O (re) clamar do princípio da proporcionalidade: acesso à justiça na Constituição

AutorLizana Leal Lima; Valéria Ribas do Nascimento
Páginas85-111

Lizana Leal Lima. Aluna do curso de pós-graduação Especialização em Direito Público da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). Graduada em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Advogada. e-mail: lizanalima@hotmail.com.

Valéria Ribas do Nascimento. Doutoranda em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestre em Direito Público pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA) e UNISINOS. Advogada. e-mail: valribas@terra.com.br.

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Interpretar é iluminar as condições sobre as quais se compreende.

(Gadamer)

1 Introdução

O presente trabalho aborda o princípio da proporcionalidade sob o prisma da Constituição Federal. O tema justifica-se pelo fato do mesmo não estar expresso na Constituição Federal, suscitando o questionamento do reconhecimento de sua aplicabilidade e sua fundamentação normativo-constitucional, uma vez que seu objetivo é o de assegurar uma melhor efetividade e aplicabilidade dos direitos fundamentais para que sejam sopesados e empregados na proporção adequada.

Cabe, desde já, ressaltar que o princípio da proporcionalidade é de difícil definição. Devido à ausência de forma expressa na Constituição, muitas vezes é confundido com o princípio da razoabilidade. Logo, pretende-se esclarecer a diferença existente entre os dois princípios, fazendo com que se compreenda o princípio da proporcionalidade ao invés de tentar defini-lo. Vale consignar que a temática, do ponto de vista histórico, será abordada superficialmente.

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O presente tema atende a linha de pesquisa “Acesso à Justiça: solução de conflitos atinentes a Direitos Individuais e Transindividuais”, tendo em vista que a finalidade do princípio em tela é de tentar solucionar “conflitos” e proteger direitos considerados relevantes para o indivíduo. Isso é reforçado pelo fato de o tema escolhido ter como base a teoria hermenêutica, a qual busca, através do princípio da proporcionalidade, uma maneira de atender as peculiaridades do caso concreto, limitando o poder do Estado e proporcionado uma melhor aplicação dos direitos fundamentais.

Em decorrência disso, trata-se primeiramente da diferença entre regras e princípios e o estudo da “colisão entre princípios”. Será empreendida uma análise sobre a teoria dos princípios como espécies normativas, bem como a discussão acerca da resolução das “colisões” entre princípios a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade. Em um segundo momento, estuda-se especificamente o princípio da proporcionalidade, sua recepção pela Constituição Federal e, também, sua aplicabilidade no Supremo Tribunal Federal.

Não há a pretensão de exaurir a complexidade da matéria, pretende-se com o presente estudo proporcionar uma reflexão à comunidade acadêmica e aos operadores do direito, orientada a satisfazer as necessidades de uma nova sociedade, por força do Estado Democrático de Direito, pela consagração de um rol de direitos fundamentais e princípios jurídicos, em especial o princípio da proporcionalidade. Busca-se dessa forma, demonstrar que este mecanismo de interpretação não necessita vir expresso na lei para ser contemplado pelos operadores do direito, a fim de que se obtenham medidas proporcionalmente eficazes, que contribuam para a evolução social.

2 Regras e princípios: espelho da Constituição?

O estudo sobre os princípios demonstrou, no decorrer do século XX, um grande avanço no conteúdo do Direito como um todo, e de cada área do Direito em específico. Isso possibilitou uma melhor interpretação das normas constitucionais na tentativa de acompanhar as mudanças sociais.

A palavra princípio, deriva do latim principium, que significa início, começo, origem de algo (SANTOS, 2001, p. 192). A filosofia entende que princípio é a origem de uma ação ou de um conhecimento, proposição posta no início de uma dedução (LALANDE, 1999, p. 860). No campo da ciência jurídica, significa a regra maior pela qual se guiam todas as regras. É a estrutura básica e fundamental da qual derivam todas as demais regras jurídicas (SANTOS, 2001, p. 192).

