O conhecimento como uma relação de composição. Encontro com Denise Bernuzzi Sant'Anna

AutorDenise Bernuzzi Sant'anna - Henrique Pereira Oliveira - Marcos Schuh - Maria Bernardete Ramos - Marlon Salomon
Páginas9-39
O conhecimento como uma
relação
de composição
Encontro com Denise Bernuzzi Sant'anna
a propósito do lançamento de
Corpos de Passagem
Glaucia
Costa,
Henrique
Pereira Oliveira, Marcos Schuh, Maria
Bernardete Ramos, Marlon Salomon
Marlon — Quando pensamos neste encontro, de
súbito uma
imagem nos veio à cabeça: ele poderia ser algo como uma
avant-
première
de filme independente. Voce sabe, este tipo de encontro
uma das poucas possib
il
idades em que
o público que acompanha,
de perto ou a distância um certo cineasta, tem de questionar certos
pontos, esclarecer citações que aparecem, comentar sobre sua pre-
ferencia por certos planos, de enfim, construir problemas em con-
junto. Voce sabe
também
que este tipo de encontro se caracteriza
por alguns elementos interessantes: não há qualquer tipo de
glamour
como
o
há em grandes entrevistas —, não se trata de um espaço
em que imperam as objeções
e
hi quase sempre um pequeno gru-
po. Foi um pouco assim que pensamos este encontro.
Denise — Em primeiro lugar, gostaria de agradecer. Para mim
um grande prazer — acho que esta é a melhor definição — estar
discutindo com um grupo que não é muito grande; acho que é a
primeira vez que faço isso. Sempre
o
faço ou com uma pessoa, ou
com um público maior. Mas, dessa forma, se cria uma dinâmica
muito interessante. Agradeço a todos
vocês
pelo convite.
DOSSIÊ CORPO
E
HISTÓRIA
Marlon —
Gostaríamos,
para
começar,
que voce localizasse seu
livro na sua trajetória intelectual — na sua filmografia, aproveitando
o
jogo de palavras —
e
que
também
nos falasse como essa sua trajetória
se insere
e
onde ela se localiza na história da história do corpo sil.
Denise — Este livro é uma coletânea:
são
vários ensaios, alguns
inéditos e
outros já publicados, dentro de uma trajetória na qual ve-
nho pensando
o
corpo como um objeto histórico. Desde meu curso
de mestrado utilizo
o
corpo como um pretexto —
é
bem
um pre-
texto mesmo — para pensar os limites da história. Ele me interessa.,
em primeiro lugar, por seu aspecto paradoxal. Por que ele
é
parado-
xal? Porque ele nos
é
extremamente familiar
e
ao mesmo tempo
aquilo que temos de mais desconhecido; ele é natural
e
cultural; ele
nunca está pronto, mas nunca
está
no rascunho. HA uma serie de
paradoxos que caracterizam um corpo, seja humano ou não — no
caso, estou trabalhando especificamente com corpos humanos. Esses
paradoxos nos levam a pensar sobre os próprios paradoxos da es-
crita da história; ou seja, penso que há uma relação entre ser historia-
dora
e
trabalhar com
o
corpo. Quando se está trabalhando com
qualquer objeto na história, há sempre uma parte de imponderável,
dificil de transpor para
o
discurso
e
que nos escapa. Ora, trabalhar
com
o
corpo
é
exatamente isso: não se consegue
transpô-lo
total-
mente para
o
discurso, nem entende-lo, esclarece-lo, desvendá-lo com-
pletamente. Por sermos, em certa medida, comprometidos com di-
versos ideais da modernidade, somos, igualmente, fascinados pela
tarefa do desvendamento. Parece-me, portanto, que
o
corpo é um
objeto propicio para testar os limites dessa tarefa. HA um filósofo
que uso no livro
e
que se chama François Dagognet; segundo ele,
estudar
o
corpo
é
como caminhar no escuro: voce está sempre (es-
pecialmente na medicina) desvendando novas doenças, novas curas
e
ao mesmo tempo, descobrindo novos riscos
e
perigos. Essa cami-
nhada, que nunca esclarece completamente, é de certo modo a cami-
nhada
do historiador; é ela que me interessa. Não é tanto
o
objeto em
rr;
0
si, ate porque não existe objeto em si, pois
o
que mais me interessa e,
0
ao trabalhar com
o
corpo em diversos domínios, esbarrar sempre
rm
I
nisso
que não consigo passar para
o
discurso. De certo modo, essa
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