A Evolução dos Direitos no Constitucionalismo Brasileiro (Parte II)

AutorPaulo Vargas Groff
CargoDoutor em Direito pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne), Mestre em Ciência Política pela Université de Paris III (Sorbonne Nouvelle), Bacharel em Direito pela UNISINOS; Professor da Graduação, da Especialização e do Mestrado em Direito da URI (Campus de Santo Ângelo-RS); Membro do Grupo de Pesquisa CNPq.
Páginas107-124

Page 107

1 Introdução

Com o fim do Estado Novo (1937-1946), o Brasil busca trilhar pela via da democracia, com uma nova Constituição, de 1946. O período que se seguiu foi de grande instabilidade político-constitucional, até o golpe de Estado de 1964, que colocou o país na ditadura até 1985. Depois disto, veio novamente a reconstrução da democracia, com o período da Nova República, que passou a ter como referência uma nova Constituição, de 1988. Nestas condições, os direitos fundamentais tentam encontrar o seu lugar.

No artigo anterior, tratamos dos direitos fundamentais nas Constituições de 1824, 1891, 1934 e 1937. Neste artigo, iremos dar prosseguimento à análise dos direitos fundamentais nas Constituições de 1946, 1967, 1969 e 1988.

Page 108

2 Direitos Fundamentais na Constituição de 1946

Este período é chamado da "Redemocratização" ou da "Quarta República" porque vem após o regime ditatorial do Estado Novo, e é uma tentativa de implantação da democracia. Havia uma onda de democracia no mundo todo, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Todavia, o fim da guerra trouxe a "guerra fria", geradora de grande instabilidade política no mundo, na América Latina e, em especial, no Brasil.

Este período foi inaugurado com uma nova Constituição, que se espelha na Constituição de 1934, inclusive em relação aos direitos fundamentais.

2. 1 A Constituição de 1946 e a redemocratização

A Constituição promulgada em 18-9-1946 se propôs a ser uma Carta democrática, tendo sido promulgada por uma Assembléia Constituinte. A Constituição não foi baseada em nenhum pré-projeto, tendo como referência as Constituições de 1889 e 1934, motivo pelo qual, para Silva2, ela teria voltado as costas para o futuro. A Assembléia Constituinte era composta na sua maioria de conservadores, podendo ser visto por meio da sua composição, pois mais de 90% eram pessoalmente ou vinculados à propriedade, principalmente a imobiliária.

A forma federal de Estado foi restabelecida na Constituição de 1946, mas o poder encontrava-se bastante centralizado na União, numa tendência que se verificava também em outras federações. A centralização do poder, principalmente financeira, tornava os Estados dependentes do apoio da União.

Houve uma preocupação especial com o Município, em que se buscou resgatar a sua autonomia. Para isto foi relevante a mobilização proporcionada pelo movimento municipalista, o "municipalismo", que reunia os municípios brasileiros em torno de reivindicações comuns, muitas delas consagradas pela Constituição de 1946.

O Senado voltou a ocupar a posição que detinha na Constituição de 1891, como Casa de representação dos Estados, como prevê a teoria clássica do federalismo. E na Câmara dos Deputados desapareceu a representação classista criado pela Constituição de 1934.

No Poder Judiciário houve alteração na estrutura. Foram mantidos o STF, os Juízes e Tribunais Militares (art. 94), bem como os Juízes de Direito e Tribunais estaduais (art. 124). Foram restabelecidos os Juízes e Tribunais Eleitorais. A partir da Constituição de 1946, os órgãos da Justiça Eleitoral irão se manter: Tribunal Superior Eleitoral, Tribunais Regionais Eleitorais e Juntas e Juízes Eleitorais (art. 109). Os Juízes e Tribunais do Trabalho foram colocados dentro da estrutura do Poder Judiciário (art. 94), saindo da estrutura do Poder Executivo. Também aPage 109estrutura da Justiça do Trabalho vai se manter nas Constituições ulteriores: Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Juntas e Juízes de Conciliação e Julgamento (art. 122)3. Foi criado o Tribunal Federal de Recursos, que seria o segundo grau da Justiça Federal (art. 104), sem no entanto prever o primeiro grau desta Justiça Federal. O primeiro grau seria criado somente em 1965, por meio de norma infraconstitucional.

A Constituição de 1946 não trouxe qualquer avanço em matéria de controle de constitucionalidade. Ela se restringir a resgatar o controle difuso da Constituição de 1934, com a possibilidade de remessa ao Senado, para ampliar os efeitos para erga omnes (art. 64). Apenas em 1965, pela da Emenda Constitucional n. 16, e que foi implantado no Brasil um modo de controle de constitucionalidade em que a decisão do STF tivesse efeito erga omnes.

Todavia, houve uma alteração na forma da ação interventiva (representação). Diferente da previsão da Constituição de 1934, que submetia ao controle de constitucionalidade a própria lei federal que autorizava a intervenção, com a Constituição de 1946 o ato estadual inquinado de inconstitucional, por violar princípio constitucional sensível, é que era submetida ao crivo do STF, por meio de ação proposta pelo Procurador-Geral da República. Isto era pré-requisito para a decretação de intervenção federal pelo Presidente da República. Esta configuração da ação interventiva seria mantida nas próximas Constituições, inclusive na Constituição de 1988.

2. 2 Os direitos civis, políticos e sociais

A Constituição de 1946, que veio dentro do contexto da democratização do país, também restabeleceu os direitos fundamentais previstos na Constituição de 1934.

A Constituição previa capítulos referentes à "Nacionalidade e Cidadania", aos "Direitos e Garantias Individuais", dentro do Título IV - Da Declaração de Direitos (arts. 129 a 144).

No referente aos direitos individuais, foi estabelecida a total liberdade de pensamento, podendo apenas haver censura a respeito de espetáculos e diversões públicas (art. 141, 5o).

A Constituição de 1946 introduziu o princípio da ubiqüidade da Justiça (art. 141, 4o) ao enunciar que: "A lei não poderá excluir da apreciação do Poder judiciário qualquer lesão de direito individual". Para Pontes de Miranda4, esta foi a mais prestante criação do constituinte de 1946.

Page 110

Foi abolida a pena de morte, a não ser em caso de guerra, bem como a prisão perpétua (art. 141, §31).

Além disto, foi estabelecida a soberania dos veredictos do júri (art. 141, §28) e a individualização da pena (art. 141, §29).

Foram restaurados o habeas corpus (art. 141, §23), o mandado de segurança (art. 141, §24), a ação popular (art. 141, §31) e os princípios da legalidade (art. 141, §2°) e da irretroatividade da lei (art. 141, §3°).

Os direitos sociais, seguindo as Constituições anteriores, eram tratados fora do Título referente à Declaração de Direitos. Eles eram tratados no título referente à Ordem Econômica e Social.

No art. 157, foram arrolados diversos direitos sociais relativos aos trabalhadores. Os novos direitos sociais introduzidos foram: salário mínimo capaz de satisfazer conforme as condições de cada região, as necessidades normais do trabalhador e de sua família; proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa; repouso semanal remunerado; proibição de trabalho noturno a menores de 18 anos; fixação das percentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em concessão e nos estabelecimentos de terminados ramos do comércio e da indústria; assistência aos desempregados; previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte; obrigatoriedade da instituição, pelo empregador, do seguro contra acidentes do trabalho; direito de greve (art. 158); e liberdade de associação profissional e sindical (art. 159).

Além disso, a Constituição previu um título especial (Título VI) para a proteção à família, educação e cultura.

Os direitos culturais foram ampliados: gratuidade do ensino oficial ulterior ao primário para os que provassem falta ou insuficiência de recursos; obrigatoriedade de manterem as empresas, em que trabalhassem mais de 100 pessoas, ensino primário para os servidores e respectivos filhos; obrigatoriedade de ministrarem as empresas, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores; instituição de assistência educacional, em favor dos alunos necessitados, para lhes assegurar condições de eficiência escolar.

A decretação do estado de sítio ficou ao encargo do Congresso Nacional (art. 206) e não mais do Poder Executivo.

Em relação aos direitos políticos, a Constituição de 1946 reafirmou o sufrágio universal, o voto direto e secreto, o sistema eleitoral proporcional, um regime de partidos nacionais e a Justiça Eleitoral5.

Page 111

Os partidos políticos obtiveram liberdade de organização e, pela primeira vez no Brasil, tiveram caráter nacional. Foi também a primeira vez que surgiu no Brasil o pluripartidarismo, podendo ser contabilizado em 1964, às vésperas do golpe militar, um total de 14 partidos políticos6.

Os demais direitos civis, políticos e sociais eram aqueles da Constituição de 1934 que não haviam sido recepcionados pela Constituição autoritária de 1937. Isto em função de que a Constituição de 1946 teve como referência a Constituição de 1934.

3 Direitos Fundamentais na Constituição de 1967

Os militares provocaram um golpe de Estado em 1964, sob pretexto de defenderem o interesse geral da nação brasileira perante a ameaça que pesava sobre a ordem pública. A República foi duramente atingida com o regime militar. Rocha7 observa que durante esse período não houve nem República, nem Federação, e pode-se falar da existência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT