Princípios Constitucionais da Previdência do Servidor Público

AutorBruno Sá Freire Martins
Páginas36-67

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A análise de todo e qualquer texto de lei que integra um ordenamento jurídico constituído por diversas fontes de direito, como é o caso do brasileiro, pressupõe a observação fundamental de que toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber23.

Isso porque o texto legal funciona apenas como instrumento de expressão dos princípios, outorgando-lhes efetividade normativa que, muitas vezes, é exigida pelos adeptos do dogmatismo, momento em que se constituem os chamados princípios explícitos.

Além destes, existem, ainda, os princípios implícitos consistentes naqueles que, mesmo não havendo disposição legal expressa acerca de seu teor, têm sua caracterização reconhecida pela análise conjunta das normas, à medida que estas reproduzem em diversas passagens o intento preconizado pelo princípio, como ocorre, por exemplo, com a supremacia do interesse público.

Apesar de não se tratar de assunto específico deste trabalho, é necessário salientar que o fato de estar ou não, o princípio, constando de determinado dispositivo de lei não afasta ou mesmo inibe a sua aplicação, uma vez que as normas decorrem dos princípios e muitas vezes não trazem em seu conteúdo a verdadeira expressão destes.

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Os princípios atinentes à previdência social do servidor público foram todos alçados à condição de norma constitucional, estando elencados no caput do art. 40 da Lei Fundamental e em outros dispositivos constitucionais, tendo estes se consolidado como texto normativo ao longo do tempo, por intermédio das reformas previdenciárias promovidas pelas Emendas Constitucionais ns. 20, de 15 de dezembro de 1998, e 41, de 31 de dezembro de 2003.

5.1. Filiação obrigatória

Um dos princípios básicos tanto da previdência dos servidores quanto do Regime Geral é o que estabelece a obrigação de todos os trabalhadores estarem compelidos à cobertura pela previdência social.

A filiação obrigatória baseia-se em premissas como a miopia individual ou social, na qual o trabalhador somente vem a preocupar-se com sua proteção à época do sinistro24.

Miopia social porque as pessoas, em regra, não têm a característica de enxergarem em seu futuro a possibilidade de virem a ser vitimadas por alguma contingência que as impeça de desenvolver as atividades laborais que garantem o seu sustento e o de sua família ou mesmo na possibilidade de que um sinistro possa interromper sua vida normal, ou seja, não é da natureza do ser humano preocupar-se com o dia de amanhã.

Consequentemente não se previnem para evitar dissabores futuros, somente tomando consciência das consequências da imprevisão quando os infortúnios já ocorreram.

Por outro lado, é preciso ressaltar que a realidade econômica do País faz com que o trabalhador nem sempre esteja em condições de destinar, voluntariamente, uma parcela de seus rendimentos para uma poupança. Pode ocorrer - e ocorre, via de regra, nos países onde o nível salarial da população economicamente ativa é baixo - de o trabalhador necessitar utilizar todos os seus ganhos com sua subsistência e a de seus dependentes, não havendo, assim, excedentes que possam ser economizados25.

A conjugação desses dois fatores impõe a necessidade de a norma, no caso brasileiro a Constituição, prever a obrigatoriedade de filiação a todos aqueles que exerçam atividade remunerada.

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Até porque a ausência da filiação previdenciária poderia vir a implicar um vazio financeiro na vida do cidadão, o qual se notabilizaria no momento de maior necessidade deste, já que os riscos sociais cobertos pelo sistema previdenciário constituem-se em situações consideradas, em sua maioria, como aquelas que afastam totalmente as possibilidades de seu sustento.

Para exemplificar o impacto da ausência de filiação previdenciária, basta cogitar como seria a vida de um cidadão que, após trabalhar por mais de 35 (trinta e cinco) anos, viesse a ser procurado por seu chefe e informado que, por questões relativas às finanças da empresa, seria demitido.

Ora, sua idade já se encontra avançada e a recolocação no mercado de trabalho seria extremamente difícil, para não dizer quase impossível.

Nesse momento deveria surgir a atuação da previdência, permitindo a esse segurado a aposentadoria; contudo, ante a inexistência de compulsoriedade de filiação, o sistema não o ampararia, fazendo com que este fosse relegado à própria sorte para garantir a sua manutenção.

Entretanto, não é somente a miopia social e a impossibilidade de destinação voluntária de recursos para uma poupança que alicerçam o princípio da filiação obrigatória do servidor público ao Regime Próprio de Previdência.

