A Negociação Coletiva no Contrato Desportivo: Realidade ou Falácia?

AutorFábio Goulart Villela
Ocupação do AutorProcurador do Ministério Público do Trabalho no Estado do Rio de Janeiro
Páginas312-324

Page 312

Ver nota 1

I - Introdução

Enquanto o Direito Individual do Trabalho consiste no complexo de regras, princípios e institutos que disciplinam as relações de emprego e outras relações de trabalho normativamente especificadas, estabelecendo os direitos e obrigações dos respectivos sujeitos contratantes, o Direito Coletivo do Trabalho regula as relações entre as organizações coletivas de empregados e empregadores e/ou entre as organizações profissionais e os empregadores diretamente, já que estes últimos se amoldam perfeitamente à figura do sujeito coletivo.

Assim, em razão de a categoria profissional, nas relações coletivas de trabalho, se fazer representar pela entidade sindical que lhe for correspondente, possuindo amplas margens de ação e negociação conferidas pelo art. 8º, inciso III, da Constituição Federal, considera-se, em tese, que há uma paridade de condições com a classe patronal ou econômica, o que implica a relativização de alguns princípios específicos do Direito Individual do Trabalho.

Pode-se definir o Direito Coletivo do Trabalho como sendo o conjunto de regras, princípios e institutos que disciplinam as relações coletivas de trabalho e a organização e atuação coletiva dos respectivos sujeitos e de outros grupos jurídicos normativamente especificados.

O Direito Coletivo do Trabalho tem nas relações coletivas, entre empregados e empregadores, sua categoria básica. Estas relações formaram-se a partir da associação sindical profissional, desde o século XIX, ocasião em que os empregados passaram a agir através de entidades associativas, alcançando status de sujeito coletivo, agindo com maior força e eficiência política em relação a sua representação de forma individual.

A autonomia de um ramo jurídico se traduz na sua capacidade de ter regras, teorias e métodos próprios de estruturação e dinâmica. Em relação ao Direito Coletivo do Trabalho, existe um intenso debate acerca dessa autonomia, com defensores de peso em ambas as posições.

Para a corrente que nega autonomia ao Direito Coletivo do Trabalho, faltaria identidade legislativa (as leis e normas que regem o Direito Coletivo seriam as mesmas do restante do Direito do Trabalho), identidade doutrinária (o Direito Coletivo estaria inserido no conjunto doutrinário do Direito do Trabalho), autonomia didática (não existiria uma disciplina curricular própria nas Faculdades de Direito), e instituições e princípios próprios, que pudessem ser distinguidos no cotejo com os trabalhistas clássicos.

Já aqueles que entendem ser o Direito Coletivo um ramo autônomo, defendem que a autonomia existe, ainda que de forma relativa.

A falta de identidade legislativa seria algo irrelevante, possuindo a disciplina uma ampla identidade doutrinária, bem como autonomia didática, além de instituições e princípios próprios.

Os conflitos coletivos de trabalho, ao contrário do que ocorre nos conflitos trabalhistas individuais, que considera, de forma isolada, as partes em confronto, atingem comunidades específicas de trabalhadores e empregadores, seja em âmbito restrito do estabelecimento ou empresa, seja envolvendo toda a categoria.

Podem ser divididos em três modalidades: os conflitos de natureza jurídica, que se referem às divergências de interpretação acerca de normas (regras e princípios) jurídicas já existentes; os conflitos de natureza econômica, que se referem às divergências sobre as condições objetivas envolventes ao ambiente laboral e aos respectivos contratos de trabalho, com repercussões de cunho material (também denominados de "conflitos de interesses", em face da ação reivindicatória da categoria profissional por melhores condições de trabalho); e, por último, os conflitos de greve, os

Page 313

quais têm por finalidade a declaração da abusividade ou não do movimento paredista, podendo ainda apreciar as reivindicações dos trabalhadores que deram causa à paralisação.

Por outro lado, destacam-se três mecanismos ou métodos de solução de conflitos coletivos de trabalho.

O primeiro deles é a autotutela ou autodefesa, quando um dos sujeitos envolvidos no conflito busca, de forma unilateral, a imposição de seu interesse em face do outro e da própria comunidade. Como exemplos, citemos a greve e o lockout, sendo certo que a prática deste último é expressamente proibida pela norma contida no art. 17 da Lei n. 7.783/1989, ao vedar a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações de seus empregados.

