O Controle de Constitucionalidade na França e as Alterações Advindas da Reforma Constitucional de 23 de Julho de 2008

AutorDirley da Cunha Júnior
CargoJuiz federal da Seção Judiciária da Bahia. Doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UFBA
Páginas23-27

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O controle de constitucionalidade na França, especialmente após a reforma constitucional de 23 de julho de 2008 que acrescentou o art. 61-1 na vigente Constituição Francesa de 4 de outubro de 1958, alterou, marcadamente, o modelo francês de fiscalização da constitucionalidade das leis.

O controle de constitucionalidade na França, tal como definido na versão originária da Constituição Francesa de 1958, caracterizava-se por sua natureza exclusivamente preventiva. Ademais, seguindo uma tradição histórica e ideológica, o controle francês era, e ainda é, um controle político, ou não judicial, na medida em que a verificação da constitucionalidade da lei é confiada a um órgão de caráter essencialmente político, instituído pela Carta Magna francesa em vigor, a saber: o Conseil Constitutionnel (Conselho Constitucional).

Ademais, cuidava-se de um controle exclusivamente preventivo em razão de incidir apenas sobre as leis ainda não promulgadas e cuja entrada em vigor dependia do reconhecimento de sua compatibilidade com o texto constitucional.

Sucede que, em face da reforma constitucional de 23 de julho de 2008, permitiu-se ao Conselho Constitucional realizar um controle repressivo de constitucionalidade, sempre que a ele for submetido, dentro de certas condições, o exame de uma questão prioritária de constitucionalidade (QPC), em face da qual o órgão político francês fiscaliza a constitucionalidade de leis em vigor, cuja desconformidade com a Constituição foi suscitada por qualquer das partes em processo judicial ou administrativo.

Desse modo, a reforma constitucional em tela adotou um controle repressivo ou sucessivo ao lado do já existente controle preventivo, para possibilitar ao Conselho Constitucional fiscalizar as leis tanto antes de sua entrada em vigor como depois de sua entrada em vigor (neste último caso, quando a lei não sofreu o controle preventivo).

Tais alterações serão, a seguir, melhor esclarecidas.

2. O controle de constitucionalidade na França, a Constituição de 4 de outubro de 1958 e o Conselho Constitucional

Diversas foram as razões que levaram os franceses a rejeitar um controle judicial de constitucionalidade. Limitemo-nos a apontar as razões históricas e ideológicas.

Em face das razões históricas, a recusa a um controle judicial deveu-se às abusivas e arbitrárias interferências que os juízes franceses, antes da revolução, impunham

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à esfera dos outros poderes, com consequências graves e desastrosas às liberdades individuais.

Já por razões ideológicas, que estão, de certa forma, relacionadas com as primeiras, a negação de um controle judicial sempre esteve vinculada à doutrina da separação dos poderes, que, em sua formulação mais rígida, era contrária à intervenção dos juízes na esfera do poder legislativo.

Assim, forte nestas circunstâncias - históricas e ideológicas - a situação que prevaleceu, naturalmente, na França, foi a adoção de um controle de constitucionali-dade realizado por órgão não judicial, de caráter essencialmente político1.

Em que pese Sieyès ter sugerido na Constituição do ano VIII a criação de um "jury constitutionnai-re", a concepção rousseauniano-jacobina da lei como expressão da "vontade geral" manteve-se sempre fiel ao dogma da soberania da lei que só as próprias assembleias legislativas poderiam politicamente controlar. Isto aconteceu com a Constituição do ano VIII (13 de dezembro de 1799), que atribuiu o controle ao Sénat Conservateur; também ocorreu com a Constituição de 1852, que confiou o controle ao Sénat e, de certo modo, com a Constituição da IV República, de 27 de outubro de 1946, que concedeu o controle ao Comitê Constitucional2.

Assim, na França, desde o abade Sieyès, o sistema de controle de constitucionalidade, quando previsto, era atribuído a órgãos de natureza política. Atualmente, prevê a vigente Constituição da França, de 4 de outubro de 1958, um órgão político - o Conseil Consti-tutionnel - como o único competente para exercer a fiscalização da constitucionalidade das leis naquele país.

Devido a importância do Conselho Constitucional para o controle de constitucionalidade na França, apresentaremos, a seguir, algumas considerações em torno deste órgão político.

2.1. Composição do Conselho Constitucional

O Conselho Constitucional foi instituído pela Constituição da V República, de 4 de outubro de 1958. Não se trata de tribunal, nem se situa na organização e estrutura dos tribunais judiciais e administrativos. Não se confunde com o Conseil d 'Etat nem com a Cour de Cassation, que são órgãos de cúpula, respectivamente, da jurisdição administrativa e judicial.

É uma inovação na história constitucional da República Francesa, competindo-lhe garantir o respeito à Constituição e, em especial, aos direitos e liberdades assegurados constitucionalmente.

O Conselho Constitucional compõe-se de nove membros, nomeados para um mandato de nove anos, não permitida a recondução. O Conselho Constitucional é renovado de três em três anos, na sua terça parte. Três membros são nomeados pelo presidente da República, três pelo presidente da Assembleia Nacional e três pelo presidente do Senado.

Além destes nove membros, também compõem o...

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