O Partido Socialista Chileno nos 20 anos de Concertación: mudança organizacional, concessões programáticas e crise endógena

AutorAugusto Neftali Corte de Oliveira
CargoMestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre - Brasil
Páginas115-144
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 12 - Nº 24 - Mai./Ago. de 2013
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O Partido Socialista chileno nos 20
anos de Concertación: mudança
organizacional, concessões
programáticas e crise endógena
Augusto Neftali Corte de Oliveira1
Resumo
O artigo apresenta um panorama da participação do Partido Socialista nos 20 anos, em que a
Concertación venceu sucessivas eleições presidenciais no Chile, inserindo-se no debate da ciên-
cia política sobre organização, objetivos e mudança partidária. Ao lado de pesquisa na literatura
sobre o tema, o artigo recorre a periódicos jornalísticos e documentos internos para reconstruir a
trajetória do partido. O principal argumento levantado é o de que as mudanças organizacionais e
programáticas do Partido Socialista, que estão ligadas ao sistema político chileno e ao objetivo de
manutenção da Concertación, afastaram a agremiação de seus mecanismos de inovação endóge-
na. Esse processo ref‌letiu-se em cisões no campo de esquerda do Partido Socialista e favoreceu a
derrota da candidatura presidencial da Concertación em 2009/2010.
Palavras-chave: Chile. Partido Socialista. Concertación.
1. Introdução
Após quatro eleições vitoriosas, que preencheram os primeiros vinte anos
da nova democracia do Chile, em 2010 a candidatura presidencial da Con-
certación de Partidos por la Democracia foi derrotada. Nesse longo período, a
coalizão de centro-esquerda alcançou importantes melhoras para a vida social
e política do Chile, com um modelo de gestão econômica reconhecidamente
1 Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Brasil e
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS. É autor de artigos publica-
dos nas revistas Mediações (UEL, 2011), Revista Eletrônica de Ciência Política (2011) e Debates (UFRGS,
2009). E-mail: ancolive@gmail.com.
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2013v12n24p115
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Augusto Neftali Corte de Oliveira
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eciente, avanços consistentes no enfrentamento à pobreza e reformas no
sistema político. Os governos da Concertación apresentaram ao Chile um
programa com objetivos bem denidos e, ainda que alguns compromissos
tenham cado para trás, em termos gerais o programa foi efetivamente imple-
mentado. Abstenções, desvios e adaptações das ideias inicialmente apresen-
tadas deveram-se, via de regra, à busca pelo consenso com a oposição parla-
mentar ou com os atores evolvidos nas questões especícas. Outras vezes, no
entanto, os próprios partidos da Concertación não foram capazes de chegar ao
acordo necessário para defender inovações importantes.
Em muitos sentidos, a trajetória da Concertación e de seus governos foi
marcada por um processo de concessões em dois níveis: as concessões das for-
ças de esquerda – especialmente de setores do Partido Socialista (PS) –, em fa-
vor da unidade e da manutenção da coalizão, e as concessões do governo dian-
te da oposição congressual e das forças econômicas e sociais inuentes. Esse
processo de concessões em dois níveis, antes de ser gratuito, tanto responde
à origem da coalizão quanto foi essencial para suas vitórias eleitorais. Por um
lado, a busca do consenso está no cerne da fundação da Concertación, no que
constitui sua identidade em oposição à intransigência da ditadura Pinochet e
aos conitos que dividiram o país no tempo do governo Allende. Por outro, as
concessões sempre foram justicadas perante os setores de esquerda do Chile
atual por permitirem que se mantivesse ativo o projeto de poder da coalizão.
Negociações, barganhas e acordos deniram não apenas os rumos progra-
máticos da Concertación, mas também estiveram presentes em suas disputas
internas, na denição das listas aos cargos parlamentares, na composição dos
Ministérios e na denição dos candidatos presidenciais. Um efeito colateral
dessa pactuação constante na vida da Concertación – em geral entabulada pe-
las altas lideranças nacionais – foi colocar em segundo plano a disputa política
franca e direta, limitando a participação das bases dos partidos em suas decisões
e limitando as opções apresentadas ao eleitorado. Outro efeito relativo à política
de acordos foi o enrijecimento das relações entre os partidos e entre seus grupos
internos, uma circunstância favorecida pelo sistema eleitoral binominal2.
2 Existem 60 distritos de magnitude dois para a eleição de deputados, tendo o eleitor um voto. Cada partido
ou pacto pode apresentar uma lista binominal por distrito. Elegem-se ambos caso a soma de seus votos seja
maior do que o dobro da segunda lista. Caso contrário, elege-se o primeiro de cada uma. As mesmas regras se
aplicam aos 19 distritos senatoriais.

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