Acesso à Justiça, Solução de Conflitos e a Política Pública de Tratamento Adequado de Conflitos Trabalhistas

AutorAdriana Goulart de Sena Orsini
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho, Titular da 47ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte - MG.
Páginas143-163

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Conselho nacional de justiça e a política judiciária nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses

O surgimento e a atuação do Conselho Nacional de Justiça, órgão voltado à reformulação dos quadros e meios no Poder Judiciário, sobretudo no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual, traz importante alteração de perspectiva para este Poder. O Conselho passou a atuar mediante ações de planejamento, coordenação e controle administrativo, visando ao aperfeiçoamento no serviço público de prestação da Justiça. Portanto, a perspectiva de "estagnação" ou de "inconsistência" de atuação, além da sempre citada "crise do Judiciário", passam a ser enfrentadas, não somente por Juízes, individualmente, Tribunais em suas esferas de atuação, mas sim em uma compreensão de uma Política Pública.

No dia 29 de novembro de 2010 foi publicada a Resolução n. 125 do Conselho Nacional de Justiça que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências.

Atentos à compreensão de que é possível a solução de conflitos em três níveis, a reflexão de Rodolfo de Camargo Mancuso:

"O sentido contemporâneo da palavra jurisdição é desconectado, ou ao menos não é acoplado necessariamente - à noção de Estado, mas antes sinaliza para um plano mais largo e abrangente, onde se hão de desenvolver esforços para (i) prevenir a formação de lides, ou (ii) resolver em tempo razoável e com justiça aquelas já convertidas em processos judiciais. Deve-se ter presente que as lides não resolvidas configuram um mal que se irradia em várias direções: esgarça o tecido social, sobrecarrega o Judiciário, estimula a litigiosidade ao interno da coletividade."1

Estabelecendo, pois, uma verdadeira Política Pública Judiciária, a Resolução n. 125, CNJ, busca

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garantir ao jurisdicionado uma solução mais adequada dos conflitos pelos Tribunais, determinando ao Poder Judiciário, em todos os seus ramos, oferecer, além da solução adjudicada, a solução negociada para os conflitos de interesses e serviços de cidadania voltados ao acesso à ordem jurídica justa.

Prevê a Resolução n. 125 do CNJ a criação do Núcleo Permanente de Conciliação, órgão de inteligência da conciliação em cada Tribunal do País. Segundo o art. 7º, da referida resolução, o Núcleo deverá desenvolver a Política Judiciária de tratamento adequado aos conflitos de interesses, além de planejar, programar, manter e aperfeiçoar as ações voltadas ao cumprimento da política e suas metas, além de atuar na interlocução com outros Tribunais, dentre outras atribuições.

O tratamento dos conflitos de interesses pressupõe a consciência serena de que para se consolidar uma cultura voltada à paz social, hão de ser enfrentadas todas as questões que envolvam o relacionamento entre os interessados, admitindo a existência do conflito como algo inerente ao próprio convívio em sociedade e pode ser tratado de forma adequada, ou seja, uma entre diversas formas de tratamento de conflitos.

Poder judiciário, missão e escopos

O Poder Judiciário, um dos três poderes clássicos do Estado, vem assumindo (e a cada dia de forma mais acentuada) uma função fundamental na efetivação do Estado Democrático de Direito. É o guardião da Constituição, cuja finalidade, basicamente, repousa na preservação dos valores e princípios que a fundamentam - cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, além do pluralismo político (art. 1º, CF/88).

Aplicar o direito com independência, impondo a sua observância indistinta com vista ao desenvolvimento de uma cultura voltada à paz, é uma das precípuas missões que assentam a existência desse poder da República. As garantias atribuídas2 aos

Magistrados, na realidade foram outorgadas como prerrogativas para o imparcial (não neutro, ressalte-se), independente e seguro cumprimento de seu mister constitucional. Ao Poder Judiciário incumbe tratar o conflito de forma adequada, seja por meio da conciliação, seja através da mediação, seja através da solução adjudicada. Entretanto, não o faz de forma isolada, muito menos sem a participação dos atores do sistema de Justiça, como membros do Ministério Público e advogados, dentre outros.

