O Caráter Humanitário da Comunicação dos Atos Processuais no Processo Penal

AutorAna Flávia Lima Pimpim de Araújo - Jairo do Socorro dos Santos da Costa
CargoProfessora especialista (Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins) - Graduando do curso de Direito (Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins)
Páginas25-31

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Introdução

A emanação processual penal de que "a citação inicial far-se-á por mandado, quando o réu estiver no território sujeito à jurisdição do juiz que a houver ordenado" (CPP, art. 351) é imperativo salutar ante o formalismo imperante no processo, para evitar abusos do poder estatal. Com a comunicação de que contra ele se deslinda um processo crime, além de se formalizar a relação triangular processual, abre-se oportunidade ao acusado para o contraditório e a ampla defesa constitucionalmente previstos, sem os quais se nuliicam os atos posteriores, sob pena de enfraquecer a segurança jurídica e fomentar o descrédito da prestação jurisdicional. Portanto, obedecer às formas de chamamento ao processo deve ser tão importante quanto a sentença.

São garantias individuais do cidadão frente ao Estado, construídas a partir dos princípios institucionais, sob a limitação de valores constitucionais, com contornos de-inidos por um processo legislativo democrático.

A jurisprudência dos tribu-nais superiores dá higidez para as normas processuais da citação, impedindo o desenrolar do processo sem a devida legalidade formal, reforçando os direitos hu-manos e dando ênfase à dignidade da pessoa, cujo ferimento macula a aplicação do direito e causa danos à moralidade e ao poder do Estado. Daí a necessidade de obe-diência intrínseca das emanações do instituto da citação. Assim, o Estado se corporiica na consoli-dação de promovedor da justiça e da paz almejada.

Uma vez inserto ao processo com sua relação triangular (acusação - juiz - réu), o acusado necessita conhecer os atos processuais que lá se desenrolam para garantir-lhe tanto o contraditório e a ampla defesa quantos necessário. Para tanto, o legislador criou o instituto da intimação, que segue os mesmos parâmetros da citação por expressa previsão do artigo 370 do Código de Processo Penal.

Dessa forma, é bom elucidar que o acusado tanto tem o direito de ser citado e intimado, como também o dever e o ônus de responder a todas as notícias e chamados do poder processante, sob a pena de suportar a revelia da sua inércia. A revelia tratada é diferente da prevista no processo civil porque, neste, o réu suporta a revelia das matérias de fato e controversas, já no processo penal o revel não mais terá a prerrogativa de ser cientiicado pessoalmente dos atos processuais, que poderão seguir curso normal sem a presença do acusado, com exceção da decisão de prisão cautelar e da sentença condenatória, das quais deve ser intimado do inteiro teor.

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1. Citação

Na lição de Vicente Greco Filho (2012, p. 323), "a citação é o chamamento do acusado a juízo, vinculando-o ao processo e a seus efeitos". Marcus Vinícius Rios Gonçalves et al (2012, p. 424) leciona e conceitua que "citação é o ato processual que tem a inalida-de de dar conhecimento ao réu da existência da ação penal, do teor da acusação, bem como cientiicá-lo do prazo para a apresentação da resposta técnica escrita". Nesse sentido, "o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado" (CPP, art. 363).

Destarte, a citação é provi-dência essencial à validade pro-cessual, sob pena de nulidade absoluta.

Nos ensinamentos de Fernando Capez (2013, p. 585), na citação toma-se por efeito o formalismo, pois "é o ato oicial pelo qual, ao início da ação, dá-se ciência ao acusado de que, contra ele, se movimenta esta ação, chamando-o a vir a juízo, para se ver processar e fazer a sua defesa".

Segundo a doutrina processualista, dois elementos são essenciais na citação do acusado: o inteiro teor da inicial acusatória para que, de posse dos argumentos da acusação, possa refutar os fatos narrados; e o chamamento do acusado para apresentar defesa técnica. Nesse sentido, é preciso que o acusado tenha ciência da imputação que lhe está sendo en-dereçada e, via de consequência, possibilitando-lhe a ampla defesa e o contraditório processual constitucional (CFB/88, art. 5º, LV), com a consequente resposta preliminar à acusação.

