Interpretação Constitucional do Inciso XXVII do Art. 7ºda Carta Magna

AutorAlan da Silva Esteves
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho/TRT 19. Mestre em Direito Público. Especialista em Direito Constitucional do Trabalho. Professor da Escola Judicial do TRT/19. Professor da Escola da Magistratura ? Ematra/19
Páginas23-72

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2.1. Notas introdutórias aos primeiros passos para compreender interpretação de espécie normativa constitucional

O enunciado do art. 7º, inciso XXVII, da Constituição Brasileira preceitua que: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:” “[...]”; “XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei”.1A pretensão da investigação, de modo geral, é construir a eficácia jurídica e social da aludida espécie normativa, ou seja, os seus potenciais efeitos jurídicos2 pelo uso dos métodos de interpretação sistemático e teleológico, além de utilizar os específicos constitucionais. Nesse sentido, deseja-se também uma correspondên-

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cia com a sua efetividade, representado pela sua materialidade no mundo dos fatos por meio das políticas públicas de trabalho, emprego e renda contemporâneas. O objeto é encontrar possíveis pontos de interseção.

Este capítulo trata especificamente da eficácia jurídica, ou seja, versa sobre a própria construção da norma.3 É preciso saber, assim, o uso da expressão ‘proteção’ para a ciência dos Direitos Humanos, Constitucional e do Trabalho, como também do vocábulo automação em termos de licitude e problema. Vê-se que o entendimento destes levará à ação ou a uma tomada de posição em relação ao preceito ou preceitos a serem observados. Algo para tornar estes assimiláveis pela vida no sentido de detectar finalidades ou comandar comportamentos.

Aquele preceito “proteção” é abstrato, remoto e geral em correspondência ao fato ou hipótese “automação”, por isso, da necessidade de estudo no sentido de reelaborá-lo, renová-lo, adaptá-lo e adequá-lo à existência para atuação efetiva de atitudes. Para que isso aconteça, segundo Betti, é preciso uma série de operações, como adaptação, adequação, integração, desenvolvimento complementares, pois a interpretação do texto legal o mantém vivo e vigente, e arremata com a seguinte assertiva: “O fato de, graças à interpretação, na norma continuar eficaz, uma vez que compenetra e se funde com o todo o sistema da ordem jurídica, no qual se insere como numa concatenação produtiva e numa totalidade orgânica”.4

A tarefa não é das mais fáceis, especialmente em se tratando de retirar daquele dispositivo tudo o que nele se contém, mas essa assertiva é precisamente o sentido do termo interpretar.5 Este, na seara jurídica, tem um aspecto de decisão, embora não discricionária, pois ao mesmo tempo que declara o sentido vinculado no texto normativo, constitui a norma a partir dos seus próprios conteúdos e dos fatos.6

Quer-se deixar evidente é esse papel criador do direito que possa ser construído da análise daquele enunciado, embora com respeito aos significados mínimos do que se concebe como “proteção” e “automação”.

Por isso que os pontos de partida, ao descrever, construir e reconstruir a norma, são: (a) saber como alguns cientistas lidam com dispositivos como aquele; (b) se ele é princípio ou regra, ou categoria inclusiva; (c) com que espécie de norma em termos de eficácia se está lidando; (d) os fins que o ordenamento jurídico deseja; (e) os valores que devem ser preservados; (f) os bens jurídicos essenciais que

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realizam aqueles fins e preservam os valores. Exatamente por isso a versão final do dispositivo constitucional constitui um passeio pela visão integrada do fenômeno jurídico, ou seja, pelas dimensões do direito: axiológica e normativa e sociológica, em razão da crença na teoria de Mello, de que o direito somente pode ser compreendido, na sua inteireza, se houver um estudo conjunto de suas dimensões caracterizadoras: fato, valor e norma.7

2.2. De uma visão aprofundada sobre como interpretar aquela espécie normativa à identificação se ela é regra, princípio ou categoria inclusiva

No tópico anterior, falou-se que para manter viva a referida espécie normativa do inciso XXVII do art. 7º, da Carta Magna, é preciso interpretá-la e colher direções para uma ação ou opção, mas isso somente é possível se houver atribuição de significado a um ou vários símbolos linguísticos escritos, para chegar-se a uma decisão sobre o problema prático constitucionalmente previsto.8

