A classificação dos tributos segundo os critérios constitucionais

AutorLucas Matheus Molina
Páginas137-154

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1. Introdução

Tema dos mais polêmicos no Direito Tributário diz respeito à classificação das espécies de tributo. De fato, a doutrina se dissipa em inúmeras correntes a respeito da matéria cada qual atrelada a suas premissas e, por conseqüência, com ordenações próprias.

Nesse contexto, diante do farto campo de discussões que tanto a doutrina quanto a jurisprudência nos proporcionam nesta seara, buscou-se com o presente trabalho eleger uma classificação que fosse suficiente para ordenar funcionalmente todas as espécies de exações previstas ha Constituição da República.

Para tanto, num primeiro momento, conceituou-se a atividade de classificação jurídica, com o que se pretendeu, além de traçar uma definição do objeto do presente trabalho, desmistificar a concepção clássica de que as classificações não podem se pautar em mais de um fator de discrimen ao mesmo tempo sem ofensa à lógica.

Em seguida, perseguiu-se o objetivo de elaborar uma definição crítica do conceito de "tributo", principalmente com a exteriorização das impropriedades encontradas na definição utilizada pelo Código Tributário Nacional. Com isso, pretendeu-se, ainda, traçar um conceito mais consistente para o instituto em apreço.

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Adiante, já devidamente conceituados os vocábulos que se encontram no cerne do presente trabalho, de maneira concisa traçou-se um paralelo entre as duas correntes mais defendidas no que se refere às espécies tributárias - tripartida e quinaria. Nesse momento, buscaram-se argumentos para a defesa da segunda corrente como aquela que melhor se adequa ao ordenamento constitucional vigente.

Por fim, após identificadas as espécies tributárias, foram tecidos alguns comentários acerca de cada uma delas, de forma a demonstrar a peculiaridade de umas em relação às outras, corno fito de reforçar que todas as exações que se submetem a regimes jurídicos diversos merecem ser alocadas em grupo próprio de espécie tributária.

2. Da atividade de classificação

Classificar significa dividir em classes. Essa divisão, no entanto, deve ser suficiente para alocar o objeto classificado em diferentes grupos que comunguem de uma mesma característica. Vale dizer, o referido agrupamento deve se dar de tal modo que os objetos que compõem cada um dos grupos guardem características comuns uns aos outros que os diferenciem dos objetos que compõem os demais grupos.

Assim, é de se notar que para classificar um objeto é necessário que primeiro se eleja um critério de discrimen a partir do qual serão criados tantos grupos quantos forem possíveis identificar. Nesse contexto, os grupos são as classes do objeto ou, nas palavras de S. K. Langer, a "coleção de todos aqueles e somente aqueles termos aos quais um certo conceito seja aplicável" (1967, p. 116); e o fator de discriminação o ponto de partida para a criação destas classes, as quais devem necessariamente estar relacionadas com as características observadas no objeto.

Portanto, é de se admitir que as classes não são realidades físicas, mas fruto do psiquismo humano, intangíveis, invisíveis, enfim, inventadas para satisfazer a necessidade de aglomeração dos objetos de forma ordenada. Segundo Tárek Moyses Moussa-lem, "a classe (...) é construção intelectiva" (2009, p. 604).

Já formadas as classes de acordo com as características do objeto, mediante esforço intelectivo a que se referiu o mencionado autor, faz-se uma divisão que os direciona para uma ou outra classe conforme preencham as caraterísticas de um ou outro grupo. Esses grupos são chamados de espécies do objeto.

A propósito, vale transcrever as palavras de Paulo Ayres Barreto sobre a matéria: "Classificar é distribuir em classes, de acordo com um método ou critério previamente estabelecido. Compõem uma mesma classe os elementos que satisfaçam o critério eleito. Como predica Lourival Vilanova, 'um conjunto não se constitui sem critério de pertinência'. É a partir da fixação desse critério que se afere a compatibilidade entre os elementos que conformam a classe" (2006, p.49).

Diante do que se expôs, é de se concluir que um mesmo objeto pode ser alvo de inúmeras classificações completamente diferentes, todas corretas. A título de ilustração, suponha-se uma caixa com quatro bolas brancas e quatro bolas azuis, duas pequenas, uma grande e uma intermediária de cada cor.

Se nos propusermos a classificá-las de acordo com o critério de discrimen "cor", poderemos observar dois grupos: (a) as bolas brancas; e (b) as bolas azuis, ambos compostos por quatro bolas cada, uma grande, uma intermediária e duas pequenas. Há, pois, de acordo com essa classificação duas espécies de bolas: as azuis e as brancas.