Colaboram nessa visão holística e rizomática de atuação, os sempre perspicazes ensinamentos de Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado:

"Temos uma Constituição que incorpora, de modo muito bem definido, um projeto de Estado de Bem-Estar Social. Embora haja problemas tópicos aqui e ali, trata-se de claro projeto de construção de um Estado de Bem-Estar Social no país - único meio historicamente comprovado de fazer respeitar os fundamentos da República (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político - art. 1º, CF) e permitir concretizar seus objetivos fundamentais de construir uma sociedade livre, justa e solidária no país, que garanta o desenvolvimento nacional, erradique a pobreza e a marginalização, além de reduzir as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos sem preconceito (art. 3º, CF). Em função dessa estrutura e projeto constitucionais é que o Judiciário, o Ministério Público e a Advocacia se tornaram tão importantes."3

No Poder Judiciário estão inúmeros espaços - sejam físicos, sejam materiais ou imateriais, sejam itinerantes, sejam virtuais -, onde o acesso à Justiça se efetiva diuturnamente em nosso País. Na visão clássica a simples garantia de acesso a tal Poder já configuraria acesso à Justiça. Entretanto, na visão contemporânea, acesso à Justiça é isso, mas também muito mais do que isso. Veja-se que a Resolução n. 125 do CNJ (29.11.2010), que instituiu a Política Judiciária de Tratamento Adequado de Conflitos de Interesses no âmbito do Judiciário expressamente, em seu preâmbulo, diz que o acesso à Justiça previsto no art. 5º, XXV, da Constituição Federal implica acesso à ordem jurídica justa, além da vertente formal perante os órgãos Judiciários.

A Política Judiciária instituída pelo Conselho Nacional de Justiça em 2010 por meio da Resolução

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supramencionada, previu para o Poder Judiciário, em todos os ramos de Justiça, novidades funcionais e, especialmente de atendimento ao cidadão, em concepção humana de atendimento de Justiça e como serviço público de cidadania a ser prestado. Ao estatuir que cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorram em larga e crescente escala na sociedade, de modo a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação, a Resolução do CNJ indica, em claro aspecto de planejamento estratégico de atuação jurisdicional do Poder Judiciário que não apenas a solução adjudicada deve ser ofertada ao cidadão que acessa tal Poder, mas outras formas, especialmente consensuais. Uma política judiciária para um Judiciário de novos tempos4.

Rodolfo de Camargo Mancuso, especialista no tema, acresce alguns outros pontos para a reflexão:

"Na experiência brasileira contemporânea, pese a garantia de acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV) - para nós, em verdade, uma cláusula de reserva - não há negar que o próprio ordenamento positivo vai, gradualmente, buscando alterar a cultura judiciarista, ao disponibilizar outros meios compositivos (CF, art. 98, I - Justiça de Paz; CF art. 217, § 1º - Justiça Desportiva; Lei n. 11.441/2007 - atribuições aos tabeliães para realizarem, mediante escritura pública, separações e divórcios consensuais e inventários com herdeiros maiores e sem litígio - v. Res. n. 35/ CNJ); de outra parte, vão frutificando as modalidades dos meios auto e heterocompositivos (v. g. mediação mesclada com arbitragem), ao tempo em que vai se firmando, na população, a credibilidade nesses equivalentes jurisdicionais. (omissis) ... embora a função precípua do Judiciário seja, naturalmente, a de proferir julgamentos (com ou sem resolução do mérito), excepcionalmente pode exercer uma sorte de ius respondendi, aclarando situações e ocorrências que lhe são submetidas, como o fazem: (i) o TSE, ao responder ‘consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição federal ou órgão nacional de partido político (inciso XII do art. 23 da Lei n. 4.737/65 - Código Eleitoral); (ii) o STF, na arguição por descumprimento de preceito fundamental (CF, § 1º do art. 102), na qual define o alcance de certos direitos e situações decorrentes da CF (v. § 2º do art. 5º ), ou seja, situados na chamada zona de penumbra (penumbra rights, diz-se no constitucionalismo norte-americano) ou nos desvãos do texto constitucional positivado."5

No que tange ao Poder Judiciário Trabalhista (art. 111 da CF/88) aplicar o direito com independência, impondo a sua observância indistinta com vista ao desenvolvimento de uma cultura voltada à paz social e efetividade dos direitos social e processual do trabalho, é uma das precípuas missões que assentam a sua existência. Assim, é de se reconhecer que as garantias que foram atribuídas ao Magistrado6, na realidade foram outorgadas como prerrogativas para o imparcial (não neutro, ressalte-se), independente e seguro cumprimento de seu mister constitucional. Um Juiz...

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