O segundo método é o da heterocomposição, ou seja, quando a solução decorre da intervenção de agente exterior à relação conflituosa. É o caso da jurisdição (dissídio coletivo), da arbitragem coletiva, da conciliação e, para parte da doutrina, da mediação2. Para outros doutrinadores, a mediação é mecanismo de autocomposição, pois, com a anuência das partes envolvidas, o mediador apenas sugere as formas de resolver o conflito, aproximando os sujeitos coletivos para que alcancem a solução da controvérsia, sem impor qualquer decisão3.

O terceiro mecanismo é o da autocomposição, quando os próprios sujeitos originais em confronto buscam a solução do conflito, sem intervenção de outros agentes no processo de pacificação. É o que ocorre com a negociação coletiva, onde se opera a transação coletiva negociada.

Como é cediço, a Constituição da República de 1988 enuncia a liberdade de associação profissional ou sindical, nos termos do caput de seu art. 8º. E como corolário desta liberdade sindical proclamada pela Carta Política, desponta a negociação coletiva, como inequívoca expressão do exercício da autonomia da vontade coletiva, com vistas à estipulação de condições de trabalho que atendam aos interesses profissionais e patronais tutelados pelas respectivas entidades sindicais representativas.

Nesse contexto, a negociação coletiva surge como um dos mais importantes métodos de resolução de conflitos coletivos de trabalho previsto no ordenamento jurídico pátrio.

Sua principal função é a criação de normas jurídicas disciplinadoras das condições laborais que serão aplicadas às relações individuais e/ou coletivas de trabalho desenvolvidas no âmbito da sua esfera de aplicação.

De acordo com o art. 2º da Convenção n. 154 da OIT, ratificada pelo Brasil (aprovada pelo Decreto n. 22/1992 e promulgada pelo Decreto n. 1.256/1994), "a expressão ‘negociação coletiva’ compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o fim de: fixar as condições de trabalho e emprego; regular as relações entre empregadores e trabalhadores; ou regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez".

O presente estudo tem por objeto a análise da negociação coletiva no contrato de trabalho desportivo, à luz das disposições da Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé) e das inovações trazidas pela Lei n. 12.395/2011, a fim de verificar como a aplicação deste relevante instituto do Direito Coletivo do Trabalho deve se amoldar à realidade vivenciada pela seara desportiva.

Todavia, antes de nos debruçarmos sobre esta temática, necessário se faz tecermos algumas considerações iniciais sobre as espécies de diplomas negociais coletivos e os seus efeitos nos contratos individuais de trabalho.

II - Os acordos e convenções coletivos de trabalho

No Brasil, são diplomas negociais coletivos a convenção coletiva de trabalho e o acordo coletivo de trabalho.

Conforme o comando previsto no art. 611, caput, da CLT, a convenção coletiva de trabalho é o acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.

Page 314

Este instrumento normativo é resultante da negociação realizada entre entidades sindicais, com eficácia restrita ao âmbito das respectivas categorias envolvidas (profissional e econômica) e produção de normas jurídicas e de cláusulas contratuais.

Trata-se de acordo entre sindicatos de empregados e sindicatos de empregadores, resultando do exercício da autonomia da vontade coletiva de ambas as entidades. Consiste em um ajuste bilateral, que só se perfaz caso os dois contratantes combinem suas vontades. É um contrato social privado produtor de regras jurídicas.

O acordo coletivo de trabalho, segundo dispõe o art. 611, § 1º, da CLT, é o acordo de caráter normativo pelo qual o sindicato representativo de determinada categoria profissional e uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas empresas, às relações individuais de trabalho.

Este diploma negocial coletivo resulta de negociação entre sindicato profissional e uma ou mais empresas, possuindo eficácia restrita aos trabalhadores e empresas envolvidos, com produção de normas jurídicas e de cláusulas contratuais.

A Constituição da República de 1988 promoveu o reconhecimento dos acordos e convenções coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI) e a participação obrigatória dos sindicatos na negociação coletiva (art. 8º, VI).

Enquanto os sindicatos representantes das categorias profissionais, sob o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT