Da responsabilidade civil decorrente do assédio moral

AutorAdriana Wyzykowski/Renato Da Costa Lino De Goes Barros/Rodolfo Pamplona Filho
Ocupação do AutorProfessora substituta da Universidade Federal da Bahia ? (UFBA)/Professor de Direito do Trabalho do Centro Universitário Jorge Amado e da Faculdade Dois de Julho/Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Salvador/BA
Páginas176-196

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5.1. Linhas gerais

Conforme demonstrado anteriormente, o assédio moral é um fenômeno social que vem sendo cada vez mais estudado nos diversos campos da ciência. Inúmeros são os enfoques que podem ser dados a esta temática, diante de sua multidisciplinariedade, bem como diversos são os efeitos decorrentes da instalação de um processo de psicoterror.

Nessa ótica, é de fácil percepção que seus efeitos extravasam efetivamente as discussões relativas às matérias estritamente trabalhistas, a saber: a configuração de despedida abusiva, a possibilidade de reconhecimento de despedida indireta, a possibilidade de reintegração do empregado assediado, a suspensão do contrato em virtude de acometimento de doença do trabalho etc.

Seus efeitos atingem diretamente os direitos da personalidade do trabalhador assediado, abrindo a possibilidade da vítima do processo de assédio moral buscar uma indenização pelo dano de cunho moral sofrido.

Assim, adentra-se na seara da teoria da responsabilidade civil que, nas palavras do Professor Pinho Pedreira405, “explica a obrigação de um sujeito de direito de reparar o prejuízo causado a alguém como consequência de violação de um direito seu”.

O Código Civil vigente traz, com propriedade, amparado no princípio da eticidade, artigos que merecem ser trazidos a esta análise. Inicialmente, prevê, em seu art. 186, que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

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No artigo seguinte, qual seja, o art. 187, está previsto que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Nesse sentido, previstas as hipóteses de ato ilícito, importa observar o que dispõe o art. 927, uma vez que este se utiliza daqueles conceitos para complementação de seu sentido. Estabelece o art. 927 que: “aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Assim, a análise desses dispositivos, conjuntamente, permite afirmar que o ordenamento civilista pátrio abraçou a teoria subjetivista como regra, em relação à obrigação de indenizar.

Sobre essa responsabilidade (calcada na culpa), cabe trazer o entendimento moderno acerca da culpa e do dolo. Dizem Stolze e Pamplona Filho406 que:

[...] a culpa (em sentido amplo) deriva da inobservância de um dever de conduta, previamente imposto pela ordem jurídica, em atenção à paz social. Se esta violação é proposital, atuou o agente com dolo; se decorreu de negligência, imprudência ou imperícia, a atuação é apenas culposa em sentido estrito.

Essa teoria tradicional foi, no atual Código Civil, colocada ao lado da responsabilidade objetiva, no momento em que o novo diploma legal abraçou a teoria do risco, como se vê a partir da leitura do parágrafo único do art. 927:

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.

Agora, pois, há a possibilidade de ser reconhecida a responsabilidade civil do infrator sem indagação da culpa (responsabilidade objetiva)407, nas duas situações anteriormente elencadas.

Nessa nova ótica, a vítima do assédio moral normalmente busca o ressarcimento dos danos sofridos diretamente da empresa contratante, sua empregadora, que, nos termos do inciso III do art. 932 do Código Civil, é responsável pela repação civil decorrente dos atos de “seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”; sendo que, nos termos do art. 933

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do CC408, resta definido que “as pessoas indicadas nos incisos de I a V do artigo antecedente (Art. 932), ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.

Sobre a responsabilidade civil por ato praticado por terceiro, destaca Professor Pinho Pedreira409 que:

A responsabilidade civil não se restringe aos atos praticados pelo próprio autor do prejuízo. Hipóteses há em que responde ele por danos que terceiros produziram. É esta denominada responsabilidade civil por fato de terceiro, que tanto pode ser contratual como extracontratual. Há responsabilidade contratual por fato de terceiro quando o devedor, culposamente, se faz substituir no cumprimento da obrigação, quando neste se faz ajudar por prepostos ou outros auxiliares ou quando associa alguém no uso da coisa que deve restituir. A responsabilidade aquiliana por fato de terceiro pode ser atribuída: aos representantes legais por Direito de Família; aos empregadores; aos hoteleiros; aos donos de educandários e aos possuidores de animais.

