O conceito de segurança nacional na doutrina jurídica brasileira: usos e representações do estado novo à ditadura militar brasileira (1935-1985)

AutorArno Dal Ri Júnior
Páginas525-543
O CONCEITO DE SEGURANÇA NACIONAL NA DOUTRINA
JURÍDICA BRASILEIRA: USOS E REPRESENTAÇÕES DO ESTADO NOVO
À DITADURA MILITAR BRASILEIRA (1935-1985)
THE CONCEPT OF NATIONAL SECURITY IN BRAZILIAN JURIDICAL
DOCTRINE: USES AND REPRESENTATIONS FROM THE 󰜝ESTADO NOVO󰜞
UNTIL THE BRAZILIAN MILITARY DICTATORSHIP (1935-1985)
Arno Dal Ri Júnior
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
É Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí [1997],
Mestre em Direito e Política da União Européia pela Università degli Studi di
Padova [1999] e Doutor em Direito Internacional pela Università Luigi Bocconi de
Milão [2003], tendo realizado Pós-Doutorado na Université Paris I (Panthéon-
Sorbonne) [2003-04]. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal
de Santa Catarina, sendo responsável pelas disciplinas 'Direito Internacional' no
Curso de Graduação e 'Teoria e História do Direito Internacional' no Programas de
Mestrado e Doutorado em Direito. É também subcoordenador do Programa de
Pós-Graduação em Direito da UFSC e Professor nos Programas de Doutorado em
'História do Estado' na Universidades de Alcalá (Espanha), em 'Teoria e História do
Direito' na Universidade de Florença e em 'História do Direito' na Universidade de
Macerata (Itália). É avaliador da CAPES para pedidos de bolsas de doutorado
pleno no exterior (BEX) e pedidos de apoio à participação de eventos no exterior
(AEX). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Internacional e
História do Direito. E-mail: arnodalri@gmail.com
Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 525-543, julho/dezembro de 2013.
1. INTRODUÇÃO
1
Desde a Proclamação da República em 1889 até 1935, ano da emanação da Lei
de Segurança Nacional promulgada por Getúlio Vargas, os crimes contra a segurança
do Estado eram regulamentados no ordenamento penal brasileiro do mesmo modo que
O nascimento da República brasileira fecha a fase do regime imperial que se instaurou em 1822
após a Independência política de Portugal e corresponde a profundas transformações sociais e políticas
que favoreceram a emersão de uma nova classe dirigente; esta se afirmou enquanto portadora da cultura
política e jurídica republicana antiescravista, mas com a decisiva sustentação dos militares. Ao contrário
do que parece, a proclamação da República foi obtida por um grupo que não tinha uma ampla
sustentação política popular. Sobre este assunto ver FERREIRA, Jorge et A. N. DELGADO, Lucília de
(Orgs.). O Brasil republicano. O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à
Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
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Decreto n.° 847, de 11 de outubro de 1890.
2
eram regulamentados os crimes comuns; esses eram colocados no Título I e II do
2
Código Penal, emanado pelo governo republicano em 1890 . O Título I era dedicado
aos 󰜝crimes contra a existência política da República󰜞, enquanto o Título II dispunha
sobre os 󰜝crimes contra a segurança interna da República󰜞. O Título I contemplava os
crimes contra a independência, a integridade e a dignidade da Pátria (artigos 87 a 106),
os crimes contra a constituição da República e a forma de governo (artigos 107 e 108) e
crimes contra o livre exercício dos poderes políticos (artigos 109 a 114). O Título II
contemplava, ao contrário, os crimes de conspiração (artigos 115 a 117), de sedição e
de ajuntamento ilícito (artigo 118). Em nenhum caso eram previstas as penas de morte
ou de prisão perpétua.
3
A elaboração do Código Penal de 1940 aconteceu em um dos períodos mais
4
dramáticos do Estado Novo brasileiro . Todavia, mesmo que o Código tenha sido
emanado por um governo autoritário que mantinha significativas relações com o
5
fascismo italiano e com o nazismo alemão , esse parece ter sido pouco influenciado
6
pela ideologia que marcou tão profundamente essas experiências .
Uma possível resposta a tal fenômeno - que levanta interesse à luz de casos de
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certo relevo, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Constituição de
A codificação penal, freqüentemente atribuída a Nelson Hungria, que teve como base o Projeto
de 1938, elaborado por Alcântara Machado, na realidade foi obra de uma comissão integrada por
Narcélio de Queiroz e Vieira Braga, com a colaboração externa do penalista Antônio José da Costa e
Silva. A respeito ver a análise proposta na dissertação de SONTAG, 2009.
3
O regime do Estado Novo foi introduzido por Getúlio Vargas com a intenção de conter a ameaça
comunista no Brasil. Para dar ao novo regime uma aparência legal, Francisco Campos, aliado político de
Vargas, redigiu uma nova constituição inspirada em muitos pontos no ordenamento constitucional
polonês e no fascista italiano. A nova constituição brasileira ampliou os poderes presidenciais, dando a
Vargas o direito de ingerência sobre os poderes Legislativo e Judiciário. Além disso, os governadores dos
Estados federados passaram a ser indicados diretamente pelo Presidente da República. Mesmo se
estavam presentes alguns aspectos que o rendiam comparação aos regimes políticos fascista e nazista,
não é possível entender o Estado Novo como uma mera imitação destes últimos. A inexistência de um
partido que fizesse a intermediação entre povo e Estado, a ausência de uma política eugênica, além da
falta de uma ideologia ultranacionalista, são alguns pontos que diferenciam a experiência do Estado
Novo do fascismo italiano e do nazismo alemão. Entre as fórmulas políticas adotadas durante o Estado
Novo, recorda-se o chamado 󰜝Estado de Compromisso󰜞, em que são depurados os mecanismos de
controle e abertas as vias de negociação política, as quais serviram de base para o surgimento de uma
ampla frente de sustentação de Getúlio Vargas. Ver, a respeito, D'ARAUJO, 2000, e o verbete de
MARTINS, 1983.
4
Ver, a propósito, a obra de SEITENFUS, 2003.
5
Sobre as influências doutrinais no Código Penal, afirmava Magalhães Noronha: 󰜝Era e é um
Código Penal eclético, como se falou e declara a Exposição de Motivos. Acende uma vela a Carrara e
outra a Ferri. É, aliás, o caminho que tomam e devem tomar as legislações contemporâneas󰜞
(NORONHA, 1991, p. 26). Esse dualismo entre as duas escolas é exaltado na 󰜝Exposição de Motivos󰜞 do
Ministro da Justiça Francisco Campos: 󰜝'Coincidindo com a quase totalidade das modificações
modernas, o projeto não reza em cartilhas ortodoxas, nem assume compromissos impenetráveis ou
incondicionais com qualquer das escolas ou das correntes doutrinárias que se disputam o acerto na
solução dos problemas penais. Ao invés de adotar uma política extremada em matéria penal, inclina-se
para uma política de transação ou de conciliação. Nele os postulados clássicos fazem causa comum com
os princípios da Escola Positiva󰜞.
6
Decreto-Lei n.° 5.452, de 1º de maio de 1943.
7
Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 525-543, julho/dezembro de 2013.

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