Cumprimento de sentença: executividade ‘lato sensu’ ou condenação especial?

AutorAlessandro Rostagno
Páginas1-20

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1 A proposta da nova reforma do Código de Processo Civil

Com o advento da nova lei n. 11.232/05, que estabeleceu a fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogou dispositivos relativos à execução fundada em título judicial, dando outras providências, os operadores do direito se depararam com uma nova sistemática de efetivação da execução de títulos executivos judiciais, até então não empregada genericamente no sistema processual civil brasileiro, ao menos, no que diz respeito à busca da satisfação do direito material consignado em decisões jurisdicionais definitivas que dispunham sobre a condenação de alguém a pagar quantia certa.

A tentativa do legislador de reformular o tão atravancado procedimento de execução por quantia certa contra devedor solvente adveio dos constantes reclamos da doutrina e da jurisprudência no sentido da total ineficácia da formatação processual até então aplicada.

Com efeito, a vestusta formatação processual fundada na dualidade processual (cognição precedida de execução), que remonta à época romana, vinculada à idéia da necessidade de exercitar actio iudicati para cumprimento do decisum prolatado, não mais se adequava com outras parametrizações e construções legislativas modernas que permitiram, ao longo dos anos, a entrega do bem da vida no curso do mesmo procedimento, interpolando e combinando atos cognitivos e executivos em uma só relação processual, a exemplo dos procedimentos especiais e, logo após, das disposições contidas nos artigos 461 e 461-A do CPC inseridas no contexto processual com a reforma de 1995.

As técnicas legislativas consagradas naqueles procedimentos, e o estudo aprofundado da doutrina acerca da combinação de atos executivos e cognitivos, ou ainda até, cautelares, em um mesmo procedimento, trouxe o ideal de um processo sincrético, ou seja, um processo único, composto de várias fases e incidentes, mas que não permitiria aPage 2 instauração de nova relação processual para dar cumprimento ao objeto jurídico reconhecido naquela que fora precedente.

Pelo contrário, na formatação sincrética, a tipologia do iter processual aponta para a evolução de uma seqüência de atos com natureza jurídica de finalidade diversa, ora cognitiva, ora executiva, ora até cautelar, mas jamais permitindo que qualquer efetivação ou cumprimento de decisão seja concretizada fora daquela mesma relação processual que reconheceu ou não o direito postulado.

Mas como classificar, sob a ótica da natureza jurídica, o provimento contido nessas espécies de tutela jurisdicional com base nos estudos doutrinários conhecidos?

Pontes de Miranda, em seu célebre estudo acerca da eficácia das decisões jurisdicionais, quando tenta efetivar uma classificação das sentenças, impõe uma análise sob a ótica de cinco eventuais eficácias que preponderantemente uma sentença poderia produzir.

Sob sua análise, de forma magnífica e profunda, ficou sedimentada na doutrina pátria (muito embora até hoje ainda existam aqueles que somente aceitam a classificação trinária) a noção de que as sentenças poderiam ter carga preponderantemente declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e ‘executiva lato sensu’.

As três primeiras, com objeto definido pelo pedido apresentado em juízo, em vista de que se busca especificamente, o reconhecimento da existência ou inexistência de uma dada relação jurídica processual, ou de um fato, ou da criação, modificação ou extinção de uma dada situação jurídica, ou ainda, da necessidade de se exigir de alguém o cumprimento de uma obrigação, em vista da impossibilidade da obtenção do adimplemento voluntário, dado um facere, non facere ou derivada da entrega de coisa certa ou incerta, inclusive pagamento de soma em dinheiro.

Quanto às duas últimas formas (mandamentalidade e ‘executividade lato sensu’), muito embora o ilustre jurista tenha tentado sistematizar ao máximo suas digreções acerca das técnicas diferenciadas consubstanciadas ora em uma ordem dirigida especificamente a alguém que deva ser cumprida por força da inevitabilidade da jurisdição e da infungibilidade da obrigação, ora por força da necessidade de se efetivar atos de sub-rogação praticados pelo Estado como forma complementar à decisão prolatada para a perfeita entrega do bem da vida na mesma relação processual, sem a necessidade de um processo autônomo de execução, tais técnicas passaram a ser adotadas ope legis, de forma casuística, passando a doutrina a divergir em vários pontos acerca das diferenças existentes entre ambas e delas perante a própria condenação ‘stricto sensu’.

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2 Executividade lato sensu, mandamentalidade e condenação

Liebman, ao estudar a condenação, defendia a idéia de que a mesma, pura e simples, reconhecida em uma sentença, não teria eficácia executiva imediata, pois dependia de um ‘plus’, qual seja o início de um processo de execução autônomo, já que a mesma caracterizar-se-ia como preparatória à futura execução, ideal este fundado no vetusto mito da nulla executio sine titulo.