Com efeito, dúvidas não existem acerca da possibilidade da empresa responder, judicialmente, nas demandas em que se discute a ocorrência de danos morais oriundos de um processo de assédio moral instalado entre seus empregados.

Entretanto, dúvidas ainda pairam, na doutrina e na jurisprudência, acerca da possibilidade desta empresa demandada denunciar da lide ao assediador, para que ele venha a juízo como denunciado, uma vez que teria esta empresa o direito de regresso, com base no art. 934 do CC, contra ele em virtude dos prejuízos decorrentes de sua conduta danosa.

Afinal, ainda vige, na CLT, o parágrafo primeiro do art. 462410 que dispõe que:

Art. 462. Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.

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§ 1º. Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibili-dade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

Nesse caminho, sendo a conduta assediadora tipicamente dolosa411, tem-se a possibilidade desta restituição, seja por via de desconto ou de pagamento de indenização pelo agente da conduta danosa, desde que apresentada a prova de que a ação do empregado assediador foi intencional, bem como o nexo de causa e efeito da conduta com o resultado danoso.

Diante disso, melhor opção não há do que se assegurar a possibilidade da empresa denunciar da lide ao empregado assediador — efetivo responsável pelo dano causado —, para que ele, respeitando o princípio do contraditório, possa apresentar elementos na sua defesa.

Nesse contexto, passa este estudo a se debruçar sobre a análise acerca da responsabilidade civil, nas diversas modalidades de assédio moral, para, em seguida, aprofundar uma reflexão sobre a admissibilidade ou não da denunciação da lide ao empregado assediador.

5.2. Obrigação de indenizar nas diversas modalidades de assédio

Como visto em momento oportuno, existem modalidades diversas de assédio moral. Em terreno de apuração da titularidade da obrigação de indenizar, este estudo, por questões didáticas, fragmentará as suas análises em três áreas:

  1. Aquela sobre o assédio moral vertical e o horizontal;

  2. Aquela sobre o assédio moral estratégico;

  3. Aquela sobre o assédio moral misto.

5.2.1. No assédio moral vertical e no horizontal

Retomando a ideia de que o assédio moral vertical descendente é aquele praticado pelo indivíduo hierarquicamente superior contra subordinado. Entretanto, foi destacado que tal indivíduo, apesar de ser hierarquicamente su-

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perior, não é o dono da empresa412. Já no assédio ascendente, o foco de ataque está na pessoa hierarquicamente superior.

Por sua vez, o assédio moral horizontal é aquele praticado por indivíduos do mesmo nível hierárquico, não havendo qualquer relação de hierarquia entre eles.

Observa-se, nesses três casos (assédio moral vertical descendente, ascendente e no assédio moral horizontal) uma certa semelhança, já que se tem a prática do assédio por um empregado contra um outro empregado.

Nesses casos, deve-se fazer a análise acerca da responsabilidade desses assediadores por eventual dano com indagação da culpa (sentido lato), afinal é um dano decorrente da conduta da própria pessoa, sem abarcar quaisquer das hipóteses excepcionais previstas no parágrafo único do art. 927 do Código Civil.

É certo que, diante da natureza da conduta de assédio, acompanhada sempre de uma finalidade, a sua ocorrência está vinculada a uma ação dolosa.

Afinal, no entendimento deste estudo, não seria possível a prática de condutas hostis, reiteradas e prolongadas, de forma culposa (sentido estrito), haja vista estas sempre se apresentarem acompanhadas do intuito de excluir e humilhar o assediado.

Além dessa análise, já superada pelas ponderações anteriormente abordadas, deve-se voltar ao Código Civil para apuração da responsabilidade do empregador nessas hipóteses de assédio, mais precisamente ao seu art. 932, inciso III, que diz:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

(...)

III — O empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

(...).

Para maior entendimento, é necessária também a leitura do dispositivo seguinte, qual seja, do art. 933, que diz que: “as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.

Constata-se, assim, que explícita está a responsabilização objetiva, sendo indiscutível a sua incidência, haja vista a existência...

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