Constitucionalidade do art. 120 da Lei n. 8.213/91

AutorFernando Maciel
Ocupação do AutorProcurador Federal em Brasília/DF. Mestre em Prevenção e Proteção de Riscos Laborais pela Universidade de Alcalá (Espanha)
Páginas117-145

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Além da competência jurisdicional para o julgamento das ARAs do INSS, outro tema que tem gerado muita controvérsia diz respeito à constitucionalidade do art. 120 da Lei n. 8.213/91, questão prejudicial de mérito de frequente alegação nas contestações das empresas demandadas.

2.1. Alegação de inconstitucionalidade do art 120

Em que pese a relevante contribuição econômico-social que as ARAs proporcionam ao Brasil, há quem se insurja contra esse instituto jurídico, sob o argumento de que o dispositivo legal que lhe serve de fundamento imediato, qual seja o art. 120 da Lei n. 8.213/91, seria um preceito eivado de inconstitucionalidade.

Os defensores dessa tese contrária às ARAs do INSS apresentam, basicamente, três argumentos, os quais podem ser assim sintetizados:

a) Afronta ao art. 7º, XXVIII, da CF/88, o qual não serviria de fundamento à pretensão ressarcitória exercida pelo INSS contra os empregadores, mas, tão-somente, à pretensão indenizatória promovida pelos próprios trabalhadores;

b) Afronta ao art. 195, caput, I, "a", da CF/88, visto que a contribuição das empresas para o Seguro Acidente do Trabalho - SAT já serviria de fonte de custeio às prestações sociais acidentárias, de sorte que o ressarcimento proporcionado

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pelas ações regressivas do INSS representaria uma cobrança indevida (bis in idem) contra os empregadores que, na sua ótica, já estariam cobertos pelo referido seguro;

c) Afronta ao art. 195, § 4º, da CF/88, pois partindo do pressuposto de que o ressarcimento viabilizado pelas ações regressivas acidentárias representa uma fonte adicional de custeio da Previdência Social, a sua instituição somente poderia se dar mediante Lei Complementar, requisito formal não atendido pelo art. 120, porquanto veiculado numa Lei Ordinária, qual seja a de n. 8.213/91 (Planos de Benefícios da Previdência Social).

2.2. Insubsistência das teses de inconstitucionalidade do art 120

Nesse tópico pretendemos demonstrar a fragilidade dos argumentos que defendem a inconstitucionalidade do art. 120 da Lei n. 8.213/91, o que será feito de forma articulada a fim de se evidenciar a insubsistência de cada tese contrária às ARAs do INSS.

2.2.1. Compatibilidade do art 120 com o art. 7º, XXVIII, da CF/88

O art. 7º, XXVIII, da CF/88 preconiza que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, o seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

Partindo da premissa de que esse dispositivo embasaria um direito fundamental dirigido exclusivamente aos trabalhadores, há quem sustente que esse preceito constitucional não serviria de fundamento ao direito de regresso exercido pelo INSS através da ARA178. Todavia, conforme será demonstrado a seguir, esse entendimento não merece prevalecer.

Ocorre que, muito mais do que assegurar aos trabalhadores o direito a um seguro contra acidentes do trabalho, referido preceito constitucional imputa aos empregadores uma ampla responsabilidade para com os danos advindos dos infortúnios decorrentes de sua atuação dolosa ou culposa.

Isso porque, embora o caput do artigo se refira aos direitos dos trabalhadores, o seu inciso XXVIII elenca duas obrigações distintas e excludentes impostas aos empregadores, representadas (1) pelo custeio do seguro contra acidentes em prol

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dos trabalhadores, e (2) a responsabilidade civil pelos danos advindos de suas condutas dolosas e/ou culposas.

Destarte, quando o referido dispositivo constitucional faz referência à indenização a que o empregador está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa, assim não o faz do modo exclusivo aos danos causados aos trabalhadores, mas sim explicita uma regra de responsabilidade civil subjetiva que deve incidir nos casos de acidentes do trabalho, a qual alcança o dever de ressarcir os prejuízos causados culposamente à Previdência Social.

Esse entendimento encontra suporte na jurisprudência do Eg. TRF da 4ª Região, o que pode ser constatado a partir do voto proferido pelo Des. Fed. Volkmer de Castilho na Arguição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível n. 1998.04.01.023654-8/RS, in verbis:

Penso que, quando a Constituição garante aos trabalhadores esse direito de seguro contra acidente de trabalho a cargo do empregador, é o custeio que ele faz perante a Previdência. Diz a Constituição em seguida: "...sem excluir a indenização a que este está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa".