Assim sendo, a condenação não teria o caráter de exigir automaticamente o cumprimento da decisão prolatada, necessitando de atos subseqüentes exercitados em um processo posterior e autônomo, independente daquele onde foi formada a convicção de conhecimento que reconheceu a necessidade de que a parte cumpra a obrigação assumida e não adimplida voluntariamente.

Diante dessas observações, a técnica executiva lato sensu e a técnica mandamental se afastariam da condenação para assumir uma qualidade de independência da mesma a ponto de se constituírem formas específicas de prestação jurisdicional?

Entendemos que não, pois são estas técnicas as mesmas que são concretamente observadas como exemplos de efeitos jurídicos práticos derivados da condenação, pois ao se determinar uma ordem a alguém ou ao se impor atos de sub-rogação estatal para fins de complementação e conseqüente satisfação da decisão previamente obtida, nada mais se faz do que se empregar técnica processual específica voltada a uma melhor efetivação da obrigação reconhecida na decisão jurisdicional.1

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Ou seja, são meios processuais de entrega mais rápida (e mais efetiva?) do bem da vida que inevitavelmente pertence àquele que saiu vitorioso na ação tida como condenatória e, que ao final, em uma sentença, reconhece a necessidade do cumprimento de uma obrigação, seja ela de entrega de coisa, de fazer, não-fazer e claro, também, de pagar quantia certa, espécie de obrigação de dar.

Assim sendo, executividade lato sensu e mandamentalidade são efeitos jurídicos derivados da condenação, e que ope legis podem encontram aplicabilidade na mesma relação processual ou fora dela, dependendo da política legislativa adotada.

As novas disposições contidas acerca da nova técnica legislativa lançada com a recente reforma processual, caracterizam, sem embargo, respeitadas as posições doutrinárias contrárias, claro mecanismo de efetivação da decisão condenatória prolatada em fase cognitiva e que, agora, dispensando processo executivo ex intervalo, permite que o jurisdicionado obtenha, mediante meios executivos diretos ou indiretos, aplicados de maneira complementar, dependendo do tipo de obrigação contida no conteúdo decisório, a possibilidade de ver efetivada sua pretensão relativa ao pedido inicial.

Uma obrigação, no plano do direito material, constitui-se em um liame existente entre sujeitos, sendo que de um lado se põe aquele que passa a ter o poder subjetivo de exigibilidade de uma prestação definida no aspecto objetivo de toda obrigação e de outro aquele que deverá adimplir a referida prestação, por força da lei ou da convenção a que se obrigou.

Se não cumprida a referida prestação, o devedor, por força de seu comportamento omissivo, gera a denominada crise de cooperação, produzindo-se o inadimplemento, ensejando assim, a necessidade de restauração (ou prevenção) do direito subjetivo violado ou ameaçado, pela sentença condenatória.2

De forma generalizada, tem se afirmado que o processo sincrético seria marcadamente fundado na técnica da executividade lato sensu, ou seja, na sistemática que engloba atos de cognição e de execução na mesma relação processual, e que a natureza jurídica da sentença prolatada seria diversa de uma sentença condenatória, pois nesta não haveria o chamado corte na base da legitimidade que a sentença de natureza executiva latoPage 5 sensu ofertaria ao autor ou ao Réu no momento em que consigna em seu conteúdo disposição sobre a posse ou o direito relativo ao bem da vida pretendido.

Esta característica remontaria, segundo a melhor doutrina, por exemplo, a uma sentença possessória, em que o juiz reconhece na própria decisão a legitimidade da posse de uma partes (ao autor se procedente e ao réu se manifesta pela improcedência), permitindo ao mesmo, logo após o seu trânsito em julgado, na mesma relação processual, efetivar a referida decisão, através de atos de sub-rogação conseqüentes da decisão prolatada, para o obtenção de seu propósito, in casu, sendo expedido mandado de reintegração de posse em favor da parte caso não tenha havido cumprimento voluntário da decisão pois estar-se-ia restituindo ao verdadeiro e legítimo possuidor a sua condição jurídica que fora violada.

Houve execução autônoma? Não, mas simples atos de natureza executiva conseqüentes da decisão prolatada. Mas por quê? Por que assim quis o legislador, por força de política legislativa no que tange à proteção possessória.

Mas por que não estaríamos neste caso, diante de sentença condenatória? Somente pelo fato de que teria o juiz reconhecido a legitimidade da posse de uma das partes na sentença?

Ora, se o juiz reconhece a posse de alguém em sua decisão, está sem dúvida, antes de tudo, a perfazer atividade declaratória e quando determina...

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