Classificar e medicar: a gestão biopolítica dos sofrimentos psíquicos

AutorSandra Caponi
CargoDoutora em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora do Departamento de Sociologia e Ciências Políticas e do Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH/DICH/UFSC. Pesquisadora de CNPq
Páginas101-122
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2012v9n2p101
CLASSIFICAR E MEDICAR: A GESTÃO BIOPOLÍTICA DOS SOFRIMENTOS
PSÍQUICOS
CLASSIFYING AND MEDICATING: THE BIO-POLITICAL MANAGEMENT OF
PSYCHIC SUFFERINGS
CLASIFICAR Y MEDICAR: LA GESTIÓN BIOPOLITICA DE LOS SUFRIMIENTOS
PSÍQUICOS
Sandra Caponi
1
Resumo:
Considerando que a palavra biopolítica se transformou em um marco de referência
para inúmeros debates e temas, muitas vezes sem os devidos questionamentos
sobre seus alcances e limites, pretendo analisar neste escrito, inicialmente, os eixos
centrais em relação aos quais se articula o conceito foucaultiano de biopolítica: 1) a
centralidade da norma e a oposição normalidade-patologia; (2) os estudos
estatísticos referidos aos fenômenos vitais que caracterizam as populações; (3) o
problema do risco e os dispositivos de segurança; (4) o governo das populações
como forma de gestão que exclui o governo de si. Posteriormente, será discutido um
texto recentemente publicado pelo ex-chefe do grupo de tarefas do Manual de
Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM), onde ele questiona o atual
processo de elaboração da quinta edição desse Manual. Essas críticas permitem
mostrar que o Manual se articula entorno dos mesmos eixos que caracterizam a
biopolítica das populações, configurando uma estratégia, hoje hegemônica, de
gestão dos sofrimentos psíquicos.
Palavras chave: Biopolítica. DSM. Diagnósticos. Foucault.
Abstract:
Considering that the word ‘bio-politics’ has become the referential framework of
multiple debates and topics, often without the due reflections concerning its scope
and limits, in this paper, I intend to analyze, firstly, the central axes on which
Foucault’s concept of bio-politics articulates: 1) the centrality of the norm and the
opposition normality-pathology; (2) the statistical studies referred to the vital
phenomena that characterize populations; (3) the problem of the risk and the
mechanisms of security; (4) the government of the populations as a form of
management that excludes the individual self-government. After that, a recent paper
published by the former head of the task group of the Diagnostic and Statistical
1 Doutora em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora do
Departamento de Sociologia e Ciências Políticas e do Programa Interdisciplinar em Ciências
Humanas (PPGICH/DICH/UFSC. Pesquisadora de CNPq. E-mail: sandracaponi@gmail.com
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
102
Manual of Mental Disorders (DSM) will be discussed. In that paper, he questions the
current process of preparing the fifth edition of the Manual. This criticism allows us to
show that this Manual is articulated around the same axes which characterize the
bio-politics of populations, outlining a strategy, today hegemonic, for managing the
psychic sufferings.
Keywords: bio-politics, DSM, diagnoses, Foucault.
Resumen:
Considerando que la palabra biopolítica se transformó en un marco de referencia
para innúmeros debates y temas, muchas veces sin los debidos cuestionamientos
sobre sus alcances y límites, pretendo analizar en este escrito, inicialmente, los ejes
centrales en relación a los cuales se articula el concepto foucaultiano de biopolítica:
1) la centralidad de la norma y la oposición normalidad- patología; (2) los estudios
estadísticos referidos a los fenómenos vitales que caracterizan a las poblaciones; (3)
el problema del riesgo y los dispositivos de seguridad; (4) el gobierno de las
poblaciones como forma de gestión que excluye el gobierno de sí. Posteriormente,
será discutido un texto recientemente publicado por el ex jefe del grupo de tareas del
Manual de Diagnóstico y Estadística de Trastornos mentales (DSM), donde
cuestiona el actual proceso de elaboración de la quinta edición de ese Manual. Esas
críticas permiten mostrar que ese Manual se articula en torno a los mismos ejes que
caracterizan a la biopolítica de las poblaciones, configurando una estrategia, hoy
hegemónica, de gestión de los sufrimientos psíquicos.
Palabras-clave: biopolítica, DSM, diagnósticos, Foucault.
No curso Em defesa da Sociedade (1997), Foucault explora as alianças entre
a constituição dos estados modernos e a biopolítica, destacando o lugar estratégico
ocupado pelas empresas colonialistas e pelas tecnologias de governo destinadas
aos povos colonizados. Dirá que, para que a biopolítica possa exercer uma relação
positiva com a vida, para que ela possa construir técnicas de governo destinadas a
maximizar e aumentar a força e o equilíbrio das populações, as sociedades
modernas têm aceitado conviver, de modo explicito ou implícito, com sua negação:
os processos de exclusão de tudo aquilo que possa aparecer como uma ameaça, ou
como uma fonte de degradação da vida.
Falará de estratégias que se validam num processo de regularização por
exclusão. E argumentará que a aceitação dessas estratégias ocorreu como
resultado de uma partição operada no campo do biológico pelo racismo. O racismo
deve entender-se num sentido amplo e não literal, não se limita a distinção de raças,
mas se refere a uma verdadeira hierarquização biológica pela qual se instalam
vínculos de exclusão, de negação e até de aversão, entre grupos humanos.
O racismo aparecia como o elemento central para compreender as
estratégias de exclusão e morte edificadas nos séculos XVIII e XIX pelos nascentes

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT