Da competência funcional para julgar pedido declaratório de reconhecimento da existência de relação jurídica de união estável: uma análise do ordenamento jurídico brasileiro concluindo pela competência funcional dos Juízes de Direito.

AutorJamenson Ferreira Espindula de Almeida Melo
1. Colocação do problema

Trata-se, na origem, de Demanda submetida a apreciação e julgamento de Juízo Federal de Juizado Especial Federal Cível na qual uma Senhora, afirmando que manteve relação jurídica de União Estável com Segurado falecido, formulou dois pedidos em face do Instituto Nacional do Seguro Social, nos seguintes termos:

A procedência da ação com reconhecimento da união estável entre a pessoa autora e o segurado falecido e deferimento da pensão por morte;

A expressão “deferimento da pensão por morte” pode dar a entender que se trata de benefício novo, é dizer, que o Instituto Nacional do Seguro Social passaria, caso atendido o pleito da pessoa autora, a pagar um benefício para ela (efeitos patrimoniais);

Na verdade, e isto é muito importante, já existe um benefício implantado e sendo pago para uma filha menor do Segurado falecido, pretendendo a autora da Demanda um mero rateio do mencionado benefício e não um benefício novo;

Nesse contexto, do ponto de vista do Instituto Nacional do Seguro Social, nenhum efeito patrimonial decorreria caso o pleito da pessoa autora da Demanda viesse a ser atendido, afastando o interesse da autarquia na dita Demanda;

2. O disciplinamento normativo

Dispõe o § 3º, do artigo 226, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

A Lei Ordinária Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, em seu artigo 3º, § 2º, dispõe que:

Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial. (grifo nosso).

Dispõe o artigo 9º, da Lei Ordinária Federal nº 9.278, de 10 de maio de 1996, que:

Toda a matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça;

Dispõe a Lei Ordinária Federal nº 11.697, de 13 de junho de 2008, em seu artigo 27, inciso I, alínea “e”, que:

Art. 27. Compete ao Juiz da Vara de Família:

I – processar e julgar:

  1. as ações decorrentes do art. 226 da Constituição Federal;

3. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça tem uma lista de vinte e oito (28) julgados onde se constata a mesma orientação no sentido de que compete à Justiça dos Estados processar e julgar pedido declaratório da existência de relação jurídica de União Estável, conforme os seguintes dados:

Ordem:

Descrição:

01

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº 3.628-AP. Relator Ministro Sálvio de Figueiredo. Data do julgamento: 10/02/1993. Diário da Justiça, 08/03/1993.

02

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº 4.484-PE. Relator Ministro Eduardo Ribeiro. Data do julgamento: 14/04/1993. Diário da Justiça, 10/05/1993.

03

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº: 20.968-DF. Relator Ministro Nilson Naves. Data do julgamento: 12/08/1998. Diário da Justiça, 28/09/1998.

04

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº 26.680-RJ. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Data do julgamento: 13/12/1999. Diário da Justiça, 17/04/2000.

05

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº 27.763-RJ. Relator Ministro Cesar Asfor Rocha. Data do julgamento: 09/02/2000. Diário da Justiça, 27/03/2000.

06

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº 32.178-RJ. Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Data do julgamento: 22/08/2001. Diário da Justiça, 22/10/2001.

07

STJ, Monocrática. Conflito de Competência nº 20.359-RJ. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Data do julgamento: 21/03/2002. Diário da Justiça, 09/04/2002.

08

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº 35.061-DF. Relator Ministro Castro Filho. Data do julgamento: 11/02/2004. Diário da Justiça, 22/03/2004.

09

STJ, Terceira Seção. Conflito de Competência nº 45.703-RJ. Relator Ministro Paulo Medina. Data do julgamento: 23/02/2005. Diário da Justiça, 11/04/2005.

10

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº 48.127-SP. Relator Ministro Jorge Scartezzini. Data do julgamento: 08/06/2005. Diário da Justiça, 22/06/2005.

11

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº 36.210-AC. Relator Ministro Fernando Gonçalves. Data do julgamento: 10/08/2005. Diário da Justiça, 22/08/2005.

12

STJ, Terceira Turma. Recurso Especial nº 684.745-PR. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Data do julgamento: 16/05/2006. Diário da Justiça, 04/09/2006.

13

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº 53.785-AP. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Data do julgamento: 27/09/2006. Diário da Justiça, 30/10/2006.

14

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº 51.173-PA. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Data do julgamento: 13/12/2006. Diário da Justiça, 08/03/2007.

15

STJ, Terceira Seção. Conflito de Competência nº 86.553-DF. Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Data do julgamento: 22/08/2007. Diário da Justiça, 17/09/2007.

16

STJ, Monocrática. Medida Cautelar nº 13.846-DF. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do julgamento: 15/02/2008. Diário da Justiça, 26/02/2008.

