Segregação por gênero: Uma vergonha social

AutorViviane Filgueiras Rojas
Páginas94-133

Page 94

1. Introdução

Segregação por Gênero1 nos reporta diretamente à Declaração Universal dos Direitos do Homem que propõe, no contexto mundial, como um ideal a ser alcançado: o respeito aos direitos e liberdades do ser humano, reafirmado com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.2

Não se pode esquecer, porém, que o problema da isonomia é bastante antigo e sempre foi preocupação dos filósofos. Aristóteles, por exemplo, ao tratar da justiça emPage 95 Ethique de Nicomaque,3 traçou dois tipos de igualdade, a aritmética e a geométrica, distinção retomada por Santo Tomás de Aquino. Também Platão, em La Republique,4 tratou do assunto e, com os estóicos e o cristianismo, efetivou-se a isonomia como princípio fundamental da existência humana em sociedade. Hobbes reconheceu a igualdade natural dos homens e Rousseau, a igualdade jurídica.

Para Kelsen, a irrelevância dos fatos sociais (a desigualdade social) do estado do ser como meio para se aplicar a norma com diversas interpretações, não exprime a ilação de que todos sejam iguais, mas que as desigualdades de fato são irrelevantes para o tratamento dos homens em detrimento da concepção de uma Justiça Flexível que deva se adequar ao caso concreto. Kelsen, dizia ainda, que o princípio plenamente formulado: “quando os indivíduos são iguais, ou mais rigorosamente: quando os indivíduos e as circunstâncias externas são iguais, devem ser tratados igualmente; quando os indivíduos e as circunstâncias externas são desiguais, devem ser tratados desigualmente”,5 era uma questão de lógica e não de justiça.

Foi notadamente a partir de 26 de agosto de 1789, que a adoção da igualdade perante a lei passou a ter maior retumbância, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual enuncia em seu preâmbulo:

“CONSIDERANDO que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

CONSIDERANDO que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade, e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade,

CONSIDERANDO ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,

CONSIDERANDO ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

CONSIDERANDO que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover oPage 96 progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

CONSIDERANDO que os Estados Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem e a observância desses direitos e liberdades,

CONSIDERANDO que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso (...)”

E disciplina nos artigos 1º e 2º que:

Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.”

Estes princípios foram reafirmados com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. O princípio da igualdade entre os seres humanos passou, desde então, a ser o mais amplo e o primeiro dos princípios gerais do direito – com ele começa a própria justiça e o princípio democrático, adquire consistência.

1.1. Extensão do princípio da igualdade no Brasil

No Brasil, Rui Barbosa6 também já explicava:

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam (...). Tratar com desigualdade a iguais ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante e não igualdade real. Com esta, limita-se e ordena a ação do próprio Estado, impedindo a iniqüidade.”

Assim, a partir da Declaração dos Direitos Humanos,7 quase todas as Constituições incluem em seus dispositivos a igualdade de todos perante a lei,8 esforçando-sePage 97 em fazer da igualdade jurídica, meramente formal, uma igualdade de oportunidades para todos, pois, sem liberdade e igualdade, não há vigência de um regime democrático.9

As Cartas Constitucionais passaram, desde então, a ter o dever de assegurar a igualdade absoluta ao garantir certos direitos fundamentais, quais sejam: à vida, à liberdade, à segurança e a preconizar também a igualdade formal com devida observância e cumprimento, que consiste numa combinação de igualdade perante a lei, com a vedação expressa de certas discriminações (pelo sexo, origem, cor, crença, entre outros), constituindo, assim, o primeiro passo para o fim das disparidades entre os sexos.10

A Carta Brasileira vigente enfatiza que inseriu em seu bojo a igualdade assegurada, e mais, em direitos e obrigações. Não se trata, assim, de mera isonomia formal contida na expressão: igualdade perante a lei, consoante dispositivos das Cartas anteriores, e sim norma de eficácia plena, cuja violação constituirá uma postergação constitucional.11

Na Declaração de 1948, conforme constatamos, estão também inseridos: o princípio da liberdade, que abarca tanto a dimensão política como a individual; o princípio da solidariedade, que é protecionista das classes sociais, enunciando direitos: à seguridade social, ao trabalho, à livre sindicalização, à educação, à proteção ao desemprego, entre outros direitos sociais (artigos XXII a XXV); o princípio do respeito à dignidade humana,12Page 98 com certeza, o maior de todos relacionados aos direitos humanos. O desrespeito a esse princípio foi um dos estigmas do século passado. Neste século, do ponto de vista filosófico e sociológico, é enorme, pois é inerente ao ser humano,13 consoante palavras de José Afonso da Silva:

“A dignidade humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo a sua existência e a sua eminência, transforma-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.”14

A civilização e seus avanços tecnológico-científicos contribuíram também para o distanciamento15 e autodestruição entre os seres.16

Em tempos contemporâneos, Lourdes Bandeira assim se expressa:

“Falar da eqüidade de gênero é romper com o não reconhecimento da existência do outro, do diferente e, ao contrário disso, caminhar em direção à sua inclusão e ao seu reconhecimento. A perspectiva de gênero garante um olhar comprometido com a diferença e a especificidade femininas, em suas dimensões subjetiva, social e política. Por este ponto de vista, a mulher passa a fazer parte e será reconhecida como sujeito, nas arenas da vida cotidiana, na cultura, na história e nas relações de trabalho. As desigualdades tendem a ser superadas à medida que a perspectiva de gênero passa a ser incorporada.”17

1.1. O princípio da igualdade em nosso tempo

Page 99

Estamos no século XXI. O desenvolvimento verificado nos campos da Ciência e da Tecnologia acarretou mudanças profundas em todas as áreas do conhecimento e da informação, propiciando, inclusive a criação de diversos paradigmas de crescimento individual e de valores individuais e coletivos, numa integração de povos, numa relação sem fronteiras.

Estamos na ERA DAS INCERTEZAS,18 das indagações sem limites, profundas, complexas e polêmicas que, na própria Ética ou no Direito, não encontraremos respostas prontas e acabadas. Necessitamos, para tal, que seus conceitos e normas sejam repensados. O desenvolvimento na Engenharia Genética, por exemplo, deixa despreparada a Ciência do dever ser, pois o fenômeno vida é extremamente delicado e precioso, dificultando uma absoluta limitação, até pretensiosa, devido a Riqueza da Ciência Genética.

ÉPOCA em que o conceito de Direitos Humanos se amplia e se aprimora pela própria noção do Direito de Cidadania,19 exigindo indivíduos e grupos conscientes ou mais preparados para superar os obstáculos e os conflitos sociais.20

ERA em que a participação do povo no governo é condição fundamental para que se possa ter uma real democracia representativa, onde os seres humanos – homens e mulheres, são imprescindíveis nos atos da vida política e social do país, ratificando os ensinamentos dos juristas, dos sociólogos, dos filósofos, dos tecnólogos e demais estudiosos do assunto e da legislação internacional e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT