Será que o brasileiro está poupando o suficiente para se aposentar?

AutorRicardo D. Brito - Paulo T. P. Minari
CargoInsper, São Paulo, SP, Brasil - Insper, São Paulo, SP, Brasil
Rev. Bras. Finanças (Online), Rio de Janeiro, Vol. 13, No. 1, January 2015, pp. 139
ISSN 1679-0731, ISSN online 1984-5146
©2015 Sociedade Brasileira de Finanças, under a Creative Commons Attribution 3.0 license -
http://creativecommons.org/licenses/by/3.0
Será que o brasileiro está poupando o
suficiente para se aposentar?
(Is the Brazilian saving enough to retire?)
Ricardo D. Brito*
1
Paulo T. P. Minari**
Resumo
Este artigo responde à pergunta: qual o acúmulo de patrimônio necessário para
que um brasileiro possa manter o seu padrão d e consumo na aposentadoria?
Baseado na Teoria do Ciclo d e Vida, simulamos diferentes cenários de renda
domiciliar, tamanho de família e circunstâncias de vida, par a determinar a
poupança complementar necessária aos futuros beneficiários do Regime Geral de
Previdência Social (RGPS). Mantidas as elevadas taxas de reposição,
demonstramos que mais de 95 % da população não necessita poupar durante a
vida ativa, pois desfrutarão de um aumento da renda livre per capita na
aposentadoria. Ou seja, surpr eendentemente, uma baixa taxa de poupança
voluntária é a reação correta da perspectiva do brasileiro médio que planeja um
consumo estáve l, crente na manutenção do arranjo previdenciário vigente. Não
fosse o altíssimo spread bancário, seria ótimo para o brasileir o médio se
endividar na fase ativa para elevar seu nível de consumo.
Palavras-chave: Teoria do Ciclo de Vida; Poupança; Previdência Social.
Códigos JEL: D14, D91, J32.
Submetido em 25 de fevereiro de 2015. Reformulado em 16 de abril de 2015. Aceito em
27 de abril de 2015. Publicado on-line em 5 de novembro de 2015. O artigo foi avaliado
segundo o processo de duplo anonimato além de s er avaliado pelo editor. Editor
responsável: Newton Carneiro Affonso da Costa Jr.
*Insper, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: RicardoDOB@insper.edu.br
**Insper, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: ppminari@gmail.com
Brito, R., Minar, P.
2 Revista Brasileira de Finanças (Online), Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 1, January 2015
Abstract
This article answers the question: how much wealth should a Brazilian
accumulate along time to sustain his (her) consumption during retirement? Using
a life-cycle model, we simulate scenarios for different household incomes,
family size, and life circumstances, to obtain the additional saving e ffort needed
by future beneficiaries of the Regime Ger al de Previdência Social (RGPS).
Given t he current high replacement rates, we show that more than 95% of the
population needs no additional savings during their working age, because they
will enjoy an increase in their “free” per capita income during retirement. In
other words, surprisingly, a low voluntary saving rate is the right decision from
the perspective of an average Brazilian that plans a smooth consumption, in the
belief that current social security arrangements will persist. Were it not for the
very high banking spread, it would be optimal for the average Brazilian to
borrow in the working age to increase his (her) consumption level.
Keywords: Life-Cycle Theory; Savings; Social Security.
1. Introdução
Com a maior longevidade, cresce a expectativa de anos de vida
inativos e exige-se um aumento correspondente da taxa de poupança para
sustentar o consumo na aposentadoria. Entre 1970 e 2010, os brasileiros
vivenciaram uma elevação da sua expectativa de vida de 58,6 para 73,4
anos, o que pôs a aposentadoria no horizonte de vida do cidadão médio,
sem um ajuste evidente dos hábitos de previdência (Banco Mundial,
2011). Apesar da geração que hoje beira 40 anos de idade vislumbrar uma
vida inativa de mais de 20 anos como regra, apenas 24% dos brasileiros
se preocupam com a aposentadoria, segundo Giambiagi (2007).
É reconhecido que as incertezas demográficas e macroeconômicas
dificultaram o planejamento das gerações atualmente maduras. Além
dessas incertezas, fatores como desigualdades sociais, legislação
trabalhista e o assistencialismo estatal contribuíram na moldagem dos
hábitos atuais de consumo e poupança. Porém, um não ajustamento de
hábitos ao novo contexto demográfico parece economicamente irracional,
pois implica uma perda de bem-estar previsível em decorrência da má
distribuição dos recursos ao longo da vida. A queda brusca do consumo
na aposentadoria por falta de recursos tem um efeito maior no bem-estar
do que uma redução equivalente do dispêndio em consumo distribuída ao
longo da vida.
Visando responder à pergunta se o brasileiro está poupando o
suficiente para se aposentar, este artigo mensura a necessidade de
Será que o brasileiro está poupando o suficiente para se aposentar?
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acumulação de recursos, segundo a metodologia proposta por Skinner
(2007). Baseados na Teoria do Ciclo de Vida, estimamos a riqueza
necessária para que o indivíduo possa manter seu consumo per capita
constante após a aposentadoria, segundo cenários alternativos.
A literatura sobre o tema é abundante para os EUA, motivada pela
perspectiva de aposentadoria da geração dos baby boomers. Por
exemplo, Skinner (2007) ilustra o caso norte-americano, simulando
diversas combinações de renda, estrutura familiar, contingências da vida
e taxas de reposição (definida como a razão aposentadoria/salário).
Constata que um norte-americano com salário anual de US$68.000, casa
própria, casado, dois filhos, e que planeje gastos até os 95 anos de idade,
deveria acumular um patrimônio de 3,3 vezes o seu salário bruto anual
excluindo o imóvel de residência até se aposentar aos 65 anos para
manter seu padrão de consumo daí em diante. Com salário anual de
US$136.000 e tudo mais constante, o patrimônio necessário sobe para
6,2 vezes o seu salário anual.
Os resultados apresentados neste trabalho para situações
representativas das famílias brasileiras são bastante diferentes dos obtidos
por Skinner (2007). No Brasil, há uma concentração das famílias em
níveis de renda baixa que recebem significativo suporte estatal na
aposentadoria, reduzindo consideravelmente suas necessidades de
poupança voluntária. Apenas as famílias com renda superior a 20 salários
mínimos mensais apenas 2,1% dos domicílios brasileiros, segundo a
Tabela 7.6.1 da PNAD de 2013 (IBGE, 2013) têm necessidade de
acúmulo de patrimônio para manutenção do consumo na aposentadoria.
Para famílias com renda inferior a 20 salários mínimos mensais,
considerando que tenham contribuído por mais de 35 anos para o INSS
(Instituto Nacional de Seguridade Social), o benefício mensal e o saldo
do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) são mais que
suficientes para manutenção do consumo; inclusive com folga financeira
para aumentar o padrão de vida, doar aos familiares mais jovens,
antecipar a aposentadoria, ou mesmo assimilar um corte significativo dos
benefícios do INSS.
1
Por exemplo, um casal com dois filhos, que habita casa própria, e
tem salário igual à média nacional dos domicílios de R$39.674 anuais (ou
R$2.983 mensais), conseguirá manter seu padrão de consumo mesmo se,
às vésperas de se aposentar aos 65 anos de idade, tiver uma dívida igual a
1
Para uma descrição das transferências intrafamiliares e inter-geracionais no Brasil, veja
Turra et al. (2011).

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