Entre a Forma e o Contéudo na Desconstituição dos Negócios Jurídicos Simulados

AutorPaulo de Barros Carvalho
CargoProfessor emérito e titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP e da Universidade de São Paulo ? USP. Membro da Academia Brasileira de Filosofia
Páginas1-27
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N º. 18 2012 Salvador Bahia Brasil
ENTRE A FORMA E O CONTEÚDO NA DESCONSTITUIÇÃO DOS NEGÓCIOS
JURÍDICOS SIMULADOS
Paulo de Barros Carvalho
Professor emérito e titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP e da
Universidade de São Paulo USP. Membro da Academia Brasileira de Filosofia.
1. INTRODUÇÃO
Antes de ingressar, propriamente, no assunto posto aos meus cuidados, entendo serem
oportunas algumas palavras sobre o modo e por quais caminhos pretendo aproximar-me do
objeto, para que seja possível articular suas complexidades, refletir sobre elas e poder, ao fim,
construir conclusões consistentes capazes de acalmar o espírito instigado pela dúvida.
De fato, todo trabalho com aspirações mais sérias há de expor previamente seu
método, assim entendido o conjunto de técnicas utilizadas pelo analista para demarcar o
objeto, colocando-o como foco temático e, de seguida, penetrar no seu conteúdo. Parece
apropriado efetuar breves considerações sobre o itinerário do pensamento, no sentido de abrir
caminho para que o leitor possa percorrê-lo com desenvoltura, consciente do plano traçado
pelo autor. Tal informação, que é de grande utilidade para ensejar a iterativa conferência do
rigor expositivo, volta-se, fundamentalmente, para esclarecer o trajeto que vai ser trilhado,
facilitando sobremaneira a fundamentação das proposições apresentadas.
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Tomarei o direito positivo como objeto cultural que se apresenta como camada de
linguagem em função prescritiva, projetando-se sobre o domínio das condutas intersubjetivas,
para regulá-las com seus operadores deônticos (permitido, obrigatório e proibido). Tais
reflexões pedem atenção para o modo pelo qual se opera a construção do sentido,
interpretação do direito posto.
Para apropriada compreensão do tema, releva tecer alguns comentários sobre a função
da linguagem na constituição da realidade jurídica. É importante também dedicar algumas
linhas à dicotomia forma e conteúdo, que tem ocupado importante espaço nas discussões
sobre a desconsideração de negócios jurídicos “simulados”. Além disso, essa ordem de
considerações nos levará à conclusão de que somente o fato juridicamente qualificado pode
ser tomado para fins de determinar a formação do liame tributário, sendo descabidas análises
de ordem meramente econômica.
Com suporte em tais premissas, e tendo em vista o princípio da autonomia da vontade
e da livre iniciativa, aliados àqueles da estrita legalidade e da tipicidade tributária, passo à
análise da possibilidade jurídica de o contribuinte praticar fatos que lhe acarretem menor ônus
tributário. Somente nos casos de simulação, com a prática de atos fraudulentos e dolosos, ter-
se-á a possibilidade de o Fisco desconsiderar os negócios praticados, fazendo recair a
tributação sobre a forma negocial oculta (negócio dissimulado). Examinarei, desse modo, a
figura da simulação,demarcando-lhe os traços característicos e discorrendo sobre seu uso na
seara tributária.
2. CONHECIMENTO E LINGUAGEM
Decompondo-se o fenômeno do conhecimento, encontramos o dado da linguagem,
sem o qual ele não se fixa nem se transmite. Já existe um quantum de conhecimento na
percepção, mas ele se realiza mesmo, na plenitude, no plano proposicional e, portanto, com a
intervenção da linguagem. “Conhecer”, ainda que experimente mais de uma acepção,
significa “saber proposições sobre”. Conheço determinado objeto se posso expedir
enunciados sobre ele, de tal arte que o conhecimento, nesse caso, se manifesta pela
linguagem, mediante proposições descritivas ou indicativas.
Por outro lado, a cada momento confirma-se a natureza da linguagem como
constitutiva de nossa realidade. Já afirmava Wittgenstein, na proposição 5.6 do Tractatus

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