Casamento civil homoafetivo e o princípio da dignidade da pessoa humana

AutorOswaldo Giacoia Junior - Dóris Cássia Alessi
CargoPós-doutor pela Freie Universität Berlin (1993-1994), Viena (1997-1998) e Lecce (2005-2006) - Mestre em Direito pela UNIVEM
Páginas189-207
Revista Científica Direitos Culturais RDC
v. 9, n. 19 Setembro/Dezembro de 2014
Vinculada ao PPGD URISan
Oswaldo Giacoia Júnior e Dóris de Cássia Alessi (pp. 189-207)
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O CASAMENTO CIVIL HOMOAFETIVO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
HOMOAFFECTIVE CIVIL MARRIAGE AND THE PRINCIPLE OF HUMAN DIGNITY
Oswaldo Giacoia Junior
1
Dóris de Cássia Alessi2
Resumo: O present e trabalho tem por objetivo analisar a possibilidade jurídica do casamento civil
homoafetivo de maneira adequada ao atual paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito,
tendo como fundamento o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Com base na interpretação das leis e
na metodologia hermenêutica, visa demonstrar que diante do reconhecimento da união homoafetiva
estável, não existe fundamento válido que justifique o não reconhecimento do matrimônio civil entre
pessoas do mesmo sexo como instituto consentâneo com a Magna Carta e com novos conceitos jurídico-
filosóficos. Para isso, aborda os entendimentos construídos na literatura e na jurisprudência acerca das
formas de proteção dos relacionamentos homossexuais. Analisa ainda, sob a perspectiva da filósofa pós -
estruturalista estadunidense Judith Butler, a tese da desconstrução do gênero, com enfoque na discussão a
respeito da dualidade sexo/gênero. Ao trabalhar com uma perspectiva principiológica, o estudo acaba por
conduzir à necessidade do reconhecimento, no ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo, do
casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Palavras-Chave: princípio da dignidade da pessoa humana; uni ão homoafetiva; relações de gênero;
casamento civil homoafetivo.
Abstract: This paper aims to examine the legal possibility of civil homoaffective marriage adequately to
the current paradigm of constitutional democratic state, taking as a basis the Principle of Human Dignity.
Based on the interpretation of laws and hermeneutic methodology, aims to demonstrate that before the
union recognition of stable homoaffective union, there is no valid ground to justify the non-recognition of
civil marriage between persons of the sam e sex as the institut e consistent with the Magna Carta and new
legal and philosophical concepts. For this, the study discusses the un derstandings constructed in literature
and jurisprudenc e concerning the forms of protection of homosexual relationships. It also examines the
perspective of the post-structuralist U.S. philosopher Judith Butler, thesis of deconstruction of the genre,
focusing on the discussion of duality sex/gender. When working with a principled perspective, the study
ultimately leads to the need for recognition in contemporary Brazilian legal sy stem, marriage between
persons of the same sex.
Keywords: principle of human dignity; homoaffetive union; gender relations; homoaff ective civil
marriage.
Considerações iniciais
No Brasil e no mundo, milhões de pessoas do mesmo sexo convivem em parcerias
contínuas e duradouras, caracterizadas pelo afeto e pelo projeto de vida em comum. O
casamento civil homoafetivo tem sido objeto de questionamento por parte da
comunidade jurídica e de grande parte da população. Os tribunais brasileiros têm
1 Pós-doutor pela Freie Universität Be rlin (1993-1994), Viena (1997-1998) e Lecce (2005-2006). Doutor
em Filosofia pela Freie Un iversität Berlin (1988) e Mestre em Filosofia pela Pontifícia Unive rsidade
Católica de São Paulo (1983). Professor Ti tular do Departamento de Filosofia-IFCH da Universidade
Estadual de Campinas.
2 Mestre em Direito pela UNIVEM Centro Universitário Eurípedes de Marília, Pós-Graduação lato sensu
em Direito Educacional e em Aperfeiçoamento em Dir eito Público e Privado, Gradua ção em Direito pela
Faculdade de Direito d e Franca, Oficial de Registro do Cartório de Registro Civil das Pessoa s Naturais e
Interdições e Tutelas da Sede da Comarca de Dracena-SP. E-mail: doris.alessi @gmail.com.
