a Ratio Decidendi

Ratio DecidendiRatio Decidendi Ratio DecidendiRatio Decidendi

O fenômeno de atuação dos enunciados normativos no plano social comporta três momentos distintos1: (i) o da formulação abstrata dos preceitos normativos; (ii) o da definição da norma para o caso concreto;
(iii) o da execução da norma individualizada.

* Mestre (UFBA) e Doutor (PUC/SP); Professor-Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade

Federal da Bahia (graduação, especialização, mestrado e doutorado); Advogado e Consultor Jurídico.

1 Baseado em ZAVASCKI, Teori Albino. “Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados”, in Leituras complementares de processo civil. 3. ed. Fredie Didier Jr. (org.). Salvador: Edições JUSPodivm, 2005, p. 24 e seguintes.

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O primeiro momento (formulação abstrata dos preceitos normativos) é tarefa que cabe exclusivamente ao Estado. Já a definição da norma concreta (a identificação da norma individualizada que se formou, concretamente, pela incidência da norma abstrata), bem como a sua execução (transformação efetiva em fatos e comportamentos) são atividades que não demandam, necessariamente, atuação estatal.

Ao comprar uma revista numa banca, os sujeitos já identificam a norma jurídica individualizada (referente ao contrato de compra e venda), que é a que vai reger a sua relação jurídica; se o pagamento é feito e a coisa é entregue, ali já se promove a execução da norma individualizada. Tudo isso espontaneamente, sem necessidade de atuação estatal.

Quando, porém, a definição da norma individualizada ou a sua execução não se desenvolvem voluntariamente, há necessidade de intervenção estatal, o que se dá através da atuação do Estado-juiz – salvo, obviamente, se as partes submetem a definição desta norma individualizada à arbitragem, ou se trata de caso em que se admite a autotutela. Por exemplo: num acidente de trânsito, os envolvidos atribuem um ao outro a culpa pela superveniência da colisão, ou simplesmente discutem sobre os danos efetivamente causados. Aquele fato da vida ocorreu, sofreu incidência da norma jurídica abstrata, o que lhe atribuiu aptidão para gerar efeitos jurídicos. Só que um dos sujeitos enxerga a norma individualizada de uma forma e o outro, de outra. Controvertem, pois, quanto à sua identificação. Surgida esta crise de identificação, o Poder Judiciário, mediante atividade cognitiva, definirá, por sentença – palavra aqui utilizada em sentido amplo –, o conteúdo da norma jurídica individualizada, indicando os elementos da relação jurídica dela decorrente, seus sujeitos e seu objeto.

Daí se dizer que a sentença é um ato jurídico que contém uma norma jurídica individualizada, ou simplesmente norma individual, definida pelo Poder Judiciário, que se diferencia das demais normas jurídicas (leis, por exemplo) em razão da possibilidade de tornar-se indiscutível pela coisa julgada material.

Para a formulação dessa norma jurídica individualizada, contudo, não basta que o juiz promova, pura e simplesmente, a aplicação da norma geral e abstrata ao caso concreto. Em virtude do chamado pós-positivismo que caracteriza o atual Estado constitucional, exige-se do juiz uma postura muito mais ativa, cumprindo-lhe compreender as particularidades do caso concreto e encontrar, na norma geral e abstrata, uma solução que esteja em conformidade com as disposições e princípios constitucionais, bem

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O RECURSO EXTRAORDINÁRIO E A TRANSFORMAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO... 331 assim com os direitos fundamentais. Toda decisão judicial deve ser resultado de uma interpretação do texto normativo de acordo com os direitos fundamentais (dimensão objetiva dos direitos fundamentais). Em outras palavras, o princípio da supremacia da lei, amplamente influenciado pelos valores do Estado liberal, que enxergava na atividade legislativa algo perfeito e acabado, atualmente deve ceder espaço à crítica judicial, no sentido de que o magistrado, necessariamente, deve dar à norma geral e abstrata aplicável ao caso concreto uma interpretação conforme a Constituição, sobre ela exercendo o controle de constitucionalidade se for necessário, bem como viabilizando a melhor forma de tutelar os direitos fundamentais2.

Quando o juiz dá uma interpretação à lei conforme à Constituição ou a reputa inconstitucional, ele cria uma norma jurídica para justificar a sua decisão. A expressão “norma jurídica” aqui é utilizada num sentido distinto daquele utilizado linhas atrás. Não se está referindo aqui à norma jurídica individualizada (norma individual) contida no dispositivo da decisão, mas à norma jurídica entendida como resultado da interpretação do texto da lei e do controle de constitucionalidade exercido pelo magistrado.

Como se disse, ao se deparar com os fatos da causa, o juiz deve compreender o seu sentido, a fim de poder observar qual a lei que se lhes aplica. Identificada a lei aplicável, ela deve ser conformada à Constituição através das técnicas de interpretação conforme, de controle de constitucionalidade em sentido estrito e de balanceamento dos direitos fundamentais (princípio da proporcionalidade).

Nesse sentido, o julgador cria uma norma jurídica (= norma legal conformada à norma constitucional) que vai servir de fundamento jurídico para a decisão a ser tomada na parte dispositiva do pronunciamento. É nessa parte dispositiva que se contém a norma jurídica individualizada, ou simplesmente norma individual (= definição da norma para o caso concreto; solução da crise de identificação).

A norma jurídica criada e contida na fundamentação do julgado compõe o que se chama de ratio decidendi, tema que será abordado mais adiante. Trata-se de “norma jurídica criada diante do caso concreto, mas não uma norma individual que regula o caso concreto”3, que, por indução,

2 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2006, v. 1, p. 90-97.

3 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo, cit., v. 1, p. 97.

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pode passar a funcionar como regra geral, a ser invocada como precedente judicial em outras situações. “Ou seja, há necessidade de distinguir a cristalização da interpretação e do controle de constitucionalidade da criação de uma norma individual que, particularizando a norma geral, é voltada especificamente à regulação de um caso concreto”4.

Assim, de acordo com a lição de Luiz Guilherme Marinoni, “se nas teorias clássicas o juiz apenas declarava a lei ou criava a norma individual a partir da norma geral, agora ele constrói a norma jurídica a partir da interpretação de acordo com a Constituição, do controle da constitucionalidade e da adoção da regra do balanceamento (ou da regra da proporcionalidade em sentido estrito) dos direitos fundamentais no caso concreto”5.

Pois bem.

No conteúdo da fundamentação, é preciso distinguir o que é a ratio decidendi e o que é obiter dictum.

As ratio decidendi são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi; trata-se da tese jurídica acolhida pelo órgão julgador no caso concreto. “A ratio decidendi (...) constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law)”6.

Para a correta inferência da ratio decidendi, propõe-se uma operação mental, mediante a qual, invertendo-se o teor do núcleo decisório, se indaga se a conclusão permaneceria a mesma, se o juiz tivesse acolhido a regra invertida. Se a decisão ficar mantida, então a tese originária não pode ser considerada ratio decidendi; caso contrário, a resposta será positiva.7Já o obiter dictum (obiter dicta, no plural) consiste nos argumentos que são expostos apenas de passagem na motivação da decisão, consubstanciando juízos acessórios, provisórios, secundários, impressões ou qualquer outro elemento que não tenha influência relevante e substancial para a decisão (“prescindível para o deslinde da controvérsia”8), sendo

4 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo, cit., v. 1, p. 97.

5 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo, cit., v. 1, p. 99.

6 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: RT, 2004, p. 175.

7 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito...

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