Classe dirigente e ensino jurídico

AutorJoaquim Falcão
Páginas39-80
Classe Dirigente e Ensino Jurídico | 39
CLASSE DIRIGENTE E ENSINO JURÍDICO:
uma releitura de San Tiago Dantas*
INTRODUÇÃO
Ninguém, sobretudo os que se preocupam com os incertos caminhos
de nossa educação jurídica, deveria desconhecer a aula inaugural dos cur-
sos da Faculdade Nacional de Direito, proferida em 1955, por San Tiago
Dantas. Se desconhecem, permitam estimulá-los a uma urgente leitura.
Trata-se de uma aula, que publicada posteriormente em forma de ar-
tigo1, transformou-se em um dos principais textos sobre nosso ensino do
direito, sua crise e sua reforma.
A descrição que San Tiago faz da crise, que existia antes de 1955, é tão
concorde à realidade, e o esboço de solução que apresenta, de soluções tão
evidentes, que o leitor, ao encontrar no texto exatamente aquilo que per-
cebe em sua experiência quotidiana, f‌ica com poucas opções a escolher.
Em geral, adere a San Tiago. Seja ele professor ou estudante, advogado,
educador ou pesquisador.
A partir desta adesão, seus conceitos passaram a fundamentar a maioria
dos trabalhos teóricos, e seu esboço de solução a legitimar e a impulsionar
quase todas as principais experiências de reforma de nosso ensino, sobre-
tudo nestes últimos dez anos. No entanto, se compararmos a situação de
1955 com a atual de 1976, constatamos que pouco mudou2.
A crise resiste e persiste como que incólume a todos os esforços de
superação – fundamentados ou não em San Tiago. Ao constatarmos essa
persistência algumas perguntas nos surgem:
* Publicado na Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, em 1977.
1. DANTAS, San Tiago. A educação jurídica e a crise brasileira. Revista Forense, nº 159, p. 453, 1955.
2. MIRALLES, M. T. e ARRUDA FALCÃO, J. Atitudes dos professores e alunos das faculdades de Direito do Rio de Janeiro e São
Paulo capital face ao ensino jurídico e sua reforma. – Edição Departamento de Ciências Jurídicas, PUC-RJ, p. 111 e 112,
1974, Rio de Janeiro.
Joaquim Falcão
40 | Cadernos FGV DIREITO RIO n. 3
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conseguiu se traduzir na ação inovadora do professor ou do estu-
dante?
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tif‌icava para a meditação em voz alta em que consistia a didática
tradicional – um discurso que cai no vácuo?
Para responder a essas perguntas sugeridos rápido olhar atento para o
que tem se passado de 1955 até hoje.
Cumpre reconhecer que as palavras de San Tiago não encontraram de
início repercussão suf‌iciente para se transformarem em projetos específ‌i-
cos de ação3. Nos últimos dez anos, no entanto, os adeptos começaram
a surgir. Diversas iniciativas foram tomadas visando à superação da crise.
Faculdades, professores e estudantes, associações prof‌issionais têm se reu-
nido. Projetos têm sido elaborados e complementados. Resoluções têm
sido substituídas e currículos modif‌icados4.
Ainda não se encontrou, no entanto, a não ser em momentâneas ex-
periências setoriais, a saída que todos procuram. As iniciativas tomadas,
não conseguindo reverter a situação, insistem por certo tempo, e depois
praticamente desaparecem, como que exangues diante da imensidão da
tarefa. É quando então abrem mão de sua ambição primeira – a de se
constituírem em focos geradores de uma reforma necessária – e estabele-
cem um modus vivendi com o ensino em crise.
As perguntas que formulamos nos encaminham a outras.
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nem é factível? Ou será que as iniciativas que pretenderam imple-
mentá-las não lhe guardaram a necessária f‌idelidade?
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3. Ver – VENANCIO Filho, Alberto. San Tiago Dantas e o Ensino Jurídico. Cadernos da PUC-RJ, nº 03/74, p. 20, Rio de
Janeiro. O professor Evaristo de Moraes Filho retomou o tema da reforma do ensino, logo após San Tiago, em sua aula
inaugural na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, 1959 – in A transformação do Direito e a renova-
ção do ensino jurídico, publicação Universidade do Brasil, Faculdade Nacional de Direito.
4. O autor refere-se especicamente à resolução nº 162/72, do Conselho Federal de Educação, e às reuniões das Facul-
dades de Direito, denominadas Encontro de Faculdades de Direito, que são realizadas anualmente depois do esforço
pioneiro do prof. Almir de Oliveira, em Juiz de Fora – 1971.
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As respostas a essas novas perguntas nos impõem uma releitura de San
Tiago. Não a releitura que faz o exegeta isolado do mundo que o cerca.
Ao contrário, releitura que justamente leve em consideração este mundo,
sobretudo, o que se passou nestes últimos vinte anos: a indiferença inicial,
as diversas tentativas que se seguiram tentando implementar a reforma e
a impertinente resistência da crise do ensino de direito. Mais ainda, que
leve em consideração os eventuais avanços tanto da ciência jurídica quan-
to da ciência da educação, e sobretudo a evolução da sociedade brasileira
onde esta problemática se insere.
As notas que seguem resultam de nossa releitura de San Tiago Dantas
como tentativa de encontrar respostas a essas e as outras perguntas que a
experiência vivida nos colocou.
Nosso objetivo não foi nem o de reaf‌irmar, nem o de negar San Tiago.
Ao contrário, foi o de revisitá-lo, levando conosco o relato destes vinte
anos passados, e com ele estabelecer um diálogo. Foi o de ir procurar na
aula inaugural seus conceitos eventualmente esquecidos, de sublinhar as
importâncias que estes anos ainda não souberam reconhecer e de vivif‌icar
suas principais diretrizes. A partir daí, o texto de San Tiago serve como
ponto de partida para o desenvolvimento de nossas próprias idéiais, de
nossa argumentação. O que não implica – muito pelo contrário – atitude
de permanente concordância. O diálogo estabelecido foi essencialmente
um diálogo crítico.
A releitura demonstrou que o texto de San Tiago permanece nos dias
que correm, como importante fonte de inspiração para ação.
A adesão que provocou, e que provoca ainda, é muito importante para
todos os que se preocupam com o difícil destino da educação jurídica
brasileira. A releitura que f‌izemos, e as considerações algumas vezes diver-
gentes que tecemos pretendem contribuir para uma renovação de ação, e
não para a crítica do pouco que foi feito, e do muito que não se fez.
O diálogo centra-se em duas propostas didáticas feitas por San Tiago.
Justamente as que nestes anos agruparam maior número de experiências e
igual número de divergências. A primeira é a proposta que o próprio au-
tor denominou de a “nova didática”, que contém duas medidas distintas
interligadas: a que sugere a adoção do ensino casuístico, e a que estimula
a participação do aluno no processo didático, entendida como um cha-

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