Revista Científica Direitos Culturais RDC
v. 9, n. 19 Setembro/Dezembro de 2014
Vinculada ao PPGD URISan
Oswaldo Giacoia Júnior e Dóris de Cássia Alessi (pp. 189-207)
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debatido amplamente a possibilidade do reconhecimento jurídico das uniões entre
pessoas do mesmo sexo, discussões estas que levantam questões de grande relevância
para a interpretação das normas constitucionais. Todo questionamento decorre da
análise dos princípios constitucionais e das normas que regulam a união estável e os
direitos dela decorrentes. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal reconheceu,
aplicando, dentre outros, os Princípios Constitucionais da Igualdade e da Dignidade da
Pessoa Humana, a união estável homoafetiva. Aplicou tratamento isonômico para casais
homossexuais e heterossexuais.
Apesar do avanço nas conquistas dos direitos dos homossexuais, ainda não
existem políticas públicas ou leis que garantam o exercício de direitos básicos para
todos os cidadãos. Cada direito alcançado é fruto da luta de inúmeras pessoas que
desejam apenas o reconhecimento de seus direitos fundamentais, direitos estes
garantidos na Constituição Federal de 1988, que possui como um de seus objetivos a
liberdade à orientação sexual. A existência das uniões homoafetivas é um fato social.
Elas existem e cada vez mais os casais homossexuais procuram formas de garantir
segurança e reconhecimento às suas relações. O fato de a Constituição Federal garantir
proteção a união estável entre homem e mulher não significa que se deva discriminar ou
proibir outro tipo de união formada por pessoas do mesmo sexo. O mesmo aplica-se ao
casamento.
O importante é garantir que os preceitos constitucionais sejam aplicados
indistintamente a todos os indivíduos. A consagração do princípio da igualdade consiste
em tratar situações assemelhadas de forma semelhante, de modo a evitar a
discriminação como princípio. O princípio constitucional é o da igualdade como justiça
equitativa. Interessante destacar a evolução do conceito de família no ordenamento
jurídico vigente. Com a mudança de paradigmas da sociedade e de seus valores, nossa
Magna Carta reconheceu outras espécies de família além daquelas formadas pelos laços
do matrimônio. Atualmente, a família funda-se, sobretudo, no apoio afetivo e emocional
das pessoas nela integradas. Assim, as famílias de hoje são formadas tendo como
fundamento os laços afetivos. O que delineia uma base familiar é a convivência afetiva
das pessoas, o afeto, que deve gerar efeitos na órbita do Direito de Família, para além
deste ou daquele posicionamento ideológico, sociocultural específico ou religioso.
No sentimento que se expressa nas relações afetivas é que se encontra o alicerce
para construção da família; ela é a razão de ser da proteção constitucional. Considerando
que a Ordem Constitucional pátria possui como um de seus fundamentos essenciais o
primado da democracia, é de suma importância visualizar a observância, pelo legislador
constituinte, do acolhimento do afeto como um direito fundamental decorrente do
princípio da dignidade da pessoa humana, trazido no art. 1º, III, da Carta Magna. É
possível afirmar que a afetividade foi elevada à categoria de princípio constitucional,
direito fundamental.
Academicamente o tema é pertinente, em virtude de se apresentar como tema de
um novo debate: se a união estável entre duas pessoas do mesmo sexo é juridicamente
possível, por que não estender seus efeitos e reconhecer o direito ao casamento civil
homoafetivo?
O presente trabalho visa a responder tal indagação. Para tanto, foram utilizados,
como base, fundamentos teórico-jurídicos, e como pressupostos os Princípios da
Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana. A repercussão das relações homoafetivas
vem passando por profundas transformações, principalmente no que se refere à sua
proteção. Os desejos da sociedade, em luta por ver reconhecidos seus anseios, devem ser

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