Concessão Florestal

AutorRaul Miguel Freitas de Oliveira
Ocupação do AutorProfessor Doutor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FDRP/USP, na cadeira de Direito Administrativo, Ambiental e Sanitário
Páginas227-357

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5. 1 Delimitação do conceito e natureza jurídica da concessão florestal

Não oferece maior dificuldade a estruturação de um conceito para a concessão florestal, uma vez que o legislador da Lei Geral de Gestão de Florestas Públicas optou por disponibilizar no seu artigo 3º uma série de definições, inclusive para a concessão florestal, no seu inciso VII.

A concessão florestal assim foi definida pelo legislador: “delegação onerosa, feita pelo poder concedente, do direito de praticar manejo florestal sustentável para exploração de produtos e serviços numa uni-dade de manejo, mediante licitação, à pessoa jurídica, em consórcio ou não, que atenda às exigências do respectivo edital de licitação e demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”.

O conceito contido na lei pode ser qualificado de descritivo, pois expõe os elementos básicos da relação jurídica, tais como o caráter não gratuito, as partes e suas obrigações básicas, o objeto, o prazo determinado e a característica de submissão a regramento próprio.

As expressões técnicas do conceito, tais como “manejo florestal sustentável”, “unidade de manejo”, “produtos florestais”, “serviços”, também foram objeto de preocupação do legislador, que delineou os seus significados nos incisos do mesmo dispositivo legal.

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O primeiro elemento do conceito legal de concessão florestal refere-se à sua onerosidade obrigatória, não se admitindo uma concessão florestal a título gratuito.

No artigo 13, § 1º, da Lei Geral de Gestão de Florestas Públicas1, encontra-se regra que confirma o título obrigatoriamente oneroso da concessão florestal, apesar de a redação ambígua de tal dispositivo legal induzir à ideia de que a citada onerosidade refere-se à licitação prévia e não à concessão florestal.

A onerosidade gera consequências importantes, tal como o fato de comunidades locais terem que remunerar o uso da floresta pública contemplada na concessão florestal, assunto este estudado no capítulo anterior.

Conforme demonstrado, o caráter das outras formas de outorga da exploração da floresta pública às comunidades locais é socioambiental, e o caráter da concessão florestal é predominantemente econômico-ambiental, o que faz com que o papel exercido pelas comunidades locais seja diverso nas duas situações.

Se nas primeiras modalidades de exploração sustentável da floresta pública as comunidades locais figuram como beneficiárias de delegação gratuita para manutenção do ancestral modo de interação com o ecossistema do qual fazem parte, na concessão florestal tais comunidades, obrigatoriamente estruturadas como pessoas jurídicas, atuarão como empreendedores, empresários da floresta pública objeto da exploração, o que pode não significar o abandono dos aludidos modos tradicionais de interatividade com a floresta.

O segundo elemento do conceito legal é objetivo, o direito de praticar manejo florestal sustentável por meio da exploração de produtos e serviços de uma unidade de manejo.

Apesar da repetição de termos, o conceito delimita com certa precisão o referido objeto, até porque o manejo florestal sustentável

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também é conceituado pelo mesmo artigo 3º, inciso VI, da Lei Geral de Gestão de Florestas Públicas, como sendo:

Administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando-se, cumulativa e alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras, de múltiplos produtos e subprodutos não madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços de natureza florestal.

É inegável que a administração da floresta de forma sustentada contempla a função socioambiental da propriedade e compatibiliza o desenvolvimento econômico com a conservação do meio ambiente, conforme os fundamentos dos artigos 170, incisos III e VI, e 225, ambos da Constituição Federal, sendo tais objetivos aplicáveis também ao uso da propriedade pública.

Tanto que, no conceito de manejo florestal sustentável retrotranscrito, foram alinhavados dois aspectos indispensáveis para sua caracterização: a compatibilidade entre os benefícios econômicos e sociais decorrentes do uso com os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto desse uso e a promoção do chamado uso múltiplo da floresta, adiante estudado.

Em relação aos produtos e serviços florestais, a própria Lei Geral de Gestão de Florestas Públicas, também no artigo 3º, incisos III e IV, define que os primeiros são “produtos madeireiros e não madeireiros gerados pelo manejo florestal sustentável”, e que os segundos são o “turismo e outras ações ou benefícios decorrentes do manejo e conservação da floresta, não caracterizados como produtos florestais”.

Apesar da conceituação do serviço florestal de forma excludente, em relação aos produtos florestais, afere-se que o serviço florestal é uma atividade exercida na floresta e o produto florestal é uma coisa retirada da floresta, sejam ou não de origem madeireira.

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Nessa senda, são objetos da exploração sustentável das florestas públicas os produtos e serviços florestais, ou seja, coisas (frutos, resinas, folhas etc) extraídas da floresta e atividades exercidas sobre elas.

Interessante notar que Gisele Ferreira de Araujo2classifica o turismo ambiental como um serviço ambiental cultural. Além de tal categoria, os serviços ambientais seriam de provisão e de regulação. Explica a doutrinadora:

Os serviços ambientais são verdadeiramente essenciais, não somente para a redução da pobreza, mas principalmente para a sobrevivência humana.

Para efeitos de uma categorização, podemos classificar os serviços ambientais em serviços de provisão, serviços de regulação e serviços culturais.

Os serviços ambientais de provisão consistem nos produtos obtidos a partir dos ecossistemas como alimentos, águas, madeira, fibras, bioquímicos e recursos genéticos.

Os serviços de regulação podem ser descritos como aqueles benefícios obtidos pela regulação dos processos ecossistêmicos como, por exemplo, a regulação climática, a regulação de doenças a regulação hídrica, a purificação da água e a polinização.

Os serviços culturais são aqueles benefícios imateriais obtidos dos ecossistemas como o ecoturismo, a herança paisagística, cultural, religiosa, espiritual e educacional. [grifos nossos]

Do texto transcrito conclui-se que a doutrinadora denomina de serviços também aquilo que a Lei Geral de Gestão de Florestas Públicas qualifica de produtos florestais, em contraposição a serviços florestais, e baliza como benefícios imateriais estes últimos.

Em relação ao manejo florestal sustentável, para que a exploração da floresta assim seja considerada, também é indispensável, à luz do conceito legal, que ocorra sobre uma área predeterminada chamada

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unidade de manejo, que, por seu turno, é conceituada no artigo 3º, inciso VIII, da Lei Geral de Gestão de Florestas Públicas, como:

Perímetro definido a partir de critérios técnicos, socioculturais, econômicos e ambientais, localizado em florestas públicas, objeto de um Plano de Manejo Florestal Sustentável - PMFS, podendo conter áreas degradadas para fins de recuperação por meio de plantios florestais.

A unidade de manejo é delimitada por um plano de manejo florestal sustentável, documento técnico composto de várias fases e que deve ter seu perímetro georreferenciado, estar incluída no cadastro de florestas públicas e no lote de concessão florestal, em atendimento ao artigo 14 da Lei Geral de Gestão de Florestas Públicas.

O regime de manejo florestal sustentável é um dos regimes de exploração de florestas e de formações sucessoras, tanto no domínio público como no domínio privado...

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