Competência Cautelar

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2375-2394

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1. Considerações introdutórias

Demonstramos, no capítulo anterior, que a jurisdição constitui eflúvio da soberania do Estado e se encontra vinculada a limites territoriais.

Ora, sendo o Estado detentor do monopólio jurisdicional, pareceria lógico afirmar que quaisquer de seus órgãos existentes no território nacional poderia, de maneira indiferente, conhecer os conflitos de interesses estabelecidos entre os indivíduos, e solucioná-los, pouco importando o lugar, dentro desse território (e às vezes fora dele), em que tais conflitos viessem a ocorrer, a matéria que lhes dá conteúdo e as pessoas neles envolvidas. Embora lógica uma suposição dessa ordem, salta aos olhos a inconveniência prática de atribuir-se aos órgãos jurisdicionais aquilo que bem se poderia denominar de “atuação indiferente” em face da massa de conflitos de interesses eclodidos no País — máxime como o nosso, de dimensões continentais.

Sensível a isso e levando em conta a extensão territorial, a densidade demográfica, a natureza das lides, a qualidade das pessoas e outros critérios adequados, as normas legais prefixaram a quantidade da jurisdição atribuída aos órgãos judiciários, para efeito de melhor exercício das funções que lhe são imanentes. Com base nesse fato, podemos dizer que a outorga de competência a determinado órgão jurisdicional exclui, por princípio, a competência dos demais.

Justifica-se, por esse motivo, a tradicional conceituação da competência como a medida da jurisdição, o seu elemento de quantificação.

Deixando de lado a competência internacional, para nos dedicarmos a comentários sobre a interna — entendida como a que não ultrapasse os limites territoriais do País —, vejamos de que maneira ela se encontra distribuída aos diversos órgãos e quais os critérios legais determinativos dessa repartição.

Sob o primeiro aspecto, os órgãos integrantes do Poder Judiciário brasileiro estão, fundamentalmente, compreendidos em duas classes: a) a da jurisdição comum; e b) a da jurisdição especializada. A própria Constituição Federal define pertencerem à primeira classe a Justiça Federal (arts. 106 a 110) e as Justiças Estaduais (arts. 125 e 126); à segunda, a Justiça Militar (arts. 122 a 124), a Justiça Eleitoral (arts. 118 a 121), a Justiça do Trabalho (arts. 111 a 117), bem como as Justiças Militares Estaduais.

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A divisão dos órgãos jurisdicionais em comuns e especializados atendeu à natureza das lides interindividuais — critério igualmente adotado para estabelecer a competência dos vários órgãos componentes da classe dos especializados. Dessa maneira, reservara-se, inicialmente, à Justiça do Trabalho a competência para apreciar lides envolvendo trabalhadores e empregadores (CF, art. 114); à Justiça Eleitoral, conflitos relacionados a eleições políticas (art. 118); à Justiça Militar, lides penais baseadas no direito penal militar e na Lei de Segurança Nacional (art. 122). Posteriormente, a Emenda Constitucional n. 45/2004 atribui nova redação ao art. 114 da CF, para especificar os casos que entram na competência da Justiça do Trabalho. Merece observação especial o disposto no inciso I do referido artigo, pois este, ao aludir às “ações oriundas da relação de trabalho”, ampliou, por si só (sem prejuízo dos demais incisos), a competência desse ramo do Poder Judiciário, pois a expessão “relação de trabalho” tem um sentido muito mais amplo do que a “relação de emprego”. Esta, aliás, é a espécie, da qual aquela é o gênero.

Passemos ao exame dos critérios utilizados pelo legislador para fixar a competência interna.

No plano do CPC, a competência interna está disciplinada no Livro I, Título IV, Capítulo III e compreende as competências: a) em razão do valor e da matéria (Sec. I, arts. 91 e 92); b) funcional (Sec. II, art. 93); e c) territorial (Sec. III, arts. 94 a 101). O legislador parece haver-se inspirado, quanto a isso, na doutrina de Chiovenda, para quem a competência deveria ser estabelecida com vistas a três critérios: a) objetivo; b) territorial; e c) funcional. O critério objetivo põe à frente certos aspectos externos da lide, como a matéria, as pessoas e o valor da causa.

2. Matéria

Com matéria se quer expressar, em tema de competência, a natureza da relação jurídica material objeto do litígio.

