Confissão em matéria tributária

AutorFabiana del Padre Tomé
CargoMestre e Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora nos Cursos de Especialização e de Mestrado da PUC/SP.
Páginas39-46

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1. Noções gerais sobre a figura da "confissão"

A confissão consiste na declaração voluntária em que o indivíduo admite como verdadeiro um fato que lhe é considerado prejudicial, alegado pela parte adversa (art. 348 do CPC). Distingue-se do reconhecimento jurídico do pedido, pois se refere a fatos e não a direitos subjetivos. Confessado um fato, o processo tem seu prosseguimento normal, sendo a confissão valorada em conjunto com os demais elementos processuais, ao passo que no reconhecimento jurídico do pedido dá-se a extinção do processo com decisão favorável à parte contrária.

Não obstante a confissão esteja incluída entre os meios de prova, relacionados nos Códigos Civil e de Processo Civil, alguns doutrinadores, como Cândido Rangel Dina-marco1e João Batista Lopes,2entendem não se tratar de meio de prova por consistir em mera declaração de conhecimento de fatos desfavoráveis, tornando-os incontroversos e, por conseguinte, dispensando-se a respectiva produção probatória. Tal não é a conclusão a que chegamos, pois a confissão apresenta-se como atividade exercida em observância às regras de organização probatória vigentes, relatada na linguagem prescrita pelo direito, tendo por função o convencimento do julgador, com vistas à constituição ou desconstituição de fatos jurídicos em sentido estrito. É, portanto, meio de prova, razão pela qual entendemos inapropriada a redação do art. 344, II, do Código de Processo Civil, que prescreve não dependerem de prova os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária.3Pode apresentar-se na modalidade (i) judicial ou (ii) extrajudicial, conforme a

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confissão seja formulada durante o curso de processo judicial ou fora dele, sendo classificada, também, em (i) expressa, quando emitidas afirmações reconhecendo o fato probando, e (ii) presumida, tácita ou ficta, porque decorrente do silêncio, vertido em linguagem competente. Esta última seria verificada na hipótese de revelia, em que a ausência de contestação faz reputar verdadeiros os fatos sustentados pelo autor (art. 319 do CPC), ou quando a parte intimada a comparecer para prestar depoimento pessoal deixa de fazê-lo ou se recusa a depor (art. 343, § 2º, do CPC). Tal distinção é perspicazmente criticada por Cândido Rangel Dinamarco,4 para quem "confissão e revelia são fenômenos bem diferentes entre si e a circunstância de ambos convergirem à incontrovérsia quanto às alegações do autor não é suficiente para forçar a entrada de uma no conceito da outra. Confissão é confissão e revelia é revelia, embora tenham uma consequência comum". De forma semelhante, a distinção entre confissão verbal e escrita não resiste a um exame analítico, uma vez que o ato de confessar, expressa ou fictamente, há de ser vertido em linguagem escrita, relatado na forma documental. Nesse sentido, toda confissão escrita é verbal.5Quanto à estrutura, Arruda Alvim6identifica duas espécies: (i) confissão simples, em que se reconhece o fato alegado pela parte contrária; e (ii) confissão complexa, na hipótese de, justaposto ao enunciado que admite o fato aduzido pelo adversário, encontrar-se outro fato, de caráter modificativo ou extintivo, implicando restrição parcial ou total aos efeitos do fato confessado.

Uma das características atribuídas à confissão é a indivisibilidade. Isso porque, como explica Caio Mário da Silva Pereira,7 "a parte que invoca a confissão do adversário tem de aceitá-la por inteiro. Não lhe é lícito cindi-la, e aproveitar o que lhe convém, repudiando-a na parte que lhe seja desfavorável". Apenas na hipótese de o confitente aduzir fatos novos que constituam fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção, poderá ocorrer sua aceitação parcial pela parte adversa. Acontece que a confissão, conforme referida no art. 348 do Código Processual Civil, consiste na admissão de um fato prejudicial ao interesse próprio e favorável à parte contrária na demanda. Por conseguinte, os fatos modificativos, impeditivos e extintivos do direito do autor, alegados pelo requerido, não caracterizam confissão. Não obstante sejam veiculadas no mesmo suporte físico, as naturezas de ambas as assertivas são diversas: são fatos distintos, cuja apreciação pode ser realizada de forma diferençada.