Por outro lado, caso o fator de discrimen eleito seja o tamanho das bolas, haverá três grupos: (a) o grupo das bolas pequenas, nas quais estarão duas brancas e duas azuis; (b) o grupo das bolas intermediárias, constituído por uma bola branca e outra azul; e (c) o grupo das bolas grandes, composto por uma bola branca e uma azul. Diante dessa

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nova classificação, observam-se três espécies de bolas: pequenas, médias e grandes, sejam elas brancas ou azuis.

Nesse aspecto é de se notar que, embora as classificações apontem para um número diverso de espécies, ambas estão corretas, já que são suficientes para organizar as bolas em diferentes grupos de acordo com as características de cada uma delas. Não há, portanto, uma classificação mais correta que a outra.

O que se pode verificar são classificações que, embora corretas, são inúteis e, portanto, não merecem ser estudadas. Nesse contexto, impende trazer à baila os ensinamentos de Eduardo Garcia Mayenez sobre o tema: "(...) posible sería, aun cuando enteramente ocioso, dividir los libros de una biblioteca atendiendo al color de sus tejuelos, o formar grupos de normas de acuerdo con el número de palabras de su expresión verbal. Las clasificaciones tienen únicamente valor cuando responden a exigencias de orden práctico o necesidades sistemáticas" (1971, p. 78).

No mundo jurídico, as classificações seguem a mesma lógica, ou seja, os institutos são agrupados em espécies de acordo com as características neles identificadas. Ocorre que, diante das inúmeras características que um instituto jurídico pode ostentar, cabe ao jurista eleger uma ou mais peculiaridades que sejam relevantes e possam alocar as diversas espécies do instituto em grupos que sejam divididos de forma funcional.

A propósito, importante salientar que no campo das classificações jurídicas, tanto mais adequada (útil) será uma classificação quanto mais for apta a isolar as espécies do instituto em grupos que se submetam ao mesmo regime de regulamentação.

Assim, para que se construa uma divisão jurídica completa e adequada de um instituto jurídico, é imprescindível que o jurista se valha de tantos critérios quantos forem necessários para agrupá-los em diferentes classes, de forma a alocá-los em grupos submetidos ao mesmo regime jurídico.

Ademais, impõe-se registrar que, ao contrário do que muitos sustentam, é possível que se classifiquem objetos em função de mais de um critério de discriminação sem que se incorra em ofensa à lógica. Aliás, há casos, tal como ocorre com a classificação dos tributos como adiante se demonstrará, que a eleição de mais de um critério é até necessária.

Contudo, para classificar um instituto com base em mais de um fator de discrimen é indispensável que o jurista observe os diferentes grupos que deles exsurgem de forma contextualizada para que a classificação proposta não seja incoerente. Paulo Ayres Barreto propõe como solução para as classificações de objetos com mais de um critério de pertinência a divisão por etapas.

"Ao pretender-se dividir tributos em diferentes classes, tem-se, necessariamente, que: (i) eleger um único fundamento para divisão, em cada etapa do processo classifi-catório; (ii) as classes identificadas em cada etapa desse processo devem esgotar a classe superior; e (iii) as sucessivas operações de divisão devem ser feitas por etapas, de forma gradual" (2006, p. 74).

Não concordamos, porém, com a assertiva, vez que basta uma análise contextualizada de todas as características eleitas como critério de pertinência para que a classificação não incorra em ofensa à lógica. A título de ilustração, tome-se por base uma classificação que utiliza o critério "condição a" como fator de discriminação. Todos os objetos que satisfaçam a "condição a" se enquadram em uma classe; todos os que não satisfaçam enquadram-se em outra classe. Note-se que a divisão com base em apenas um fator relevante é clara.

Criam-se dois grupos bem definidos: grupo "a"; e grupo "não-a", ou seja, a classe dos objetos que satisfazem a "condição a" e a dos que não satisfazem. Por outro lado, ao se eleger um segundo fator de discrimen, por exemplo, a "condição b", pode ocorrer de haver dois objetos que igualmente satisfaçam a condição "a" e que, no entanto, enquadram-se em grupos distintos.

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É que a combinação de grupos, nessa nova classificação, ramifica-se não mais em duas classes, mas em quatro, ou seja, grupo "a"; grupo "ab"; grupo "não-a não-b"; e grupo "b". Nesse contexto, é de se notar que para pertencer ao grupo "a", por exemplo, bastaria que o objeto satisfizesse a condição "a". Por outro lado, todos os componentes do grupo "ab", embora satisfaçam a condição "a" não se enquadram naquela classe.

A princípio, portanto, seria possível identificar uma contradição nos critérios de classificação. Tal contradição, no entanto, não suporta uma análise mais acurada e profunda dos critérios adotados como fator de discrimen. É que, no exemplo mencionado, o grupo "ab" é especial em relação ao grupo "a", já que, além da "condição a" exige também o cumprimento da "condição b".

Assim, fica fácil perceber que o grupo "a"...

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