A Constituição não diz que essa indenização é ao empregado. A Constituição diz que o empregador fica responsável por uma indenização se ele der causa ao acidente por culpa ou dolo. O direito dos trabalhadores urbanos e rurais é o seguro contra acidente de trabalho; foi isso que se garantiu na Constituição. (grifos nossos)

Com efeito, é a partir do art. 7º, XXVIII, da CF/88 que se pode extrair que, em matéria de acidentes do trabalho, os empregadores não estão imunes ao instituto da responsabilidade civil. Ao contrário, encontram-se obrigados a recompor os danos que venham a causar na esfera patrimonial de outrem, razão pela qual esse preceito deve ser considerado como fundamento da pretensão regressiva acidentária veiculada pelo INSS.

A possibilidade de as responsabilidades previstas nos arts. 7º, XXVIII, da CF/88 e 120 da Lei n. 8.213/91 serem cumuladas já foi objeto de análise por parte do TRF da 1ª Região179, oportunidade em que prevaleceu o seguinte entendimento:

Não há incompatibilidade entre o previsto no art. 120 da Lei n. 8.213/91 e o disposto no art. 7º, XXVIII, da CF, pois os dois dispositivos cuidam de responsabilidades diversas que não se confundem, baseadas em preceitos distintos, podendo, inclusive, serem cumuladas.

No primeiro caso trata-se de responsabilidade da empresa para com o Órgão previdenciário quando por negligência em sua obrigação de adotar normas de segurança e higiene do trabalho, direito constitucional dos trabalhadores (art. 7º, XXII, da Constituição), der causa a acidente gerador de benefício previdenciário suportado por aquele Órgão.

Já o art. 7º, XXVIII, trata, em sua primeira parte, da responsabilidade social dos empregadores de custear seguro contra acidentes de trabalho em benefício dos empregados e, na segunda

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parte, da responsabilidade do empregador de indenizar o empregado ou seus dependentes por danos a ele causados quando provado que agiu com dolo ou culpa.

Referida cumulação de responsabilidades decorre do fato de que, no sistema normativo brasileiro, a responsabilização do tomador dos serviços em relação aos danos havidos na relação do trabalho está consubstanciada em uma forma híbrida de ressarcimento, caracterizada pela combinação da teoria do seguro social, em que as prestações por acidente de trabalho são cobertas pela Previdência Social, conjugada com a responsabilidade subjetiva do empregador, nesse caso com fulcro na teoria da culpa contratual, a qual incide nas hipóteses de danos oriundos de condutas culposas e/ou dolosas dos empregadores.

A conjugação dessas duas teorias determina que, diante da ocorrência de um evento infortunístico que vitime um segurado do INSS, cabe a essa autarquia federal o dever de, em um primeiro momento, implementar o benefício previsto em lei a fim de amenizar as mazelas relacionadas ao sinistro, buscando, ato contínuo, o ressarcimento dos valores despendidos nos casos de negligência dos empregadores quanto ao cumprimento e a fiscalização das normas de saúde e segurança no trabalho.

Também a jurisprudência do TRF-5 já exarou precedentes que reconheceram o art. 7º, XXVIII, da CF/88 enquanto fundamento de validade das ARAs. Eis a ementa que segue:

PREVIDENCIÁRIO. INSS. APELAÇÃO. AÇÃO REGRESSIVA. ART. 120 DA LEI N. 8.213/91. ACIDENTE DE TRABALHO RECONHECIDO POR ÓRGÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. DIREITO AO RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS COM O AUXÍLIODOENÇA. SENTENÇA MANTIDA.

  1. A empresa recorrente alega que no recolhimento da contribuição previdenciária a que está sujeita, prevista no art. 195, I, a, da CF/88, já incide o Seguro de Acidente de Trabalho - SAT (ou RAT - Risco de Acidente de Trabalho); que tal fato geraria um bis in idem em caso de manutenção dos termos da sentença recorrida; que a indenização requerida nos autos possui fim idêntico ao SAT/RAT; que a indenização prevista no art. 120 da Lei n. 8.213/91 afronta o inciso XXVIII, do art. da CF/88; que sempre cumpriu com os deveres de empregador previstos em lei, especialmente as regras de segurança e medicina do trabalho; expõe que a limpeza da "eclusa" não era da alçada do empregado/segurado; a ausência de nexo causal entre os atos do empregador e o dano sofrido pelo promovente; que se trata de "culpa exclusiva da vítima".

  2. Adoção, com acréscimos, da técnica de motivação per relationem.

  3. "A Emenda Constitucional n. 20/98 estabeleceu expressamente a previsão de que a cobertura do risco de acidente do trabalho há de ser atendida, concorrentemente, pela Previdência Social e pelo setor privado, o que afasta qualquer alegação de inconstitucionalidade no tocante ao art. 120 da Lei n. 8.213/91." (...) "Desta feita, a responsabilidade do empregador pelo pagamento de seguro contra acidentes do trabalho - SAT - não exclui sua responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho. Inexiste, pois, qualquer incompatibilidade entre as disposições do art. 120 da Lei n. 8.213/91 e o inciso XXVIII do art. da CF/88." (...)

  4. ...

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