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Existem princípios que não fazem parte do contexto legal, mas permanecem no mundo jurídico através de um processo hermenêutico, seja por estarem implícitos na norma positiva, como acontece com o princípio da proporcionalidade, seja pela busca de soluções jurídicas, tendo por base o direito comparado, ou ainda através de textos doutrinários.

É importante ressaltar, que os princípios não precisam estar expressos num determinado diploma jurídico para ter força vinculante. Portanto, não é por não ser expresso que o princípio deixará de ser norma jurídica. Reconhecese, assim, normatividade não só aos princípios que são explícitos, contemplados no âmago da ordem jurídica, mas também aos que, defluentes de seu sistema, anunciados pela doutrina e descobertos no ato de aplicar o direito (LIMA, 2005).

Crisafulli (1952 apud BONAVIDES, 2001, p. 230), foi o primeiro a afirmar a normatividade dos princípios:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam e, portanto, resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam [...] estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contêm.

Acerca da normatividade dos princípios jurídicos destaca-se ainda o seguinte entendimento:

Os princípios gerais são, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. O nome de princípios induz em engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios são ou não são normas. Para mim não há dúvidas: os princípios gerais são normas como todas as demais. E esta é a tese sustentada também pelo estudioso que mais amplamente se ocupou da problemática, ou seja, Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos vêm a ser dois e ambos válidos: antes de tudo, se não são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio das espécies animais, obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. Para regular um comportamento não regulado, é claro: mas agora servem ao mesmo fim para que sirvam as normas expressas (BOBBIO, 1999, p. 158).

Portanto, pode-se afirmar que os princípios constitucionais são normas dotadas de substancialidade e aplicabilidade. Desse modo, a idéia de princípio estáPage 89 intimamente ligada à noção de fundamento, base, pressuposto teórico com a finalidade de orientar o sistema jurídico (CRISTÓVAM, 2007).

Superada a questão da normatividade dos princípios, em geral faz-se necessário analisar as diferenças existentes entre dois tipos de normas: as regras e os princípios. Estabelecendo-se essa diferenciação, tem-se um ponto de partida para o estudo do princípio da proporcionalidade, sendo este princípio um dos pilares dos direitos fundamentais.

A partir de um sentido amplo e abrangente, podem-se distinguir regras e princípios da seguinte maneira:

Cabe agora introduzir nosso tema no contexto da diferença entre normas que são “regras” daquelas que são “princípios”, sendo entre essas ultimas que se situam as normas de direitos fundamentais. As regras trazem a descrição de estado-decoisa formada por um fato ou certo número deles, enquanto nos princípios há uma referencia direta de valores. Daí se dizer que as regras se fundamentam nos princípios, os quais não fundamentariam diretamente nenhuma ação, dependendo para isso da intermediação de uma regra concretizadora. Princípios, portanto, têm um grau incomparavelmente mais alto de generalidade (referente à classe de indivíduos a que a norma se aplica) e abstração (referente à espécie de fato a que a norma se aplica) do que a mais geral a abstrata das regras (GUERRA FILHO, 1991 apud REZEK NETO, 2004, p. 44).

Sobre essa questão, Robert Alexy tenta demonstrar que a diferença existente entre princípios e regras não é quantitativa, mas qualitativa, ou seja, na teoria tradicional (quantitativa, Bobbio), a quantidade ou o grau de generalidade de uma norma é que estabelece a diferença entre princípio e regra. A tese defendida por Alexy denominada “tese forte da separação” (qualitativa) preocupa-se mais com a melhor realização de determinada norma (ALEXY, 1997, p. 81-7).

Sustenta esse autor que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas, são mandados de otimização. As regras são normas que podem ou não ser cumpridas. Se uma regra é válida, então se deve fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Portanto, as regras contêm determinações no âmbito do fático e no juridicamente possível. Isso significa que a diferença que reside entre regras e princípios é qualitativa e não de grau de generalidade (ALEXY, 1997, p. 81-7).

Observa-se ainda a seguinte distinção:

Los principios, no contienen mandatos definitivos sino solo prima facie. Del hecho de que un principio valga para un caso no se infiere que lo que el...

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