Necessário e pertinente lembrar que a previdência social, como direito social integrante dos direitos fundamentais do cidadão, possui natureza de direito indisponível e, como tal, irrenunciável.

Direito indisponível é aquele que é insuscetível de ser objeto de atos de disposição por parte de seu titular26, enquanto irrenunciável é aquele direito de que seu titular não pode abrir mão por vontade própria, como, por exemplo, o pátrio poder, o direito a alimentos etc.27.

E como o servidor não possui a faculdade de escolha acerca dos direitos previdenciários, em especial dos benefícios por ele estabelecidos, é certo também que não pode haver escolha deste quanto a sua filiação ao Regime Previdenciário.

Então, cabe à União, aos Estados e aos Municípios promoverem imediatamente a filiação de seus servidores a um dos regimes previdenciários básicos existentes a qual o trabalhador se vincula por força da Constituição Federal, não podendo este se opor à filiação ou mesmo escolher dentre estes o que mais lhe atraia.

Mesmo porque somente terá direito à proteção previdenciária quem estiver vinculado ao ente segurador estatal. A ocorrência de contingência social causadora de necessidade social a quem não é segurado ou dependente de segurado não faz deflagrar a proteção previdenciária do Estado. Essa proteção somente vai ser dada

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a quem estiver previamente (isto é, antes da ocorrência da contingência social) vinculado ao ente segurador estatal, mediante filiação28.

Essa filiação compulsória, no âmbito dos Regimes Próprios, dá-se após a ocorrência do ciclo completo de investidura em cargo público, que, por sua vez, engloba a nomeação, a posse e o efetivo exercício.

Sendo instrumentalizada automaticamente pelo próprio Ente, que por meio de seus sistemas de recursos humanos realiza a troca de informações necessárias à conclusão da filiação, restando ao servidor, depois de efetivada a filiação, somente manter seus dados cadastrais atualizados junto ao órgão gestor do Regime.

É fato que a maioria da doutrina defende que o ciclo de investidura do servidor público se encerra com a posse, pois nesse momento forma-se a relação jurídica entre o Ente Federado e seu novo servidor. A Administração atribui o cargo e o servidor aceita-o, formando-se, assim, o vínculo estatutário, o que se denomina investidura. Portanto, com a nomeação tem-se provimento e com a posse faz-se a investidura29.

Contudo, salvo melhor juízo, o conceito de investidura utilizado pelos administrativos, para efeitos de reconhecimento do provimento do cargo, não pode ser aplicado integralmente no âmbito previdenciário.

Isso porque, um dos requisitos para que o segurado possa fazer jus ao benefício reside na efetivação de contribuições para o sistema, as quais somente ocorrem após o início das atividades laborais, já que a exação incide sobre a remuneração recebida por este em decorrência do cargo que ocupa.

E a remuneração pela ocupação do cargo só é devida ao servidor a partir do momento em que este inicia o exercício das atividades do cargo, ou seja, quando de fato começa a trabalhar.

5.2. Contributividade

A previdência social, conforme já mencionado, na forma como se delineia hoje, tem seus primeiros passos no Brasil com o advento do Decreto n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923, também conhecido como Lei Elói Chaves.

A concepção do ato normativo em questão se deu em 1921 quando o deputado Elói Chaves fez uma curta viagem até Monte Serrat-SP, para inspecionar uma usina de força que ali se instalara há algum tempo. A bordo de uma composição da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, ouviu de dois ferroviários, informações de que os trabalhadores da ferrovia, principalmente aqueles que exerciam atividades mais

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desgastantes, como foguistas e maniqueístas, mesmo quando atingiam uma idade avançada, precisavam continuar trabalhando em razão da necessidade premente de sustentar a família30.

O ponto de partida da previdência brasileira já previa em seu art. 3º a obrigatoriedade de contribuição monetária do empregado e do empregador para a constituição dos fundos da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos empregados das estradas de ferro.

Princípio esse que se manteve até o advento da Constituição Federal de 1988, quando as aposentadorias e pensões no serviço público deixaram de pressupor a preexistência de contribuições para o sistema.

Essa situação perdurou até 1998, quando, com a Emenda Constitucional n. 20/1998, afasta-se o caráter premial dos benefícios previdenciários no serviço público estadual e municipal e lhes é devolvido o caráter contributivo que sempre os caracterizaram, enquanto na União isso já havia ocorrido desde a Emenda n. 3/1993.

A proteção previdenciária exige a contribuição direta do protegido no custeio de suas ações como condição necessária para a qualificação do direito subjetivo a essa...

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