A Justiça do Trabalho, tradicionalmente, era dotada de competência para solucionar conflitos entre empregados e empregadores. No texto da Constituição Federal de 1988, porém, essa competência passou a dizer respeito às lides envolvendo trabalhadores e empregadores. A Emenda Constitucional n. 45/2004 implicou uma profunda ruptura com essa tradição ou com esse paradigma constitucional, ao atribuir competência à Justiça do Trabalho para processar e julgar “as ações oriundas da relação de trabalho” (art. 114, I).

Em termos concretos, isto significa dizer que a Justiça do Trabalho poderá apreciar e solucionar não apenas lides envolvendo trabalhadores e empregadores, senão que lides nas quais, de um lado, figure como parte um trabalhador, lato sensu, independentemente da natureza jurídica do contrato (de trabalho ou civil), e, de outro, o tomador dos seus serviços, mesmo que não seja empregador, como tal conceituado pelo 2.º, caput, da CLT.

A relação de trabalho é o gênero, da qual a relação de emprego constitui a espécie mais expressiva.

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O julgamento de lides provenientes de relação de trabalho em sentido amplo, que era uma exceção no texto constitucional anterior à EC n. 45/2004, transformou-se, por obra desta, em regra, ampliando assim, com essa inversão, de maneira considerável, a competência da Justiça do Trabalho. Mencionada ampliação da competência, aliás, já vinha sendo realizada pela jurisprudência. Melhor explicando: embora constitua um truísmo a afirmação de que a competência deva sempre promanar de norma legal (“a competência não é de quem a quer ter, mas de quem a lei a atribui”), a jurisprudência, mercê de uma interpretação ideológica (e, também, política) dessas normas, concluiu estarem na competência dessa Justiça Especializada lides versando, por exemplo, sobre:
a) direito fundado em quadro de carreira (TST, Súmula n. 19); b) levantamento de valores depositados no FGTS (TST, Súmula n. 176); c) abusividade, ou não, de greve (TST, Súmula
n. 189); d) cadastramento no PIS (TST, Súmula n. 300); e) complementação de pensão requerida por viúva de ex-empregado (TST, SBDI-I, OJ n. 26); f) regime jurídico único, em caráter residual, após a vigência da Lei n. 8.112/90 (TST, SBDI-I, OJ n. 138); g) descontos previdenciários (TST, SBDI-I, OJ n. 141); h) seguro-desemprego (TST, SBDI-I, Súmula n. 389); i) indenização por dano moral (TST, Súmula n. 392).

Os litígios relativos a acidentes do trabalho, contudo, são apreciados e dirimidos pela Justiça Comum dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ressalvados os casos previstos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

No âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, o critério material dá-lhes competência para julgar, originariamente, dissídios coletivos, revisões de sentenças normativas, mandados de segurança, ações rescisórias, conflitos de competência, etc. (CLT, arts. 678 a 680), sem prejuízo da competência recursal, que lhes é característica.

A competência ratione materiae do Tribunal Superior do Trabalho está prevista na Lei n. 7.701, de 21-12-88, que revogou o art. 702 da CLT.

Do quanto expusemos até esta altura, podemos dividir a competência material da Justiça do Trabalho em quatro espécies, a saber:

  1. original, que diz respeito aos litígios entre trabalhadores e empregadores (relação de emprego), sejam individuais ou coletivos;

  2. derivada, que compreende as “ações oriundas da relação de trabalho” (que não configurem relação de emprego), de que fala o art. 114, inciso I, da CF, com a redação imposta pela EC n. 45/2004;

    c) conexa, que concerne às “ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho” (CF, art. 114, VII);

  3. executória, que se refere à execução das sentenças ou acórdãos proferidos, aqui incluídas as contribuições sociais (CP, art. 114, VIII);

3. Pessoas

Destaca Moacyr Amaral Santos, que em épocas remotas o critério que se baseava na condição das pessoas para determinar a competência dos órgãos jurisdicionais teve elevada

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importância, pois motivou o surgimento das mais diversas jurisdições especiais; estas, contudo, foram desaparecendo à medida que os povos se encaminharam para a democracia, regime em que dominam os princípios da liberdade e da igualdade. A nossa Constituição, por exemplo, ao dispor sobre os direitos e garantias individuais, assegura que não haverá foro privilegiado nem tribunais de exceção (art. 5.º, XXXVII) (ob. cit., p. 179), com o que coloca em destaque o princípio do juiz natural.

Essa declaração formulada pelo texto constitucional não impede, porém, que em determinadas situações se leve em conta a condição das pessoas envolvidas na lide como critério fixador da competência, desde que respeitado o princípio do juiz natural.

A Constituição Federal, por exemplo, atribui aos juízes federais competência para processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal, forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, excetuadas as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho (art. 109, I).

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