A interpretação de tal direito inscrito na categoria de fundamental somente será bem-sucedida se forem acoplados a ele outros direitos fundamentais. Isso é bem explicado pela doutrina de Alexy, quando diz que as normas de direitos fundamentais têm essa necessidade de que se atribuam sentidos dos mais diversos a partir de outras de idêntica natureza.9

Pontes de Miranda (1973) não escreveu uma teoria sobre hermenêutica constitucional, mas revelou lições úteis quando comentava a Constituição Brasileira de 1967. Nas poucas palavras sobre o assunto, deixou gravada a necessidade de que interpretar uma norma constitucional exige uma simpatia a ela para ir além e dar-lhe expansão doutrinária e prática, que é o comentário jurídico.10 Isso para deixar evidente com tal assertiva de que o enunciado do inciso XXVII do art. 7º da Carta Magna tem uma medida de desconforto para os atores sociais, pois “automação” liga-se a um grau suficiente de liberdade, mais precisamente à livre-iniciativa e ao uso do poder econômico; e proteção relaciona-se com igualdade fática. Esses direitos, por outro lado, segundo Alexy, são bases de todos os outros direitos, ou melhor, todos os outros direitos são derivações deles.11 Talvez isso explique por que houve e há difi-

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culdade para construir uma política pública específica para o referido preceito constitucional, embora isso não impeça de reconhecer que políticas públicas de trabalho, emprego e renda contemporâneas assegurem algum nível de proteção, como se verá.

Outro autor, Krell, da fase pós-Constituição de 1988, condena o modo de interpretar conceitos abstratos de modo formal, com uso de operação lógica, pois, segundo ele, prejudica tanto os fins previstos na norma, quanto a realidade social que se concentra além de formas e dos conflitos de interesse a serem dirimidos.12

Um artigo como esse, objeto desta investigação, que trata do dever de proteger o trabalhador em face da automação, não diz nada no aspecto do formalismo no sentido de produção de efeitos, e materializa indagações como: o que é proteger? O que é automação? O que se pode ter se o próprio texto normativo manda observar o “[...] na forma da lei?”. O espaço de liberdade é muito amplo e uma decisão para efetivar o direito para alguns pode não ser para outros.

Daí que a construção e a reconstrução dos sentidos do referido dispositivo são uma necessidade de complementar a Constituição, pois ela é uma obra humana incompleta e um compromisso das forças sociais e grupos pluralistas para participarem de sua formação.13 Urge que ela tenha essa função útil no ordenamento e que se busque o sentido que lhe dê máxima eficácia, pois, enfim, existe uma correspondência entre interpretar a Constituição e realizar a Constituição.14Nesse contexto argumentativo, cabe indagar se aquela espécie do inciso XXVII do art. 7º da Carta de 1988 é princípio ou regra. Para efeito de corte metodológico, não há interesse de fazer a distinção muito debatida na doutrina entre regras e princípios, mas apenas propor a conceituação que identifique aquele enunciado, e isso pode ser investigado a partir do exame de sua estrutura.

No caso daquela proposição, há uma situação objetiva hipotética, também chamada de hipótese, pressuposto de fato, facti species, que é a automação. A esta é estatuída certa consequência prática, ou seja, o efeito por ela prescrito, o qual, no caso, é a “proteção”. Lógico, então, que este último precisa ser complementado e isso somente pode ser feito com outras normas que guardem conexão e participem do sentido de validade do vocábulo. Que normas seriam essas? Valores e aquelas que estatuam diversas respostas de comportamentos.

Nesse sentido, os princípios, definidos por Ávila, são aqueles que: “[...] remetem o intérprete a valores e a diferentes modos de promover resultados”.15

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Observa-se, então, pela estrutura deduzida e doutrina informada, que a espécie normativa do inciso XXVII do art. 7º é princípio. É uma norma jurídica que se traduz no princípio não expressamente enunciado. Segundo Grau, estes são: “[...] aqueles que, embora nele não expressamente enunciados, existem, em estado de latência, sob o ordenamento positivo, no direito pressuposto.”16 Entretanto, ainda não são satisfatórias essas assertivas, pois é preciso identificar se o preceito condiciona...

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