De toda forma, segundo a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), promulgada pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, durante o processo, toda pessoa tem direito de comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada (art. 8º, 2, b), o que preserva a higidez dos direitos humanos.

1.2. Decreto da citação

De acordo com o disposto no artigo 351 do Código de Processo Penal, estando o acusado sob jurisdição processante, a citação deverá ocorrer por mandado, aos cuidados de oicial de justiça, de-cretado pelo juiz competente da comarca respectiva, consoante artigo 396 do CPP. Esta forma é a regra geral utilizada para citação no Código de Processo Penal.

Assim, segundo Fernando Capez, a citação

"Somente cabe ao juiz deter-miná-la e, normalmente, a oicial de justiça cumpri-la. Tratando-se de infrações da alçada do Juizado Especial, a citação pode ser feita de viva voz, na própria Secretaria, por qualquer dos funcionários com atribuição para tanto, nos termos do art. 66 da Lei 9.099/95" (Capez, 2013, p. 586).

Dessa feita, reitera Fernando Capez: o mandado de citação é cumprido pelo oicial de justiça (2013, p. 589).

1.3. Ausência de citação ou seu vício

Para o regular andamento da persecução penal, a citação válida é obrigatória (CPP, art. 366). Assim, a relação jurídica processual só se formará com a citação válida do acusado, pois, consoante art. 363 do Código de Processo Penal, e "o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado". Dessa forma, "a relação jurídico-processual considera-se perfeita por estar presente o trinômio acusação, defesa e juiz" (Rios Gonçalves et al, 2012, p. 424-425).

Nos dizeres de Fernando Capez, para formalizar a ação penal garantindo o contraditório e a ampla defesa, além dos princípios humanitários, não se pode relativizar o instituto da citação.

"A citação do acusado no processo penal é indispensável, mesmo que tenha ele conhecimento do processo por outro motivo (interpelação, defesa preliminar etc.) e sua falta é causa de nulidade absoluta do processo (CPP, art. 564, III, e), porque afronta os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. O acusado ver-se-ia processado sem ao menos ter a possibilidade de contrariar as imputações que lhe foram lançadas" (Capez, 2013, p. 586).

Diferente é o entendimento de Marcus Vinícius Rios Gonçalves et al (2012, p. 425), segundo o qual, "a falta de citação ou vícios insanáveis no ato citatório constituem causas de nulidade absoluta do processo (art. 564, III, "e", do CPP), salvo se o acusado comparecer em juízo, dentro do prazo legal e apresentar a resposta escrita, por ter sido cientiicado da acusa-ção por outro meio qualquer".

Defende Fernando Capez (2013, p. 586) asseverando que:

"Como já foi dito, a citação tem dupla inalidade: cientiicar o acu-sado do inteiro teor da acusação e chamá-lo para vir a juízo apresentar a sua defesa. O comparecimento de quem não foi citado atende a esta última inalidade, mas não impede a ausência de conhecimento prévio da imputação".

Nesse sentido é o entendimento de Renato Brasileiro de Lima (2013, p. 1.238), segundo o qual, "se a citação válida é providência essencial à validade do processo, a nulidade absoluta decorrente da inobservância da forma prescrita em lei poderá ser arguida mesmo após o trânsito em

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julgado de sentença condenatória ou absolutória imprópria".

Por seu turno, a citação, por depender do formalismo processual, não poderia deixar de observar o aspecto legal que permeia de nulidade qualquer violação nesse sentido, porquanto, nas palavras de Fernando Capez:

"A falta ou defeito da citação é causa de nulidade absoluta, que não pode ser convalidada e, assim, independe de alegação da prova de prejuízo, que é presumido. Nula é qualquer citação que contem vício insanável por haver induzido o citando a erro que culmina em sua revelia" (Capez, 2013, p. 599).

Por outro vértice, a jurispru-dência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que é preciso haver prejuízo ao acusado, se não formalizada a citação...

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