Além disso, a confissão, na qualidade de elemento de convicção do julgador, deve ser por ele valorada no contexto dos autos, sendo perfeitamente admissível o cotejo de trechos enunciados na confissão com outras provas constantes do processo, acolhendo o que estiver em harmonia com o conjunto probatório e rejeitando as afirmações infirmadas pelos demais elementos de prova.8Não há que falar, portanto, em indivisibilidade. Considerado o princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional que rege o sistema processual brasileiro, a confissão não pode ser aceita em parte e rejeitada parcialmente apenas se nenhuma outra prova houver nos autos.

É comum atribuir à confissão, também, o caráter de irretratável.9A retratação provém do verbo retratar, que consiste em tratar novamente, desdizer-se. Acompanhamos, porém, os ensinamentos de Magalhães Noronha,10 para quem o ato de confessar é susceptível de ser retratado, desde que acompanhado

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de elementos que confirmem os argumentos justificadores da retratação. Semelhante é o posicionamento de Cândido Rangel Dina-marco,11asseverando ser lícito ao confitente desdizer-se, "apresentando nova versão dos fatos e justificando-a, o que será considerado pelo juiz no exercício de seu livre convencimento - quando então ele analisará as duas declarações em sua consistência interna e harmonia com o conjunto probatório, confrontando-as entre si etc.". A retratabilidade deve-se à circunstância de ser a confissão apenas um dos elementos de convicção do julgador, sendo perfeitamente possível que os fatos nela relatados não prevaleçam na determinação do fato probando, caso haja prova contrária mais convincente, ainda que apresentada pelo próprio confessor.

Não se confunda retratabilidade com revogabilidade. Como ato de fala que é, a confissão é passível de revogação, entendido o vocábulo, nesse contexto, como anulação em virtude de erro, dolo ou coação, podendo ser determinada nos autos de ação anulatória, quando pendente de julgamento o processo em que a confissão foi realizada, ou de ação rescisória, caso a sentença baseada exclusivamente na confissão viciada tenha transitado em julgado (art. 352 do CPC).

Em que pese já ter sido considerada a rainha das provas, atualmente a confissão é vista como um meio de convencimento do destinatário, a ser sopesado juntamente das demais provas que forem apresentadas. Sendo a confissão emitida pelo próprio autor do ato e em seu prejuízo, poder-se-ia imaginar que, verificada uma confissão, nada mais cumpriria ao julgador fazer senão decidir desfavoravelmente ao confitente, dispensando o recurso a qualquer outro meio de prova. Essa seria, entretanto, uma conclusão equivocada. O ato de confessar produz a confissão-produto, documento que veicula enunciados, funcionando como signo: não coincide, portanto, com o fato a ser provado (significado), servindo tão somente para representá-lo de forma parcial, como ocorre com toda e qualquer prova. Esse o motivo pelo qual Antonio Dellepiane12conclui que a existência de uma confissão "não importa, em suma, nada mais que uma simples suspeita ou uma presunção de verdade, que só assumirá foros de certeza depois de um estudo analítico e de uma crítica severa que levem ao espírito a convicção de que essa confissão é sincera e discreta". Daí porque a confissão não cria direitos e obrigações para as partes, não vincula o julgador e não se confunde com o reconhecimento do pedido ou com a renúncia ao direito. Apenas torna o fato incontroverso, devendo o juiz atribuir à confissão o valor que entender cabível, conforme o contexto em que foi produzida, ou seja...

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