17

STJ, Quinta Turma. Recurso em Mandado de Segurança nº 24.005-DF. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do julgamento: 26/02/2008. Diário da Justiça eletrônico, 26/05/2008.

18

STJ, Monocrática. Agravo Regimental em Medida Cautelar nº 13.846-DF. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do julgamento: 04/04/2008. Diário da Justiça eletrônico, 15/04/2008.

19

STJ, Monocrática. Conflito de Competência nº 97.241-MG. Relator Ministro Felix Fischer. Data do julgamento: 06/08/2008. Diário da Justiça eletrônico, 18/08/2008.

20

STJ, Quinta Turma. Embargos de Declaração em Recurso em Mandado de Segurança nº 24.005-DF. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do julgamento: 07/08/2008. Diário da Justiça eletrônico, 20/10/2008.

21

STJ, Terceira Seção. Conflito de Competência nº 94.774-RJ. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Data do julgamento: 13/08/2008. Diário da Justiça eletrônico, 01/09/2008.

22

STJ, Monocrática. Conflito de Competência nº 98.695-BA. Relatora Ministra Laurita Vaz. Data do julgamento: 31/10/2008. Diário da Justiça eletrônico, 07/11/2008.

23

STJ, Monocrática. Recurso Extraordinário em Embargos de Declaração em Recurso em Mandado de Segurança nº 24.005-DF. Relator Ministro Ari Pargendler. Data do julgamento: 13/02/2009. Diário da Justiça eletrônico, 19/02/2009.

24

STJ, Quinta Turma. Recurso Especial nº 1.015.769-PB. Relator Ministro Jorge Mussi. Data do julgamento: 16/06/2009. Diário da Justiça eletrônico, 03/08/2009.

25

STJ, Terceira Turma. Recurso Especial nº 929.348-SP. Relatora Ministra Nanci Andrighi. Data do julgamento: 07/04/2011. Diário da Justiça eletrônico, 18/04/2011.

26

STJ, Segunda Seção. Conflito de Competência nº 117.526-SP. Relatora Ministra Nanci Andrighi. Data do julgamento: 24/08/2011. Diário da Justiça eletrônico, 05/09/2011.

27

STJ, Quarta Turma. Recurso Especial nº 1.006.476-PB. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Data do julgamento: 04/10/2011. Diário da Justiça eletrônico, 04/11/2011.

28

STJ, Terceira Seção. Conflito de Competência nº 107.227-BA. Relator Ministro Og Fernandes. Data do julgamento: 08/08/2012. Diário da Justiça eletrônico, 21/08/2012.

Observe-se que, no Conflito de Competência nº 3.628 – AMAPÁ, julgado em 10/02/1993, pelos Ministros integrantes da Segunda Seção, do Superior Tribunal de Justiça, Sua Excelência, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo (Relator), assim consignou no Relatório do seu voto:

Trata-se de ação ajuizada com vistas à declaração de existência de relação jurídica – constituição de sociedade de fato – entre a autora e o ex-marido da ré, falecido. O feito, aforado perante o Juízo de Direito suscitado [Juízo de Direito da 3ª Vara Cível e da Fazenda Pública de Macapá – AP], foi remetido à Justiça Federal, ao fundamento de ser o objeto da causa “o reconhecimento de direito à pensão junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS”, para o que faleceria competência ao Juízo Estadual. O MM. Juiz Federal, ao receber os autos, suscitou o conflito negativo sob a seguinte argumentação: “data venia do entendimento exposto acima, entendo ser absolutamente incompetente para processar e julgar os feitos anteriormente relacionados, por isso que cuidam de declaração acerca da virtual existência de sociedade de fato entre a Autora e o ex-esposo da Ré, com as consequências legais daí decorrentes. Ao contrário do que entendeu o Eminente Magistrado não se debate pelo reconhecimento do direito à pensão junto ao INSS. Colima-se, isto sim, o acertamento de relação jurídica cujos contornos não se apresentam definidos”.

Sua Excelência, julgando, consignou a seguinte tese:

A ação, destarte, foi proposta pela concubina contra a mulher do de cujus. Não se cuida, aqui, do procedimento especial da justificação, segundo o rito previsto nos artigos 861 a 866 da Lei processual, com caráter de jurisdição voluntária. A hipótese versa pretensão declaratória, cujos efeitos jurídicos irão se estender a todo o complexo de relações do falecido, inclusive as decorrentes do casamento. A relação jurídica processual, portanto, de caráter contencioso, se angularizou entre pessoas que não detém prerrogativa de foro, debatendo-se matéria afeta ao direito de família, das obrigações e das sucessões, podendo abranger aspectos previdenciários, não necessariamente preponderantes. Assim sendo, a competência para o julgamento do feito é da Justiça Estadual, inaplicando-se na...

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